Acórdão nº 1193/16.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1193/16.0T8STR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Central de Competência Cível – J2 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Na acção declarativa de condenação proposta por (…), na qualidade de curadora de (…), contra (…), “(…) – Gestão e Investimentos Imobiliários, Lda.” e “(…) – Serviços Florestais, Lda.”, a Autora veio interpor recurso da decisão que julgou improcedente a acção.

* A Autora pedia: a) que fosse decretada a anulação dos contratos de compra e venda dos imóveis descritos e, consequentemente, que fosse ordenado: i) o cancelamento do registo de aquisição a favor dos Réus.

ii) a imediata entrega ao património da lesada dos prédios livres de pessoas e bens.

  1. a condenação da Ré (…) a pagar à lesada a quantia de € 45.000,00 a título de compensação pela privação do uso dos prédios identificados no artigo 27º da petição inicial, bem assim como no montante anual de € 9.000,00 por cada ano que a lesada se encontrar desapossada dos prédios.

  2. caso se conclua pela inexistência de má fé quanto às 2.ª e 3.ª Rés e, consequentemente, sejam elas mantidas na propriedade dos imóveis por si adquiridos, seja a Ré (…) condenada a indemnizar a lesada no diferencial entre o valor emprestado a esta (€ 35.000,00 no total) e o valor venal dos prédios ao tempo das compras e vendas, por si efectuadas à lesada.

  3. A condenação das Rés, solidariamente, a indemnizar a lesada por danos morais no valor de € 10.000,00.

    * Para o efeito e em síntese, a Autora alega que (…) foi declarada inabilitada e que sofre de episódios hipomaníacos delirantes motivados por doença bipolar, esquizofrenia e doença degenerativa desde, pelo menos, o ano de 1985.

    Mais adianta que a referida patologia incapacita-a totalmente de gerir o seu património, levando-a a dissipar bens de valor assinalável. Fruto dessa incapacidade, (…) celebrou contratos de compra e venda lesivos dos seus interesses com a Ré (…). Estes prédios foram posteriormente vendidos às sociedades Rés com ampla margem de lucro.

    * Devidamente citada, a Ré (…) contestou, dizendo, em síntese, que o seu pai (…) nunca fez empréstimos a (…) e que todas as quantias entregues se destinavam ao pagamento do preço das compras e vendas celebradas.

    Conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido, requerendo a condenação da Autora como litigante de má-fé.

    * A Ré “(…) – Serviços Florestais, Lda.” contestou, arguindo a excepção de ilegitimidade da Autora e a excepção de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, bem como a caducidade do direito que a Autora pretende fazer valer na acção.

    Em sede de impugnação, a Ré contesta o valor patrimonial dos prédios que se encontravam em estado de abandono e afirma que desconhecia que decorria a acção de inabilitação da mãe da Autora.

    * Em sede de reconvenção, a Ré “(…) – Serviços Florestais, Lda.” pede que a Autora seja condenada a pagar as benfeitorias por si realizadas no montante de € 317.303,29, bem assim dos valores a liquidar em execução de sentença correspondentes ao que ainda será pago referente a trabalhos em curso e em fase de acabamentos.

    Requer ainda a condenação da Autora como litigante de má-fé.

    * No seu articulado de contestação a Ré “(…) – Gestão e Investimentos Imobiliários, Lda.” contestou nos mesmos termos da outra sociedade Ré e apresentou igualmente pedido reconvencional.

    * A Autora respondeu às reconvenções apresentadas, às excepções deduzidas e aos pedidos de condenação como litigante de má fé, concluindo pela improcedência total dos mesmos.

    * A Autora requereu a intervenção principal passiva de (…) e (…), a qual foi admitida.

    Devidamente citados, os intervenientes principais (…) e (…) defenderam-se por excepção invocando a ilegitimidade da Autora, a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e a caducidade do direito que a Autora pretende fazer valer. Mais sustentaram que nunca tiveram qualquer relação com a inabilitada, pessoa que desconhecem.

    * Foi proferido despacho saneador em que foram julgadas improcedentes as referidas excepções.

    * Foram enunciados os temas da prova, que não foram objecto de reclamação.

    * A sentença recorrida decidiu: a) absolver os Réus (…), “(…) – Gestão e Investimentos Imobiliários, Lda.”, “(…) – Serviços Florestais, Lda.” e (…) e (…) dos pedidos formulados pela Autora (…).

