Acórdão nº 214/18.7T8RMZ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACÓRDÃO I – RELATÓRIO A… intentou a presente acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra M… e N… requerendo a anulação do testamento outorgado pelo seu pai Ma…, em 24/02/2017, no Cartório Notarial da Notária Teresa Isabel Batista Mendes Nóbrega, em Évora, com fundamento em incapacidade acidental do testador, nos termos do disposto no art. 2199.º do Código Civil, e, subsidiariamente, com fundamento em dolo do Réu M… sobre o testador, nos termos do art. 2201.º do Código Civil.

Alegou, para tanto e em síntese, que o seu pai outorgou um testamento em 24 de Fevereiro de 2017, no Cartório Notarial da Notária Teresa Isabel Batista Mendes Nóbrega, em Évora, no qual institui o neto N…, filho do Réu M…, como herdeiro da quota disponível da sua herança. Mais alegou que, no momento do testamento, o seu pai se encontrava incapaz de compreender o significado do acto que estava a realizar e das disposições testamentárias que estava a declarar por sofrer de demência e de doença de Alzheimer, cujos sintomas se vinham a fazer notar desde a morte da mulher, em Novembro de 2014. Alegou também que o pai nunca manifestou em vida a intenção de instituir o neto como herdeiro da quota disponível da sua herança nem de celebrar qualquer testamento que reduzisse o quinhão hereditário dos dois únicos herdeiros legitimários do pai. Como o seu irmão foi viver com a sua família para a casa do pai após a morte da mãe, considera ainda o Autor que o irmão manipulou o pai a celebrar aquele testamento, aproveitando-se da sua debilidade física e mental, situação para a qual também contribuiu o facto de o irmão o ter afastado do convívio com o pai na casa dele na sequência de um desentendimento que os dois irmãos tiveram por causa das partilhas que estavam a fazer ainda em vida do pai.

Regularmente citados, os Réus M… e N…, respectivamente filho e neto do testador, contestaram a acção, negando que o pai e avô sofresse de demência e de doença de Alzheimer no momento do testamento, apontando para a ausência de provas fidedignas dessa realidade, na medida em que nunca lhe foram diagnosticadas essas doenças ou outras do foro psiquiátrico. Alegaram que o testador padecia das doenças “normais” para uma pessoa da sua idade, mas que nunca afectaram as suas faculdades cognitivas. Impugnaram igualmente que o pai e avô tivesse sido manipulado a celebrar aquele testamento, alegando que o afastamento do Autor e respectiva família do convívio com o pai nada teve que ver com os desentendimentos que ele e o irmão tiveram por causa das partilhas dos bens dos seus pais. No entanto, o pai sentiu este distanciamento do filho A… como um sinal de ingratidão e de injustiça, tanto mais porque considerava que ele tinha sido sempre mais beneficiado que o irmão. Consideram, por isso, os Réus que foi por causa deste motivo que o ele decidiu fazer aquele testamento, o qual não merece qualquer censura.

Procedeu-se a julgamento e subsequentemente foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência anulou o testamento público outorgado por Ma… em 24/02/2017 no Cartório Notarial da Notária Teresa Isabel Batista Mendes Nóbrega, em Évora, com fundamento em incapacidade acidental do testador, nos termos do disposto no art. 2199.º do Código Civil, com todas as legais consequências.

