Acórdão nº 2356/19.2T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução27 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório O autor propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, tendo deduzido o pedido seguidamente transcrito: “Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e condenando-se a Ré a pagar ao A. a quantia de 11.132,87€ acrescida dos juros moratórios sobre este montante à taxa legal a contar de 01/11/2018 e até integral pagamento.

”.

Alegou, em resumo, que tendo sido trabalhador subordinado da ré, resolveu, com justa causa subjectiva para o efeito, o contrato de trabalho entre ambos celebrado; do contrato de trabalho e da sua concreta forma de cessação emergiram para si os direitos de crédito que melhor enuncia e quantifica na petição, sendo que a satisfação coerciva destes pressupõe a prévia condenação da ré a reconhecê-los e a satisfazê-los.

Citada, a ré contestou para, no essencial reconhecer dever ao autor a quantia de €152,64 a título de férias não gozadas, e a quantia de €75,00 correspondente à viagem ocorrida em 1/11/2018 entre a Bélgica e Portugal; no mais pugna pela improcedência da acção por considerar que não assistem ao autor os demais créditos por ele invocados.

O processo prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Tudo ponderado, decidimos julgar a ação parcialmente procedente e em consequência: a) condenar a ré a pagar ao autor a quantia de €152,64 a título de retribuição por férias não gozadas; b) a quantia de €75,00 a título de viagem da Bélgica para Portugal ocorrida no dia 01.11.2018; c) condenar a ré a pagar ao autor quantia a apurar em liquidação em execução de sentença no que respeita a despesas com as deslocações entre o aeroporto de Lisboa e a residência do autor em ...; d) condenar a ré a pagar ao autor quantia a apurar em liquidação em execução de sentença quanto às despesas de alimentação que o autor suportou quando deslocado no estrangeiro que excedam a quantia de €11.825,00 já paga pela ré.

e) absolver a ré do demais peticionado.

Custas por autor e ré na proporção dos decaimentos a atender a final e que se fixa por ora na percentagem de 50% para cada um.

Valor da ação: €11.132,87 Registe e notifique.

”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou o autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas: ...

Não foram apresentadas contra-alegações.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da parcial procedência da apelação, condenando-se a ré a pagar ao autor “… os dias de descanso (sábados, domingos e feriados) passados no estrangeiro ao serviço daquela ...

”; no mais, deveria a apelação improceder.

Colhidos os vistos legais, importa decidir II - Principais questões a decidir Considerando que é pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada; 2ª) se assiste ao autor qualquer crédito referente a férias não gozadas para lá dos €152,64 que a esse respeito foi reconhecido na sentença recorrida; 3ª) se o crédito ilíquido reconhecido ao autor na sentença recorrida e referente a despesas com deslocações entre o aeroporto de Lisboa e a povoação de ..., onde o autor residia, deve ser liquidado também na base do pressuposto de que não existiam transportes públicos directos entre aqueles dois locais; 4ª) se a ré deve ser condenada a pagar o autor as despesas com a deslocação do autor de Portugal para a Bélgica (Leuze) em 31/1/18, para iniciar o contrato, e com a deslocação Bélgica (Leuze)/Portugal no dia 1/11/18, após o termo do contrato, tudo no valor global de 636,11€; 5ª) se a ré deve ser condenada a pagar o autor a diária de 55€ por cada um dos dias de viagem Bélgica/Portugal e Portugal/Bélgica para o autor gozar em Portugal dias de descanso e férias; 6ª) se a ré deve ser condenada a pagar o autor a quantia por este reclamada com fundamento em 4 dias de descanso compensatório a que tinha direito e que lhe não foram concedidos por reporte aos dias 4, 11, 18 e 25 de Fevereiro, 4, 11, 18, 25 e 30 de Março, 8 e 15 de Abril, todos de 2018; 7ª) se a ré deve ser condenada a pagar o autor, a título de despesas com alimentos, 55€ por cada um dos dias que o autor permaneceu no estrangeiro; 8ª) se a ré deve ser condenada a pagar o autor a remuneração correspondente a 65 dias de descanso passados no estrangeiro ao serviço da ré, à razão diária de 80,32€; 9ª) se a ré deveria ter sido condenada a pagar ao autor as quantias a cujo direito se arrogou na petição inicial com fundamento em aplicação da denominada “Lei Macron”; 10ª) se a ré deveria ter sido condenada a pagar ao autor as quantias a cujo direito se arrogou na petição inicial e correspondentes ao valor das dormidas a que tinha direito, mas que não usufruiu, em estabelecimentos de hotelaria, nos termos do disposto nos nºs 6 e 8 do art. 8º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15/03/2006 e cláusula 4ª, nº 5, do Contrato de Trabalho.

