Acórdão nº 3606/15.0T9SNT.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução02 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 3606/15.0T9SNT, procedeu-se ao julgamento de JO e MO , ambos melhor identificados nos autos, pronunciados como autores materiais e na forma consumada de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, cada um, previsto e punível pelo artigo 209.º do Código Penal.

O Banco Comercial Português, S.A., deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos/ demandados, peticionando a condenação dos mesmos no pagamento da quantia de 16 144,90 €, a título de indemnização por danos patrimoniais acrescida de juros de mora, vencidos desde 15.10.2018 e até integral e efectivo pagamento.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: « Pelos fundamentos de factos e de Direito expostos, o Tribunal decide: A) Condenar o arguido JO , pela prática, de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, previsto e punido pelo art.° 209.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), perfazendo o total de 630 € (seiscentos e trinta euros); B) Condenar a arguida MO , pela prática, de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, previsto e punido pelo art.° 209.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), perfazendo o total de 630 € (seiscentos e trinta euros); C) Condenar os demandados JO e MO , solidariamente, a pagar ao demandante Banco Comercial Português, S.A., a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de 14 000 € (catorze mil euros), acrescida de juros, à taxa de juros legais, vencidos desde 20.12.2014 até 18.10.2018, no montante de 2144,90 € (dois mil cento e quarenta e quatro euros e noventa cêntimos) e dos vencidos, desde então, e dos vincendos, à mesma taxa legal, até integral cumprimento; (…)» 2. Os arguidos recorreram desta sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): a) O presente processo iniciou com a QUEIXA (fls.03 a 17) ofertada pelo BCP, na qualidade de assistente de acusação; b) Os Recorrentes se tornaram insolventes no dia 27.10.2014, no âmbito do processo n.° 1783/14.6T8SNT: c) Considerando a sentença de insolvência acima, o Administrador da Insolvência, SR. LO , remeteu uma notificação ao Banco, a fim de indicar se os Recorrentes eram titulares de contas de depósitos à ordem ou a prazo; d) No dia 10.12.2014 o Banco recebeu uma nova carta por parte do Administrador de Insolvência, na qual solicitava que o BCP procedesse à transferência da totalidade dos valores existentes apenas nas contas de depósito a prazo para a conta da massa insolvente, em relação aos Recorrentes; e) No dia 16.12.2014 foi à agência do Banco de São João do Estoril - na qual a conta de titularidade dos Recorrentes estava domiciliada -, que procedesse ao resgate dos depósitos a prazo titulados pelos Recorrentes e, posteriormente, transferisse os valores para a conta da massa insolvente; f) No dia 18.12.2014 para cumprir a ordem acima descrita, o colaborador da agência do Banco de São João do Estoril, SR. RA , acendeu ao sistema informático do BCP e procedeu ao resgate dos depósitos a prazo titulados pelos Recorrentes, no montante de € 14.234, 60 (quatorze mil, duzentos e trinta e quatro euros e sessenta cêntimos), pelo que, este valor ficou disponível na conta de depósitos à ordem n.° 45315027020; g) Este valor é proveniente de uma poupança reformar que os Recorrentes fizeram; h) O SR. RA - colaborador do Banco -, procedeu o carregamento em sistema da transferência do valor de € 14.234, 60 (quatorze mil, duzentos e trinta e quatro euros e sessenta cêntimos) para a conta da massa insolvente dos Recorrentes. Porém, para operação (transferência do valor para a massa insolvente) ter plena eficácia seria necessário que tivesse a validação por mais um colaborador do Banco; i) Em função disto, o SR. RA solicitou à gerente da agência, SRA. MJL que pudesse validar a operação e, assim, transferir definitivamente o valor para a conta da massa insolvente; j) Por outro lado, por lapso da retro citada colaboradora do Banco, a validação da operação não foi corretamente inserida no sistema, pelo que, o valor de € 14.234, 60 (quatorze mil, duzentos e trinta e quatro euros e sessenta cêntimos) não foi transferido para a conta da massa insolvente; k) Assim sendo, ao tomar conhecimento, através do multibanco que o citado valor, cuja proveniente é uma poupança reforma, o SR. JO , deslocou-se até a sucursal bancária de São João do Estoril, no entanto, em razão desta agência ter sido vítima de assalto, o Recorrente foi até a agência do Banco situada no Estoril; l) Ao chegar lá, o Banco não apresentou absolutamente nenhuma dificuldade para levantar o valor, pelo que, o Recorrente de plena boa-fé e desprovido do dolo de se apropriar indevidamente o levantou, mesmo porque, tal montante é de sua propriedade, assim sendo, não estando a cometer nenhum crime; m) Entendimento jurídico este, que foi inclusivamente levantado pelo Ministério Público no DESPACHO DE ARQUIVAMENTO (fls.244 a 246) no sentido de arquivar os autos, considerando que não encontrou nenhum indício de crime por parte dos Recorrentes; n) Na audiência de julgamento restou cabalmente ilustrado que houve um lapso da SRA. MJL em não transferir o valor para a conta da massa insolvente, bem como, o banco não apresentou nenhuma dificuldade em repassar o valor para os Recorrentes, onde, estes não têm o conhecimento acerca das burocracias e procedimentos bancários e, portanto, não agiram com dolo; o) A respeitável sentença proferida pelo juizo a quo, violou o princípio da taxatividade e legalidade, nos termos do artigo 29, n.°1 da Constituição da República Portuguesa, 49, n.° 1 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, e artigo n.° 1, n.° 1 do Código Penal, pelo que, o valor levantado é de propriedade dos Recorrentes, bem como, diante das circunstâncias, não houve dolo em sua conduta, deste modo, não incidindo no tipo penal delineado no artigo 209° do CP, merecendo serem absolvidos nas condenação penal e cível; Ou, em caso de entendimento divergente; p) Face aos Recorrentes não terem agido com dolo, corroborado com o lapso bancário, desconhecimento das burocracias, no âmbito do Banco, falta conhecimento técnico, idade avançada e a facilidade em que tiveram para levantar o valor, certamente, os mesmos se portaram consoante a situação do artigo 16°, n.°1 do Código Penal, ou seja, erro sobre as circunstâncias de facto, ou seja, devendo sua absolvição prosperar tanto na esfera penal, quanto cível; q) A decisão ora confrontada, data maxima venia, desacatou os princípios de presunção de inocência e in dubio pro reo, positivados no artigo 32°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, posto que, os Recorrentes foram condenados, mesmo a dúvida estando a favorecê-los; r) Na remonta hipótese de condenação, requer os Recorrentes que sejam condenados ao mínimo legal, considerando sua ausência de antecedentes no registo criminal, idade avançada e culpa diminuta.