  1. Desaprazidos, recorreram os Réus, formulando na sua apelação as seguintes “Conclusões”: “A) Na apreciação das questões de facto e de direito a que o judiciamento tem que proceder não podem deixar de estar presente as seguintes considerações: a) o ato de testar é sigiloso, sigilo que a lei e os procedimentos têm que assegurar, nomeadamente em vista da proteção do direito e liberdade de testar, salvaguardando-a das suscetibilidades e, por exemplo, incompreensões dos afetados pelo testamento, direito ao sigilo este de que a regra da ilimitação de competência territorial do notariado é instrumento; b) as testemunhas que, nos temos da al. a) do art. 67º do Código do Notariado intervêm são meramente instrumentárias, com uma função meramente acidental, com a função de confirmação do ato em que intervêm, assim reforçando o caráter de prova plena do documento autêntico que a escritura testamentária é revestido (art. 361º do C.Civil); c) a força probatória dos documentos autênticos carece de arguição de falsidade, sendo que, se se tratar de falsidade parcial, essa própria falsidade terá que ser arguida pelo apresentante, aquando da própria evocação e apresentação, isto é, na petição inicial; d) vindo arguida incapacidade relevante à luz do art. 2199º do C.Civil, o ónus de invocação e prova dos elementos de facto que a comprovam é do arguente, no caso, do autor; e) os princípios da aquisição processual e da economia processual presidem ao sistema processual civil, impondo que, produzida prova tida por bastante para a dilucidação da matéria de facto relevante, se deve sobrestar na produção de qualquer outra prova – razão esta que, no caso concreto, levou a que os réus tivessem prescindido da prova testemunhal que tinham oferecido; f) as declarações de parte, se são meio de prova admitido pelo Novo Código de Processo Civil, devem ser valoradas com especial reserva, receio e cautela, em rigoroso confronto com a demais prova, tendo sempre presente os princípios de que as declarações serão eminentemente relevantes quando favoráveis ao declarante, e que a lei substantiva não foi ao ponto de admitir como meio de prova específico ou autónomo as declarações de parte, para além das declarações confessórias (art.s 352º a 396º do C.C.); g) o princípio e o direito ao contraditório (art. 3º, nº 3 do C.P.C.) levam a que os factos que sejam complementares ou em concretização do que as partes hajam alegado e que resultem da instrução da causa – e nestes inclusivamente sendo de considerar os próprios factos instrumentais – só podem ser tidos em conta garantida que seja a expressa e específica possibilidade de pronúncia prévia pelas das partes, máxime pela parte a quem não aproveitam ou mesmo se opõem; B) O tribunal não tem elementos factuais que lhe permitissem tecer as considerações que teceu acerca da pretensa omissão da testemunha F… acerca da pretensa colaboração e ligação com o escritório e do mandatário do advogado dos réus, na medida em que o seu percurso foi o seguinte (sendo que as conjeturas do tribunal a quo são meras especulações: : a) iniciou o estágio de advocacia em escritório da área do Conselho Regional de Lisboa da O.A. cuja transferência veio a pedir para Évora e escritório de H…, onde o concluiu; b) inscreveu-se como advogado na respetiva Ordem em 16/12/2016; c) no período de 6/12/2016 a 6/03/2017 teve escritório nas instalações do escritório de H… e Mª …; d) a 6/03/2017 formou com H… e Mª… a sociedade de advogados que adotou o nome dos três; e) abandonou a sociedade a 31/07/2019, data em que cedeu a sua participação social ou quota à advogada Mª…, tendo passado, ao que se sabe, a exercer advocacia em escritório de Lisboa, completamente autónomo ao anterior (aliás o advogado signatário nem sequer sabe onde localizado, a quem pertence ou qual a natureza da ligação do Dr. F… a esse escritório) – documento que agora se junta ao abrigo da parte final do nº 3 do art. 423º do C.P.C..; C) A testemunha nada omitiu a esse propósito: não lhe foi perguntado o que o Sr. Juiz pretende como omissão; do seu depoimento supra transcrito nada abona nesse sentido; D) Não tendo o réu M…, nas suas declarações de parte, sido perguntado ou confrontado pelo tribunal acerca de qual o seu cargo na CA… (entidade alheia aos autos), não lhe pode ser censurado que não o tenha referido; E) Não pode o tribunal fazer referência a processos (no plural) em que o advogado mandatário dos réus tenha intervenção e em que a CA… ou as sociedades do grupo figurassem como partes sem, por um lado identificar esses processos por outro omitindo que o único processo em que seguramente pode ter esse conhecimento foi o 19/19.8T8RMZ, posterior ao processo dos presentes autos, em que aliás intervém por especiais razões e circunstâncias, quais sejam as de o Dr. A… (ele, sim, habitual advogado da CA…), passar então por aguda fase de doença, com internamentos e intervenções cirúrgicas em Coimbra, a que se seguira longa fase de recuperação; F) Se se houvesse socorrido das mesmas fontes e meios que o tribunal a quo diz se ter valido para averiguações do género das atrás referidas, teria também concluído que o testador Ma… integrara em tempos os órgãos sociais da CA… (entre 1983 e 1987) e que antes do réu M… (que tomou posse como Presidente da CA… em 28/06/2014), outros presidente houvera, em cujo consolado o advogado A… se mantivera ininterruptamente como advogado da CA…; G) Não há fundamento para as tergiversações da douta sentença a pretexto, portanto, dos papéis dos advogados A…, F… e H…, sendo, antes, de admitir o papel que o próprio réu M… atribuiu exclusivamente a A… – como resulta inclusivamente das transcrições das gravações áudios exaradas no corpo destas alegações; H) No confronto das declarações de parte – as do autor A… a requerimento dele próprio, portanto previamente pensadas, programadas e ensaiadas, para mais conduzidas pelo próprio seu H…, M.ª …, mandatário ao arrepio do nº 1 do art. 462º do C.P.C., e as do réu M… prestadas sob inopinada iniciativa do tribunal, inclusive após as alegações finais das partes, com, pois, óbvia e acrescida espontaneidade – não se aceita que às daquele – que foram objetivamente tendenciosas – seja emprestada credibilidade em prejuízo das deste – tudo como resulta da sua leitura, inclusivamente, na parte também acima transcrita; I) O tribunal a quo jamais podia ter interpretado o facto de o declarante M…, réu, ter respondido às instâncias do Sr. Juiz para esclarecer quem tinha intervindo na preparação de julgamento após ter questionado o mandatário se o poderia fazer da forma que interpretou: o declarante assim agiu com a preocupação exclusiva de não...

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