Acórdão nº 1700/17.1IPBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução23 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de tribunal singular, com o NUIPC 1700/17.1PBBRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 4), foi proferida sentença, lida e depositada a 09-03-2020, a (transcrição[1]): «a) - Condenar o arguido A. L.

, pela prática de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelo artigo 170.º do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa; b) - Condenar o arguido A. L.

, pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa; c) - Condenar o arguido A. L.

, procedendo ao cúmulo jurídico das penas supra referidas, na pena única de 90 (noventa) dias de multa, a 10,00€ (dez Euros) por dia, totalizando o montante de 900,00€ (novecentos Euros); d) - Condenar o arguido/demandado A. L.

a pagar à assistente/demandante M. M.

a quantia de 1000,00€ (mil Euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação e até integral pagamento, absolvendo-o do restante peticionado;» 2.

Inconformado com essa condenação na parte relativa ao crime de importunação sexual, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando no termo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: «i. Discordamos em relação à interpretação dos factos pelo Tribunal a quo quando decidiu que a atuação do arguido se consubstanciava num crime de importunação sexual.

ii. Em relação ao crime de importunação sexual a única matéria de facto considerada como provada na douta sentença encontra-se expresso nas alíneas b) e c).

iii. O arguido pode, efetivamente, ter importunado a assistente, mas não de uma forma sexual.

iv. Para comprová-lo, note-se que, não ficou demonstrado em lugar algum que a assistente se sentiu em perigo ou com medo de uma prática de ato sexual posterior.

  1. Apenas foi dado como provado que o arguido logrou conseguir constranger e perturbar a assistente e que a assistente se sentiu “humilhada, vexada e envergonhada” (alínea f) da matéria de facto provada da sentença).

    vi. Não se logrou provar que a assistente, em qualquer altura, sentiu medo ou qualquer tipo de perigo.

    vii. A intenção do arguido foi ofender a honra da assistente.

    viii. O ato desonroso levado a cabo pelo recorrente mais não se tratou de uma espécie de injúria, não teve qualquer sentido sexual, apenas pretendia constranger a assistente, no meio de uma discussão acesa entre vizinhos.

    ix. A intenção do recorrente nunca foi atingir a liberdade sexual da assistente, nem tampouco considerou efetuar qualquer ato sexual posterior.

  2. A injúria não necessita de ser através de palavras, mas também inclui os gestos.

    xi. Assim, o arguido não pretendia atentar contra a liberdade sexual da assistente, mas constrangê-la, uma vez que esta se encontrava a filmar a discussão o que despoletou as expressões utilizadas e o gesto utilizado.

    xii. Estes sentimentos, que foram dados como matéria de facto provada na douta sentença indiciam outro tipo de crime.

    xiii. Sendo assim, é possível perceber que os factos descritos na sentença como matéria de facto provada poderá consubstanciar um crime de injúrias, previsto e punido no art. 182.º do Código Penal, com a seguinte epígrafe “À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.” xiv. Pelo exposto, ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo, entre outros, o disposto no artigo 170.º do código penal.

    xv. Entende o arguido, considerando o exposto, que a indemnização fixada não é equitativa e excede em muito os danos sofridos pela assistente.

    TERMOS EM QUE deve o recurso merecer total provimento, e, em consequência: a) ser o arguido absolvido do crime de importunação sexual, fixando-se a pena em 60 dias de multa; b) ser reduzida a € 250 a indemnização devida à Assistente pelo cometimento do crime de injúria.» 3.

    A Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu à motivação do recorrente, entendendo que «[i]n casu, resultou provado que o arguido baixou as calças e exibiu os genitais à assistente com o intuito de a constranger e perturbar, ou seja, o arguido agiu como o objetivo de importunar a assistente no sentido de a surpreender, chocar e atemorizar, o que efetivamente conseguiu», pelo que « (…) encontram-se verificados os elementos objetivos e subjetivos do crime de importunação sexual pelo qual o arguido foi devidamente condenado, não tendo sido violado, tal como refere o recorrente, o disposto no art. 170.º do Código Penal», termos em que, aderindo por inteiro às considerações tecidas pelo Mmº. Juiz, pugnou pela manutenção da sentença.

    1. Também a assistente respondeu à motivação do recorrente, aderindo à resposta da Exma. Procuradora da República e, quanto à indemnização civil fixada, defendendo que o recurso é inadmissível, por o respetivo valor ser inferior à alçada do Tribunal de Comarca.

    2. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que o recurso «(…) deve, no mais, improceder, nos termos propugnados na exauriente argumentação que a Senhora procuradora da República expendeu na resposta ao recurso, já que vem aí escalonada reflexão adequada e suficiente para evidenciar a sem-razão do recorrente, posição que (…) subscreve na íntegra, dando-se (…) por integralmente reproduzida», acrescentando ainda que, «(…) a redação do art. 170º do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 05 de Agosto, ao mesmo tempo que ampliou a tipicidade, procedeu a uma segmentação mais explícita das condutas típicas e, pese embora a consciência da já então existente interpretação em que se arrima a argumentação recursória, não foi trazida ao tipo qualquer conformação que dê legitimação sustentada ao questionada entendimento restritivo».

    3. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.

    4. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.

      II.

      FUNDAMENTAÇÃO 1.

      DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Como é entendimento pacífico[2], sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.

      Todavia, impõe-se apreciar a questão prévia da inadmissibilidade do recurso no segmento relativo ao pedido de indemnização civil.

      De acordo com o disposto no art. 402º, n.º 1, do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão, ressalvando, no entanto, o preceituado no artigo seguinte, segundo o qual o recorrente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT