Acórdão nº 349/17.3GCVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução09 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de tribunal singular, com o NUIPC 349/17.3GCVNF, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão (Juiz 2), realizada o julgamento, por proferida sentença, em 03-03-2020 e depositada no dia seguinte, com o seguinte dispositivo (transcrição[1]): «Pelo exposto: 1. Condeno o arguido, C. C., pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelo artigo 181°, n.º 1 e 184°, por referência ao artigo 132°, n.º 2 al. l), todos do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa à taxa diária de 5,00 (cinco) euros, perfazendo o total de 700,00 (setecentos) euros; 2. Condeno o arguido, C. C., pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143°, n.º 1, 145°, n.º 2, por referência ao artigo 132°, n.º 2, aI. l), todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão; 3. Ao abrigo do disposto no art. 45°, n. ° 1, do Código Penal substituo a pena de 7 (sete) meses de prisão aplicada ao arguido por 210 (duzentos e dez) dias de multa à taxa diária de 5,00 (cinco) euros, perfazendo o total de 1.050,00 (mil e cinquenta) euros; 4. Condeno o demandado civil, C. C., a pagar ao demandante civil, B. M., a quantia de 2.000,00 (dois mil) euros, a título de danos morais por este sofridos, mercê da conduta daquele, quantia, esta, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos e contados desde a data desta decisão e até efetivo e integral pagamento; 5. E absolvo o arguido/demandado do demais peticionado no pedido de indemnização civil formulado nos autos contra o mesmo; 6. Condeno o arguido nas custas criminais, que fixo em 3 U'sC, e nos demais acréscimos legais que fixo no mínimo; 7. Condeno o demandado civil e o demandante civil no pagamento das custas civis e na proporção do respetivo decaimento.» 2.

Inconformado, o arguido e demandado civil interpôs recurso da sentença, formulando no termo da sua motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: «CONCLUSÕES: 1. (…) 3. O Recorrente discorda absolutamente da sentença sob apreciação, pois que, salvo devido respeito por entendimento diferente, enferma a mesma de uma parca avaliação da realidade fáctica e de todas as atenuantes que constam dos presentes autos e que abonam - pois que apenas podem abonar - a favor do Recorrente.

  1. De facto, o Tribunal a quo valorou apenas como sinceros, genuínos, espontâneos e objetivos as declarações prestadas pelo Assistente e os depoimentos prestados pelas Testemunhas M. O. e B. G..

  2. Desconsiderando, assim, o Tribunal a quo os depoimentos prestados pelas demais testemunhas, e ainda as declarações prestadas pelo Arguido, alegando a tentativa do mesmo de apresentar uma versão dos factos distinta da apresentada pelo Assistente e pela testemunha por si arrolada, M. O..

  3. Não obstante, e ao contrário do que considerou o Tribunal a quo relativamente ao depoimento da Testemunha M. O., verifica-se que o mesmo é marcado por gritantes incoerências com os demais prestados, diferindo inclusive das declarações prestadas pelo Assistente em pontos fundamentais.

  4. De facto, a mesma refere, ao contrário do referido por todos os demais intervenientes processuais que, à data dos factos, o Assistente se encontrava junto à mesa do cronómetro a conversar e a rir com outro senhor que lá se encontrava. Tendo posteriormente, surgido um segundo sujeito, vindo da porta de onde saem os jogadores, que se dirigiu ao Assistente, desferindo-lhe um murro.

  5. Mais acresce, a testemunha M. O., aquando do seu depoimento, que posteriormente ao referido murro, o agressor foi retirado do ringue por mais dois senhores ("um senhor de óculos" e "um senhor mais velho", como a mesma refere), retirando-se os três para uma porta, de onde saiu, posteriormente, o "senhor de óculos', sem os óculos e a sangrar.

  6. Ora, de facto, e ao contrário do que considerou o Douto Tribunal a quo, a versão dos factos apresentada pela testemunha M. O. não corrobora a versão trazida aos autos quer pelo Assistente, quer pelos demais intervenientes processuais, sendo aliás completamente distinta das demais.

