Acórdão nº 307/18.0JAFAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução24 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal de Faro, Juiz 1, correu termos o Proc. n.º 307/18.0JAFAR, no qual, na sequência da instrução requerida pela assistente (R…, melhor identificada nos autos), foi decidido rejeitar o requerimento de abertura de instrução, “por o mesmo ser legalmente inadmissível, atentos o preceituado nos art.ºs 283 n.º 3 al.ª b) e 287 n.ºs 2 e 3 do Código der Processo Penal” (despacho de 20.12.2019)

--- 2. Recorreu a assistente de tal despacho – que rejeitou o requerimento de abertura da instrução - concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - Vem o presente recurso interposto da douta decisão que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, por considerar que daquele não constam todos os elementos mencionados no artigo 283 n.º 3 al.ª b) e 287 n.ºs 2 e 3 do CPP

2 - A decisão de que se recorre padece, salvo o devido e merecido respeito, de falta de fundamento legal que possa de alguma forma sustentar que o requerimento de abertura de instrução apresentado pela recorrente não se encontre devidamente instruído, de acordo com as exigências elencadas no art.º 283 n.º 3 do CPP

3 - Nos termos do n.º 3 do artigo 287 do CPP, o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal

4 - Face à decisão do Mm.º Juiz do tribunal a quo, entende a recorrente que a decisão em apreço só é percetível à luz de um qualquer lapso de apreciação que certamente toldou a análise crítica do Mm.º Juiz, pois estamos perante uma clara falta de correspondência entre a apreciação casuística-legal e o efetivo teor do requerimento de abertura de instrução

5 - Dos factos carreados no requerimento de abertura de instrução deduzido pela recorrente é possível extrair que a mesma localiza a ação no tempo e no espaço e inicia e a descrição do tipo objetivo, mantém a narração dos factos e identifica as circunstâncias de modo e tempo, bem como os indícios da autoria dos mesmos, fazendo-o também em relação a cada um dos ilícitos penais invocados no requerimento, isto é, quanto aos crimes de violação de domicílio ou perturbação da vida provada, previsto e punido pelo art.º 190 do CP, devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192 n.º 1 al.ª d) do CP, e devassa por meio informático, p. e p. pelo art.º 193 do CP, extorsão, p. e p. pelo art.º 223 n.º 1 do CP, e perturbação da vida privada, p. e p. pelo art.º 190 n.º 2 do CP

6 - O mesmo se diga no que concerne aos outros meios de prova que foram introduzidos e solicitados pela recorrente no decurso do inquérito e que não foram devidamente analisados e valorados por quem de direito, sendo que da análise do douto despacho de rejeição do requerimento para abertura de instrução resulta que o Mm.º Juiz a quo não se pronunciou quanto à não realização de outros meios de prova essenciais para a descoberta da verdade material

7 - A recorrente, no requerimento de abertura de instrução apresentado, expõe factos e indica elementos de prova que deveriam e mereciam ter sido devidamente considerados e investigados no decurso do inquérito, nomeadamente, os depoimentos da arguida e da testemunha A…, os autos de busca e apreensão realizados pela Polícia Judiciária e respetivos relatórios, e ainda os ofícios requeridos à operadora de telecomunicações NOS

8 - Na verdade, os ofícios solicitados à operadora NOS são essenciais para a descoberta da maioria dos factos expostos na participação criminal e requerimento de abertura de instrução apresentados pela recorrente, no entanto, o digníssimo Ministério Público manifestou posição oposta no decorrer do inquérito ao não efetuar as diligências necessárias para a descoberta da verdade, pelo que, face à insuficiência das diligências realizadas pelo Ministério Público no decorrer do Inquérito, bem como aos factos trazidos pela recorrente aquando das declarações prestadas e no requerimento de abertura de instrução, deveria o Mm.º Juiz a quo ter ordenado a sua promoção em sede de instrução e, assim, ter deferido o requerimento de abertura de instrução deduzido pela recorrente e, em consequência, ser ordenada a abertura de instrução

9 - Nesta pendência, sempre se dirá que, em função da transcrição supra efetuada de excertos do requerimento de abertura de instrução, é notório que a recorrente não se limita a descrever as razões de facto e de direito de discordância dos fundamentos do despacho de arquivamento

10 - A recorrente vai mais além, construindo uma narração acusatória enquadrada no espaço, no tempo e modo como os factos foram praticados e, bem assim, identificando o autor material dos mesmos

