Acórdão nº 953/17.0T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO M…, por si e na qualidade de legal representante da menor Mi…, instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra J…, pedindo que este seja condenado no pagamento das quantias de € 30.00,00 a favor da menor Mi…, e de € 7.500,00 a favor da autora M…, ambas as quantias a título de danos não patrimoniais, acrescidas dos juros vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que o réu foi condenado por sentença, transitada em julgado em 04.03.2015, em processo criminal, que correu termos no extinto Juízo de Instância Criminal de Grândola, Comarca do Alentejo Litoral, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela prática como autor material e na forma consumada de 3 (três) crimes de abuso sexual de criança, p.e p. pelos artigos 171º, nº l, do Código Penal, sendo que em consequência dos factos que determinaram aquela condenação, a autora e a filha sofreram os danos não patrimoniais que enunciam e de que se querem ver ressarcidas.

O réu contestou excecionando, entre outras, a falta dos pressupostos da coligação, e impugnou os factos alegados, nomeadamente no que concerne aos danos e respetivo nexo causal, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Notificadas as autoras para se pronunciarem sobre as exceções invocadas pelo réu, vieram as mesmas opor-se à procedência das mesmas.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção da coligação ilegal, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento[1] e, a final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Nestes termos, julga-se a presente acção, intentada por Mi… e M… contra J…, parcialmente procedente e, em consequência: - Condena-se o Réu a pagar à Autora Mi… a quantia de 16 000 € (dezasseis mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa aplicável aos juros civis, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

- Condena-se o Réu a pagar à Autora M… a quantia de 3 000 € (três mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa aplicável aos juros civis, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

- Absolve-se o Réu do demais pedido.

» Inconformado, o réu interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem: «

  1. A douta sentença recorrida errou na apreciação da prova constante dos autos, tendo julgado incorrectamente os factos contidos nos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 da sentença (no campo “4. Fundamentação de facto”/ seu ponto “4.1.”).

  2. Os pontos contidos nos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 da sentença (no campo “4. Fundamentação de facto”/ seu ponto “4.1.”) deveriam ter sido dados como factos não provados se a prova tivesse sido analisada criteriosamente, o que entendemos que não correu.

  3. Com efeito, a impor decisão diversa quanto aos acima referidos pontos da matéria de facto existe toda a prova documental constante dos autos e, ainda, a prova testemunhal constante das gravações das diversas sessões de julgamento, tudo conforme exaustivamente elencado na motivação supra, ali com indicação expressa e exaustiva das concretas passagens dos depoimentos das testemunhas e declarações de parte que impunham decisão diversa (bem como transcrições das mesmas), passagens essas para as quais remetemos por imperiosas razões de economia processual relacionada com a sua extensão, considerando-se cumprido com esta remissão, o ónus imposto pelo art.º 640.º, nºs 1 e 2 do CPC (acórdãos do STJ de 21-03-2019, processo n.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2 e 23-05-2018, processo n.º 27/14.5T8CSC.L1.S1).

  4. De igual modo, a douta sentença recorrida errou na apreciação da prova quando deu como não provados os factos contidos nos pontos 30 e 31 do campo “4.2 Factos não provados”, página 6 da sentença.

  5. Concretamente, os depoimentos das testemunhas acima citados e, em muitos casos transcritos, impunha que ambos os referidos factos (contidos nos pontos 30 e 31) fossem dados como provados.

  6. A saber, quanto ao facto contido no ponto 30 testemunha A… sessão de 31-5-2019, minutos 3.15 a 5.30 sensivelmente e minuto 6.14 a 8.5; testemunha Al…, na sessão de 31-5-2019, minutos 23.30 a 24.30 sensivelmente; minutos 40.20 a 42.00; testemunha Ar…, na sessão de 31-5-2019, minutos 50.20 a 51.30, minuto 53.13 a 53.37 e minutos 56.34 em diante; a testemunha L… na sessão de 6-9-2019, minutos 9.00 em diante, e minuto 11.45; a testemunha Lu… sessão de 6-9-2019, minutos 3.14 até sensivelmente minuto 6.30, tudo conforme acima melhor desenvolvido e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

  7. Já quanto ao facto contido no ponto 31, impunham uma decisão de prova do referido facto os depoimentos da testemunha Ar…, sessão de 31-5-2019, minutos 53.57 a 55.36 e 1.05.46 a 1.07.52; testemunha Lu…, sessão de 6.9.2019, minutos 3.14 em diante e 6.40 em diante; a testemunha Mar…, sessão de 6-9-2019, minuto 28.40 em diante e 31.20 em diante e testemunha Ar…, sessão de 31-5-2019, minutos 53.57 a 55.36 e 1.05.46 a 1.07.52.