III – Fundamentação

  1. De facto Factos provados O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos: ...

  2. De direito Primeira questão: se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

Pretende a ré que do ponto 10º) dos factos provados seja retirada a expressão “… e férias…”, passando a constar do mesmo o seguinte “O autor trabalhava 6 semanas no estrangeiro e vinha 2 semanas a Portugal, para gozar descansos compensatórios, saindo do aeroporto de Bruxelas quase sempre num sábado e regressando após 2 semanas à Bélgica quase sempre num domingo, ao mesmo aeroporto de Bruxelas.

” A matéria ora em discussão está relacionada com as alegações contidas nos arts. 17º) e 21º) da petição inicial, na parte em que se sustenta que as vindas do autor a Portugal eram apenas para gozar descansos compensatórios, e nos arts. 12º) e 16º) da contestação, na parte em que neles se sustenta que as vindas do autor a Portugal eram para gozo de descansos compensatórios e de férias.

Todo o raciocínio discordante do autor referente a esta temática assenta no pressuposto por si sustentado de que as cláusulas 4ª/4 e 11ª/a/b do contrato de trabalho escrito em que o mesmo e a ré outorgaram impediam o tribunal recorrido de dar como provado que também foram em gozo de férias pelo menos parte dos períodos de duas semanas passadas pelo autor em Portugal após os períodos de seis semanas passadas pelo autor em trabalho no estrangeiro.

Não acompanhamos o autor na afirmação daquele pressuposto.

Nos termos da cláusula 4ª/4, “Após cada período de 6 semanas de trabalho o TRABALHADOR goza de 2 semanas de descanso em Portugal.

”; nos termos da cláusula 11ª/a/b “Para complemento dos elementos informativos determinados pelo Artº 106º do Código do Trabalho, consigna-se o seguinte:

  1. A duração das férias do TRABALHADOR é determinada segundo as regras dos artºs 238º a 245º do Código do Trabalho.

b) Que o gozo do período de férias é interpolado respeitando-se o critério estabelecido no nº 8 do Artº 241 do Cod. do Trabalho”.

Ora, deve distinguir-se entre o regime contratual acordado entre as partes num determinado contrato de trabalho, por um lado, e o concreto regime praticado pelas mesmas partes durante a execução contratual real, por outro lado, nada obstando a que existam discrepâncias entre aqueles dois regimes, consensualizadas ou não entre os contraentes.

Aliás, a existência de tais discrepâncias é admitida pelo próprio legislador ao erigi-las como um dos pressupostos da responsabilidade civil contratual regulada nos arts. 798º e ss do CC.

A significar que a circunstância de se ter demonstrado um determinado regime contratual acordado entre as partes não implica que tenha de dar-se como demonstrado que esse regime foi realmente o executado.

Por reporte ao caso concreto, a circunstância de se ter dado como provado que o apelante e a apelada acordaram por escrito no sentido de que seriam de descanso os períodos de duas semanas passadas pelo autor em Portugal após os períodos de seis semanas de trabalho no estrangeiro, não obrigava o tribunal recorrido a dar como provado que foram apenas de descanso, com exclusão de férias, aqueles períodos de duas semanas passadas pelo autor em Portugal.

Como assim, a referida cláusula 4ª/4 não obstava a que o tribunal recorrido desse como provado que pelo menos parte dos períodos de duas semanas passadas pelo autor em Portugal o foram em gozo de férias.

O mesmo se diga em relação ao critério determinativo da duração das férias do autor e em relação ao carácter interpolado do gozo de férias a que se alude nas alíneas a) e b) da supra transcrita cláusula 11ª.

Queda insustentado, pois, o pressuposto de que o apelante parte para fundamentar a sua argumentação discordante e sem a verificação do qual se desmorona toda essa argumentação.

Refere o apelante, também, que o autor e a ré “… concordaram que após 6 semanas de trabalho o trabalhador gozava 2 semanas de descanso em Portugal.

Portanto, não pode a Ré como fez, vir alegar que deu férias a gozar ao A. em Portugal, exactamente dentro desses períodos de 20 dias.

”.

Admitindo que a incapacidade seja toda nossa, não conseguimos compreender esta argumentação, posto que o número máximo de dias seguidos que duas semanas de calendário comportam são 14 dias – podendo até estar em causa apenas 10 dias úteis - ficando sem se perceber a razão pela qual não poderiam ser contabilizados como de férias os restantes dias daqueles períodos de 20 dias.

Por outro lado, importa...

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