Acórdão nº 66/19.0T8LGA-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 66/19.0T8LGA-B.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Lagoa – J1 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: A “Funerária (…), Unipessoal, Lda.” foi declarada insolvente e o subsequente incidente de qualificação da insolvência foi julgado procedente, tendo o afectado pela qualificação (…) interposto recurso desta decisão.

* O Administrador Judicial, acompanhado pelo Ministério Público, veio requerer a qualificação da insolvência de “Funerária (…), Unipessoal, Lda.” como culposa, ao abrigo do disposto no artigo 186º, nºs 2, alíneas a), d), f) e h) e 3, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pedindo a afectação do sócio gerente (…).

* Para o efeito, o Administrador Judicial alegou que a insolvente teve como único sócio e gerente o referido (…) e que após a declaração de insolvência solicitou lhe informações que o mesmo não prestou. Dos elementos da contabilidade fornecidos pelo contabilista da sociedade constavam disponibilidades financeiras no valor de € 192.495,68 e lançado em “outras operações” o valor de € 231.458,43. Desde o ano de 2012 até 2019 a contabilidade da sociedade manteve-se inalterada. As contas da sociedade foram apresentadas e aprovadas com os referidos montantes a constarem do património da sociedade mas os mesmos não existiam em caixa.

* A sociedade insolvente foi notificada e o requerido foi regularmente citado, tendo apresentado oposição.

* Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que qualificou como culposa a insolvência de “Funerária (…), Unipessoal, Lda.” e julgou afectado pela qualificação da insolvência o gerente (…).

Ficou ainda decidido: i) declarar (…) inibido, pelo período de sete anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa.

ii) condenar (…) a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos nos autos, até às forças do respectivo património, sendo o valor da indemnização o devido, de acordo com os créditos reclamados.

* O afectado pela qualificação não se conformou com a referida decisão e o recurso apresentado continha as seguintes conclusões [1] [2] [3] [4]: «I. Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença proferida nos presentes autos cujo teor se dá por reproduzido, e que decretou e qualificou como culposa a insolvência da “Funerária (…), Unipessoal, Lda.”, e declarou afectado pela qualificação o gerente (…).

  1. O recorrente impugna a decisão recorrida, invocando nulidades de sentença, impugnação da matéria de facto e de direito, porquanto: III. O Tribunal a quo proferiu Despacho Saneador, datado de 06/05/2020, tendo o recorrente em requerimento datado de 18/05/2020, apresentado reclamação do mesmo.

  2. Pretendendo o aditamento aos temas da prova dos seguintes: X) Punibilidade do gerente (ora requerente) da insolvente na qualificação da insolvência; Y) Exigibilidade dos montantes que se pretendem afetar ao gerente da insolvente.

  3. Até à prolação da sentença, nem nesta, o Tribunal a quo nada decidiu quanto à reclamação ao Despacho Saneador proferido.

  4. O que constitui uma nulidade da sentença, atento o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, pois cumpria ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre questões que não tomou, nomeadamente, a pretensão supra mencionada.

    Ademais, VII. Em sede de oposição ao incidente de qualificação da insolvência como culposa, veio o recorrente, em oposição, alegar, entre outros, que a mencionada qualificação da insolvência não podia ser determinada, uma vez que, os factos que motivavam aquela qualificação eram anteriores a 2016, e pugnou pela não punibilidade da insolvente e afectação do gerente, atento o disposto no artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, entendendo que só são relevados para o efeito da insolvência culposa os factos ocorridos nos 3 anos anteriores à declaração de insolvência.

  5. E, ainda, alegou o recorrente, que os créditos reclamados, todos eles de cariz tributário, por um lado já haviam sido revertidos para a gerência no que aos créditos da segurança social diz respeito, e quanto à AT entendeu o recorrente que tais montantes nem sequer seriam exigíveis à insolvência (por caducidade, inexigibilidade e falta de liquidação) em face do que em oposição aquele alegou e ficou demonstrado nos autos.

  6. No entanto, facto é que, aqui também, uma vez mais, o Tribunal a quo entendeu não se pronunciar sobre tais factos alegados e demonstrados pelo recorrente, pois, da sentença recorrida o Tribunal a quo nos factos não indicou os factos não provados, nem sequer teceu decisão sobre as questões levantadas em oposição pelo recorrente, como lhe assistia fazer ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.

  7. E, in casu, igualmente tal omissão constitui uma nulidade da sentença, pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões pelas quais lhe era exigível tomar decisão, com fundamento crítico pela prova e decisão tomada pelo Juiz a quo.

  8. O recorrente em sede de recurso sobre a matéria de facto decidida impugna a decisão sobre a matéria de facto constante no artigo 17.º dos factos provados, constantes naquela.

  9. Entendendo o recorrente que o meio de prova devido para a impugnação visada é o considerado no requerimento de qualificação de insolvência apresentado pelo Administrador de Insolvência e respectivo documento n.º 18 anexo.

  10. Sendo que, o recorrente entende então que a Decisão que deve ser proferida face à prova é a de que o facto provado n.º 17, ora impugnado, deve representar a seguinte decisão: “17. Na sequência de uma inspecção iniciada em 18/12/2018, a AT propôs uma correcção do valor de € 96.247,84 (tributações autónomas) por ter concluído que o saldo contabilístico em caixa, no valor de € 192.495,00, não existia nas disponibilidades financeiras da sociedade”.

  11. Sem sede de impugnação da Matéria de Direito, o recorrente entende ter sido violado o artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, porquanto: XV. Em face da matéria dada como provada, entendeu o Tribunal a quo em considerar verificados os pressupostos do artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, porquanto, no entender daquele órgão jurisdicional, foi no decurso dos 3 anos anteriores à declaração da insolvência que ocorreram os factos que determinaram a qualificação da insolvência como culposa.

    Porém, Venerandos Desembargadores, XVI. Em atenção à decisão recorrida, ficou provado que a insolvente cessou actividade em 2010; E a partir de 2012 os elementos contabilísticos e os registos das IES (contas) são imutáveis e não relevam quaisquer movimentos da insolvente.

  12. A posição do Tribunal a quo é que dado que a insolvente apresentou o registo de contas entre os anos de 2013 a 2019, tal significa que houve irregularidades a nível da contabilidade, que se integram na previsão da alínea h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

  13. Pois, para o Tribunal a quo, os documentos contabilísticos no estado em que se encontravam, sem reflexo da realidade social, davam uma ideia errada da situação patrimonial da sociedade, tanto mais que as contas aprovadas anualmente e registadas basearam-se nesses documentos contabilísticos.

  14. Mas, reitera-se, as contas registadas anualmente – a que alude o Tribunal a quo – apresentam desde 2012 os valores anuais sempre a 0, porque não houve movimento algum a partir de tal momento.

  15. Ademais, para o Tribunal a quo, havendo um saldo positivo refletido na conta de caixa, no valor de € 192.495,68, a inexistência efectiva desse valor no património da sociedade significa que esse valor foi retirado do local onde deveria estar.

  16. E entendeu ainda o Tribunal a quo que se tal montante foi retirado alguém beneficiou desse valor indevidamente, subtraindo esse valor aos credores da insolvente, o que contraria os interesses da sociedade, logo se preenchendo as previsões das alíneas a), d) e f) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

  17. Mas o Tribunal a quo também entendeu, na sua fundamentação, que não sabe em que momento é que esse montante foi retirado, ou seja, que pode ser anterior a 2012 ou outro ano qualquer… Posto isto, Venerandos Julgadores, XXIII. Contrariamente ao sufragado pelo Tribunal a quo, cremos que, conforme decorre da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, nomeadamente, a indicada nos artigos 16º, 19º e 20º dos factos provados, verifica-se que qualquer irregularidade à contabilidade da sociedade insolvente a ocorrer só podia acontecer até 2012, pois a partir de tal momento a contabilidade manteve-se inalterável, conforme a prova produzida e factos provados.

  18. Pois em face do encerramento da actividade em 2010 e, ainda, dado que a insolvente a partir de 2012 somente, para efeitos de IRC, ia registando as IES com valores e movimentos a 0, o que se apura, XXV. Atentos os documentos constantes no requerimento do Exmo. AI para qualificação da insolvência como culposa, é que no período de 2018 e 2019 invocando os elementos contabilísticos da sociedade insolvente frisam, variadas vezes, nomeadamente, fornecedores, resultados transitados, entre outros, que são valores até 2012 (Cfr. docs. 7 a 10 com o requerimento de qualificação da insolvência).

  19. Aliás, nos próprios documentos dados à acção anexos com o requerimento do AI mencionado que o fluxo financeiro da conta caixa no ano de 2018 foi de 0.

  20. Foi aferido, inclusive, pelos fiscais da AT, conforme mencionado na sentença recorrida que, desde 2010 que não há actividade na insolvente, nem sequer, desde 2012, qualquer movimentação a débito ou crédito nos documentos contabilísticos da sociedade e respectivas IES.

  21. Logo, entende-se que, apesar do Tribunal a quo ter dado como provado que a insolvente (sociedade) aprovou e fez registar as contas relativas aos anos de 2005 a 2010 e de 2013 a 2018, facto é que, não existe qualquer elemento probatório donde decorra que o sócio único, este sim, tenha...

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