  8. Acresce, ainda, que a sentença incorre em nulidade, por falta de fundamentação, quando afirma nos seus pontos 4.1. e 4.2, que “com relevo para a decisão a proferir, provaram-se os seguintes factos” (4.1) e “Com relevo para a boa decisão da causa dão-se os seguintes factos como factos não provados” (4.2).

  9. A sentença não fundamenta, como obrigaria sob pena de nulidade o disposto nos artigos 607º, nº4, e 615º, nº 1, als. b) e c) do Código de Processo Civil, o porquê de entender que aqueles concretos factos da contestação são irrelevantes para a decisão da causa, violando além do mais o princípio do contraditório porquanto não permite que o Réu demonstre factos que tem por essenciais para contradizer a acção que lhe é movida pelas Autoras, nos termos que entende que melhor o salvaguardam.

  10. Assim, entende-se que pelo menos relativamente aos factos contidas na contestação e ali elencados nos artigos 93, 94, 95, 97, 98, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 134, 153, 154, 155, 156, 167, 168, 199, 200, e 201 a sentença não poderia deixar de, em primeiro lugar, fazer sobre eles um juízo crítico com base na prova produzida, o que não fez.

  11. Mais se entende que, a ter sido realizado esse juízo, se imporia a prova de todos eles, tudo com base nos depoimentos das testemunhas e declarações de parte, bem como na prova documental que, acima, em sede de motivação, de forma exaustiva e detalhada se elenca, com indicação das concretas passagens e minutos em que se contêm as mesmas nos suportes em que se contém a produção da prova, como é ónus do recorrente, que igualmente desta forma se entende cumprido, na esteira da jurisprudência do STJ antes citada. Dá-se, assim, por aqui reproduzidas todas as concretas passagens acima transcritas bem como a indicação dos minutos nas gravações onde as mesmas estão registadas.

  12. Ademais, a não prova dos danos alegados pelas Autoras logo no momento subsequente aos factos (2008), nos termos que acima entendemos ter demonstrado, apenas poderia levar a que, quando muito, se concluísse que as Autoras poderiam mesmo assim ter sofridos danos como consequência indirecta dos mesmos, por via do processo crime que veio a tramitar e à ordem do qual o Réu cumpriu pena de prisão.

  13. Sucede que, a demais prova produzida, designadamente a prova de factos como a manutenção de contactos com o Réu após 2008 e, essencialmente, a mudança de casa das Autoras para uma residência sita a 30 metros do escritório do Réu, desmonta por completo a tese invocada pelas Autoras na Pi e a que o Tribunal a quo deu acolhimento na sentença.

  14. A esse propósito há desde logo que apontar um erro crasso na decisão sindicada quando contraditoriamente dá como provados os factos contidos no ponto 25 e simultaneamente os contidos nos pontos 6 e 10 dos mesmos factos provados. Na verdade a prova dos factos contidos no artigo 25 não pode deixar de afastar a prova dos factos contidos em 6 e 10.

  15. Não se concebe que seja possível as Autoras sofrerem medo de se cruzarem na rua com o Réu, evitarem os locais que o mesmo frequenta, que saibam que o mesmo abusou da menor e, ainda assim, se decidam a avançar com a referida mudança de domicílio pessoal para uma casa no prédio ao lado do escritório que bem sabiam ser o do Réu, isto na pendência do processo crime, sem proferimento de acórdão final P) Não há maior descrédito para a versão dos factos alegada pelas Autoras do que este singelo facto dado como provado no ponto 25! Quando a justificação dada pela mãe da menor para a decisão de mudança (perante todos os receios que a própria diz que existiam, seus e da sua filha) é direcionada para a dimensão da casa nova (“a casa era enorme!”), quais dúvidas se dissipam sobre a existência de danos não patrimoniais que as mesmas vêm alegar na acção. É evidente que as Autoras não sofreram qualquer dano moral passível de indemnização, mesmo que os factos de 2008 sejam verdadeiros.

  16. Errou, pois, o Tribunal a quo ao julgar verificados danos na esfera das Autoras, em consequência das condutas dadas como provadas no processo crime, impondo-se a anulação da decisão nesta parte, com a consequente e necessária absolvição do Réu dos pedidos.

  17. Finalmente, como argumento subsidiário relativamente aos demais fundamentos do presente recurso, sempre importa notar que a sentença incorre na violação do disposto no art.º 496.º do CC quando extravasa largamente a liberdade que o julgamento por equidade lhe permite, condenando o Réu em valores absurdos para os factos em apreciação nestes autos, em clara dissonância com os critérios que a jurisprudência dominante convida a seguir na determinação do quantum indemnizatório com base na equidade.

  18. Com efeito, a ter-se como verificados danos na esfera das autoras que sejam...

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