s) Ante a ausência de incompatibilidade e conflito de interesse, o presente recurso está aderido eletronicamente pela Ilustre colega e mandatária da Sra. MO , a Dra. IV , Cédula Profissional n.° 20144L, portanto, não existe nenhum problema relacionado à legitimidade do presente recurso.

TERMOS EM QUE REQUER A ABSOLVIÇÃO DOS RECORRENTES EM ÂMBITO PENAL E CÍVEL, COM FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, TAXATIVIDADE, PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E IN DUBIO PRO REO, E ALTERNATIVAMENTE, ERRO SOBRE AS CIRCUNSTÂNCIAS DE FACTO, CONSIDERANDO QUE OS MESMOS NÃO AGIRAM COM DOLO, FAZENDO-SE ASSIM A HABITUAL E COSTUMADA JUSTIÇA.

  1. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, no sentido de que a sentença recorrida não merece censura.

  2. A assistente/demandante Banco Comercial Português, S.A., respondeu igualmente ao recurso, sustentando que o mesmo não merece provimento.

  3. Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), acompanhou a posição constante da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público junto da 1.ª instância.

  4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    II – Fundamentação 1.

    Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

    Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: - ausência de dolo por parte dos arguidos; - violação pela sentença recorrida do princípio in dubio e do princípio da taxatividade e legalidade, nos termos do artigo 29.º, n.°1, da Constituição da República Portuguesa, 49.º, n.º 1, da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, e artigo 1.º, n.°...

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