11 - O elenco acusatório relatado no requerimento de abertura de instrução está, salvo melhor opinião, descrito de modo lógico e encadeado, sendo completamente percetível a todos os seus destinatários, pelo que estamos certos de que quem leia o requerimento de abertura de instrução fica ciente de que naquele momento temporal, daquele modo e naquelas circunstâncias, aquela pessoa praticou os factos descritos e, por isso, deverá ser acusada pelos mesmos

12 - Ainda que o requerimento de abertura de instrução não se encontrasse devidamente elaborado, por mera cautela, dir-se-á o seguinte: - Dispõem os n.ºs 2 e 3 do art.º 287 do CPP que “o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação (…)”

- Por seu turno, o art.º 283 n.º 3 al.ªs b) e c) do mesmo Código referem que a acusação deverá conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; e a indicação das disposições legais aplicáveis

13 - Ora, das normas legais supra referidas é possível extrair que mesmo que o requerimento de instrução criminal não se encontrasse devidamente elaborado, em termos semelhantes ao de uma acusação, a lei, nomeadamente do n.º 2 do art.º 287 do CPP, também não o exige

14 - Conforme supra referido, a recorrente, no requerimento de abertura de instrução, não procede à mera referência dos crimes imputados, expôs e narrou devidamente os factos que, em sua opinião, constituem indícios da prática dos crimes enunciados e que mereciam e deviam ser alvo de uma investigação mais profunda, tal como indicou devidamente o seu principal agente, enquadrando, do que se recorda e consegue precisar, os factos no espaço e no tempo

15 - O requerimento de abertura de instrução apresentado pela recorrente descreve factos integradores dos elementos constitutivos dos crimes em apreço e que pretende ver imputados à arguida

16 - Para além disso, o requerimento de abertura de instrução descreve ainda circunstâncias de tempo e lugar e identifica devidamente a arguida como sendo a autora material da prática dos crimes nomeados, pelo que não deveria o Mm.º Juiz a quo ter rejeitado o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal, ao abrigo do disposto no art.º 287 n.º 3 do CPP, uma vez que a interpretação deste preceito legal não pode ser realizada de forma restritiva e formalista, sendo imperativo enquadrá-lo na previsão legal dos crimes em causa

17 - Ademais, é do conhecimento geral que o requerimento de abertura de instrução, e de acordo com os artigos 286 n.º 1, 287 n.º 2, 283 n.º 3 al.ªs b) e c) e 287 n.º 3 do CPP, constitui o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz de instrução: investigação autónoma, mas autónoma dentro do tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura de instrução

18 - Conforme referido no acórdão do STJ, de 24/09/2003, no caso do requerimento de instrução pelo assistente, “o pressuposto da vinculação temática do processo só pode ser constituído pelos termos desse requerimento, que há-de definir as bases de facto e de direito da questão a submeter ao juiz. Na definição do objeto processual que vai ser submetido ao conhecimento e decisão do juiz há, assim, uma similitude funcional entre a acusação do Ministério Público e o requerimento do assistente para abertura de instrução no caso de não ter sido deduzida acusação”

19 - De acordo com o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, pág. 139, formalmente, o assistente indica como o Ministério Público deveria ter atuado, ou seja, que “não deveria arquivar, mas acusar e em que termos o deveria ter feito”, invocando razões daquela dupla vertente, sendo imprescindível que do requerimento de abertura de instrução conste a narração dos factos constitutivos do crime ou crimes imputados a cada um dos arguidos e das disposições legais

20 - Ora, a descrição factual mencionada deve conter os factos concretos suscetíveis de integrar os elementos objetivos e subjetivos do tipo criminal que o assistente considere terem sido preenchidos – neste sentido vide os acórdãos do Tribunal de Coimbra de 06/07/2011, no qual é sugerida outra jurisprudência no mesmo sentido: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/03/2003, do Tribunal da Relação do Porto de 07/01/2009 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/02/2005

21 - Assim, e ao contrário do constante no despacho recorrido, a recorrente verteu no requerimento de abertura de instrução a narração dos factos, objetivos e subjetivos, que imputa à Arguida, fundamentadores da aplicação de uma sanção penal, indicando as disposições legais aplicáveis, inexistindo fundamento para sua rejeição por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do art.º 283 n.º 3 do CPP

22 - Em suma, o despacho...

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