Acórdão nº 2310/15.3T9PTM.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | F |
Data da Resolução | 24 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1 - RELATÓRIO 1.1. Neste processo, que se iniciou com a queixa apresentada em 23/04/2015, pela sociedade (...), contra (...), Ld.ª, (…), (…) e (...), por factos que, em abstrato, seriam suscetíveis de integrar a prática, em coautoria e em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, do Código Penal e, ainda, a prática por (...) de um crime de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358º, al. b), do C.P., findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no artigo 277º, n.º 1, do CPP.
1.2. Inconformada com tal despacho, a sociedade (...), que se constituiu assistente nos autos, requereu a abertura da instrução, tendo, por despacho proferido pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal, em 04/09/2018, sido rejeitado o requerimento, por inadmissibilidade legal, nos termos do artigo 287º, n.º 3, do CPP, concretamente por o RAI não conter factos suscetíveis de preencher, quer os elementos objetivos, quer subjetivos, dos crimes imputados aos arguidos, em observância do disposto na al. b) do n.º 3 do artigo 283º, ex vi do n.º 2 do artigo 287º, ambos do CPP.
1.3. Não se conformando com o assim decidido, a assistente (...) interpôs recurso para este Tribunal da Relação, o qual foi julgado procedente, por acórdão proferido em 11/04/2019, sendo, em consequência, revogado o despacho recorrido e determinada a sua substituição por outro que ordenasse a abertura da instrução, seguindo-se os demais termos do processo (cf. fls. 1043 a 1062).
1.4. Em cumprimento do determinado por este TRE, foi ordenada a abertura da instrução, que teve lugar, tendo o Sr. Juiz de Instrução Criminal, proferido, em 06/02/2020, decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos.
1.5. Inconformada, recorreu a assistente (...), para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as seguintes conclusões: «1. A ofensa causada pelos arguidos aos interesses economicamente inavaliáveis da Assistente foi grave, merecedora da tutela do direito (e de desvalor tão intenso que justifica tal tutela mediante reacção penal).
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Da prova documental junta e das declarações prestadas pelo Recorrente, resulta que o Tribunal a quo errou notoriamente na valoração e apreciação da prova, em especial a matéria factual DADA COMO PROVADA na Certidão com trânsito em julgado de 20-03-2019 do Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, certificado nos autos de Apelação em processo comum e especial (2013) n.º 1691/13.8TBABF constante nestes autos de instrução (com relevância criminal quanto à prática do crime de burla qualificada p. e p., pelo art.º 218º do C.P, imputável a todos os arguidos que ora em sede penal preenchem à saciedade, os elementos objectivos e subjectivos do referido crime de burla qualificada (“burla processual”) pelo preenchimento do tipo de burla comum, cujo desenvolvimento de artifícios de índole processual foi apta a manipular a actividade judicial em proveito patrimonial próprio como supra amplamente explanado.
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Estão verificados no tipo de crime de burla qualificada p. e p., pelo art.º 218º do C.P, Sucintamente: (A) Os Sujeitos Activo do Crime - Os arguidos (...) Lda., (...), (… ora falecido) e (...), tendo como intenção obter para si ou para terceiro, o enriquecimento ilegítimo.
(B) A Astúcia - Que correspondeu, pelos arguidos como supra relatado, ao estratagema, ardil, maquinação, à habilidade para enganar a denunciante a fim de retirar-lhe o bem património, o imóvel e ainda lhe exigirem judicialmente o pagamento de €204.000,00 mais juros.
(C) O Erro ou engano - neste caso, a parte Autora (...) Lda., num processo, com a sua conduta enganosa, realizada com ânimo de lucro, induz o Juiz em erro e este, em consequência do erro, dita uma sentença injusta que causa um prejuízo à parte ora assistente; o ardil montado desde o inicio pelos arguidos, por estes serem conhecedores de nunca poderem realizar a escritura definitiva no cartório notarial por falta de Licença de utilização quando realizaram o contrato promessa, tendo orquestrado uma autentica falsidade, documental e de vontade negocial, referido na motivação da Douta sentença cível transitada que concluiu que… “Além de (...) ter conluiado com a “(...)” a celebração do contrato-promessa que não cumpriu (até porque nessa altura já não era gerente da promitente vendedora), foi proposta a ação de execução específica em que a “…” não tinha intervindo e usando o título proveniente da sentença, entretanto anulada, desfez-se do bem através da declaração de venda à “…” e da apresentação de uma licença de utilização que, segundo a entidade competente para a emitir, disse não existir (E) Prejuízo patrimonial - O objecto deste crime foi o património da lesada Assistente que lhe fora retirado e cumulativamente ficou por sentença judicial condenada ao pagamento à (...) Lda., de €204.000,00 mais juros para efeito de expurgação dos direitos reais de garantias de hipoteca e penhoras sobre o referido prédio, acrescido dos respectivos juros moratórios, à taxa de juros legal, (e diga se dívidas prescritas à data da PI, pois prescreveram em 2008 sendo a acção cível de 2013.), bem como, a arguida (...) procedera à venda em 6 de Novembro de 2014, pelo preço de €132.000 do prédio à sociedade (…), correndo o risco de a Assistente perder este imóvel para sempre, o que conseguiu evitar á custa de dispêndio de quantias elevadas em custas judiciais em acções judiciais intentadas por si e em honorários de advogado.