  4. não conhecer dos pedidos reconvencionais deduzidos pelas Rés “(…) – Gestão e Investimentos Imobiliários, Lda.” e “(…) – Serviços Florestais, Lda.” por a sua apreciação estar dependente da procedência da ação.

  5. julgar improcedentes os pedidos de condenação da Autora como litigante de má – fé.

    * A recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou alegações com as seguintes conclusões: «1 – Consideram-se incorrectamente julgados os Pontos de Facto, números 1 e 2 dos factos não provados.

    2 – Os quais deveriam ter sido dados como provados.

    3 – Na falta de documento com valor probatório suficiente, acordo ou confissão, a Mmª. Juiz estava obrigada a apreciar as provas produzidas, naturalmente seguindo as regras do direito probatório, livremente (com as limitações impostas pela parte final do n.º 5 do artigo 607.º do CPC), segundo a sua prudente convicção, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

    4 – A Sentença recorrida começa por abordar, desde logo, a questão principal da causa, aprecia a questão principal em causa nos autos, a anulabilidade dos negócios, em duas vertentes, a saber: a anulabilidade por incapacidade acidental de (…) e a anulabilidade por negócio usurário.

    5 – Nos termos do disposto no artigo 150.º do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 156.º CCv, aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da acção é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental.

    6 – Sendo certo haverem os factos relativos à intervenção da Mãe da Autora nos negócios ocorrido nos anos de 2010 e 2011 e a acção de inabilitação ter sido instaurada em 2012, há que apurar se a inabilitada, quando praticou os actos cuja anulação se peticiona, se encontrava, ou não numa situação de incapacidade acidental.

    7 – Constituem requisitos da anulação de um acto por o declaratário se encontrar numa situação de incapacidade acidental quando: · alguém se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido da declaração negocial ou não tinha o livre exercício da sua vontade; e · ser o facto seja notório ou conhecido do declaratário.

    8 – Na apreciação da prova produzida, a Mª Juiz a quo utilizou o que chamou de “regras de experiência comum” e conclui pela “normalidade” dos actos e contrato celebrados pelas partes.

    9 – “III - As regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, mas sem abdicar da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil” (Ac. STJ, de 06/07/2011, in DGSI).

    10 – E o que se verifica da Sentença recorrida, é que o princípio da livre apreciação da prova, e os critérios da experiência comum e da normalidade se encontram subvertidos, ou não têm correspondência com a realidade da vida em sociedade.

    11 – A Sentença recorrida confere à fixação da incapacidade no ano de 2014 efectuada pela sentença de inabilitação um carácter quase definitivo quanto ao momento a partir do qual se verifica a incapacidade, sem atender à restante prova produzida. Porém, 12 – “A declaração judicial, na sentença que decreta a interdição, sobre a data do começo da incapacidade, constitui mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência, da incapacidade, à qual pode ser oposta contraprova, nos termos do artigo 346.º do CC (Ac. STJ 22/01/2009, in DGSI).

    13 – Não pode tal argumento ser, por si só, determinante e sem mais considerações para afastar a presunção de incapacidade ou considerar-se como inverificada tal incapacidade à data dos factos.

    14 – Em consequência, mais prudente teria sido optar-se por credibilizar os depoimentos objectivamente desinteressados das testemunhas da Autora e conferir valor ao Relatório Pericial, do que aos depoimentos interessados das testemunhas das RR.

    15 – Em suma: considerando que o próprio relatório pericial, em 2013, considera possível, “até provável” que a incapacidade existisse antes (só não o declara porque a objectivação só é feita naquele momento); que o médico neurologista (Prof. …), que segue a paciente desde 1985 até 2011, afirma categoricamente – como médico, sem qualquer interesse directo ou indirecto na causa – que a paciente apresenta a patologia, que levou a determinar a inabilitação, desde há muito, mas seguramente até ao termo da sua consulta em 2011; que o Dr. (…), médico da paciente durante mais de 50 anos (também, sem qualquer interesse directo ou indirecto na causa), confirma integralmente a situação clínica da paciente; se a sua ex-empregada doméstica (…), de forma simples e já sem a capacidade de observação clínica das anteriores testemunhas, também, o afirma, bem assim como um antigo empregado agrícola (…), em que a contraprova a este Relatório e depoimentos, são, apenas, depoimentos de pessoas que todas têm interesse, directo ou indirecto, na causa.

    16 – Como abaixo melhor se identificará, da prova produzida pela Autora é possível extrair com segurança que a incapacidade de (…) já se verificava antes do ano de 2014 e...

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