(F) Conduta Dolosa - Cometido pelos arguidos dolosamente e em qualquer das modalidades de dolo (art. 13 do C.P.) vertido nesta sentença proferida que declarou: “Em vista da factualidade apurada, é evidente que a autora (leia se (...) Lda.,) agiu com culpa, no seu grau máximo, dolo, uma vez que outorgou o acordo de fls. 12 com um objetivo diferente do ali declarado, a saber contribuir para que (...) cumprisse o que antes afirmara que a então mulher (depois ex-mulher) e que era sócia da (...) dona, além do mais, da casa de morada de família, com nada ficasse depois do divórcio.
Depois usou o sistema de justiça, propondo uma ação, conhecendo o conflito e sabendo que (...) não era mais gerente da sociedade e que inexistia licença de utilização com o fito de obter a substituição da declaração da (...) que sabia que não obteria de outra forma. (acrescentamos, com a comparticipação dolosa de (...), ex.- Gerente da Assistente).
G) Intenção de enriquecimento ilegítimo - Elemento subjectivo especial da ilicitude que acresce ao dolo em sentido próprio (dolo do tipo), dado que a consumação da burla se basta com a diminuição do património da vítima ao retirar como retiraram o património imobiliário da denunciante, acrescido do pedido formulado na P. I., de a Ré ser condenada a pagar à arguida (...) a quantia de 204.831,27 € acrescido dos respectivos juros moratórios, à taxa de juros legal, obtendo para a (...) do sócio (…) e (…) a entrega do bem e se locupletarem com os proventos daí decorrentes, pois existiam inúmeras obras de construção clandestinas entretanto realizadas nesse imóvel, - A moradia fora alterada, ficando no r/c dois T2 e no 1º andar um T3, -Uma piscina - Dois apartamentos T2 junto a esta com cave onde está a adega,- Um restaurante - “…” - dois apartamentos T1 e um T2, paredes-meias com o restaurante, - Uma cave – adega, Imóveis construídos e em uso - facto provado em 29, 44, 45 e 46, da douta sentença sufragada pelo Tribunal da Relação; (H) Resultado ou consumação - O resultado típico foi o empobrecimento que sofreu da Assistente com o dano sofrido por este crime material de burla processual com a sentença proferida em 7 de Maio de 2014 cujo conteúdo foi levado a registo pela Ap. 1831, de 2 de Outubro de 2014, que, com este dano consumaram os arguidos o prejuízo referido em, E).
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O despacho de não pronúncia não levou à consideração todos os factos alegados pelo Recorrente por via da queixa e do requerimento de abertura de instrução (que deu por reproduzida na íntegra a queixa, com todas as consequências legais) 5. Sendo omisso quanto a uns e impreciso quanto a outros.
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Não viu o Juiz a quo quando o devia ver o esquema ardiloso montado pelos mencionados arguidos, quando no despacho em crise se socorre sucintamente: “Existe uma acta da sociedade denunciante (acta n.º 9) que confere poderes ao arguido (...) para praticar actos de alienação do imóvel em causa. E tal circunstância abala logo a formulação constante no RAI, pois que se o arguido detinha poderes para celebrar o contrato promessa ou eventual escritura pública, é difícil daqui extrair um qualquer esquema ardiloso, no sentido exigido pelo tipo criminal” Esquece se ou por lapso não atendeu que mesmo tendo (...) esses poderes para celebrar o contrato promessa/ (que em tese se analisa para efeitos de patrocínio), mas só poderia usar esses poderes desde que dentro da legalidade e outra coisa é não poder celebrar um contrato promessa, que por ter sido realizado com eficácia real obrigava a ser por escritura pública, e não tendo sido pelo notário verificado e mencionado Vide: Doc. 1, da P.I. de execução específica, a existência de licença de utilização válida, nesta escritura, como a lei o obriga, daí ter o notário omitido expressamente esse facto jurídico relevante que é analisar se esse prédio a transmitir tem ou não a licença de utilização dando este documento de contrato promessa a aparência de válido quando não o era ab initio (imposição legal do notário de só poder realizar escritura de imóveis urbanos com licença de utilização válida) como bem fora judicialmente declarado a sua ineficácia.
Só teria relevância afirmar que (...) tinha poderes para assinar um contrato promessa caso fosse exequível que esse contrato pudesse ser lavrado...
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