  7. Se não vejamos, todos os demais intervenientes processuais, inclusive o próprio Assistente, referem que no momento dos factos, o Arguido se encontrava já na mesa do cronómetro, e que junto a ele se encontrava também a testemunha M. V. (referido pela testemunha M. O. como o "senhor de óculos"). Posteriormente, no decorrer das alegadas agressões no ringue, a testemunha M. V. acabou por se também ele alvo de uma agressão na cara que lhe partiu os óculos e que o colocou a sangrar.

  8. Assim, é manifesta a incoerência do depoimento prestado pela Testemunha M. O. com os demais, inclusive com as declarações do próprio Assistente. Não sendo compreensível assim o peso atribuído ao depoimento desta testemunha para a descoberta da verdade e corroboração da versão trazida aos autos pelo Assistente.

  9. Mais acresce, que não podemos ainda concordar, salvo o devido respeito, que é imenso, com as os factos provados n.º 6 e 7, onde se pode ler que o arguido: "6. E desferiu socos, em número não concretamente apurado, na face do lado direito do assistente, tendo este recuado para o meio da pista para não continuar a ser agredido. "e "7. O arguido dirigiu-se ao meio da pista e desferiu mais um murro na cabeça do assistente e deu-lhe um pontapé no joelho direito, e apelidou-o de "filho da puta", e sendo que as agressões só cessaram com a intervenção dos colegas do arguido;".

  10. De facto, no que se refere aos socos e murro, decorre da leitura da sentença em apreço que o Douto Tribunal fundamentou a sua convicção tão só e apenas na versão trazida aos autos pelo Assistente, alegadamente corroborada pelo depoimento da Testemunha M. O..

  11. Sucede que, conforme vimos, o referido depoimento é marcado por contradições e imprecisões que contribuem para a sua descredibilização.

  12. Acresce ainda que, pese embora tenha o Tribunal a quo desconsiderado as declarações do arguido e demais testemunhas (M. V., A. M. e P. A.), certo é que todos eles apresentam uma versão consentânea dos factos, referido que o Arguido se terá envolvido em agressões mútuas com o Assistente sim, mas que, tais agressões terão sido "sapatadas" de mão aberta, e não socos e murros, como considerou provado o Tribunal a quo.

  13. Ademais, as lesões constantes do Relatório do Instituto de Medicinal Legal são coerentes com tal versão dos factos, já que do mesmo relatório consta que o Assistente apresentava "escoriações", i.e. arranhões. Ora, a ser verdade que o arguido tivesse desferido no Assistente socos e um murro, o mesmo deveria apresentar como lesões hematomas (i.e. pisaduras), e nunca escoriações como de facto apresentava.

  14. Nesse sentido, o próprio Tribunal a quo deu como provado que as alegadas agressões provocaram no Assistente "lesão intra-gengival direita na zona bucinadora, do tipo escoriação linear e, no pescoço, lesão do tipo escoriação linear com 3 e 4 cm na face lateral direita (arranhaduras)". (facto provado n. o 8).

  15. No que se refere ao pontapé alegadamente desferido pelo Arguido no Assistente, certo é que apenas o Assistente refere tal facto aquando das suas declarações. De facto, os demais intervenientes processuais não fazem qualquer referência a agressões desse tipo. A própria testemunha M. O., a quem o Tribunal a quo atribuiu tão elevada credibilidade, nada refere relativamente a pontapés.

  16. Ademais, é indiscutível que do Relatório do Instituto de Medicina Legal e, consequentemente, do facto provado n.º 8, onde se elencam as lesões dadas como provadas, não constam quaisquer lesões nos membros inferiores do Assistente e que fossem coerentes com a efetiva ocorrência do “pontapé no joelho direito” do Assistente.

  17. Dito isto, e apesar de o julgador ter dado como provadas as lesões elencadas no relatório pericial do Instituto de Medicina Legal, respeitando, assim, o previsto nos termos do art.º 163, n.º 1 do C.P.P., não deixa de ser menos verdade que o mesmo julgador valorou igualmente como provados factos contraditórios com os resultantes do referido relatório.

  18. Assim, e apesar do legislador permitir ao julgador a explanação de uma convicção distinta da resultante do relatório pericial, tal divergência deverá sempre ser fundamentada (cfr. n.º 2 do art.º 163 do C.P.P.).

  19. Ora, no caso em apreço, o julgador limitou-se a fundamentar indiretamente tal decisão meramente no facto de considerar as declarações do assistente como prestadas de forma “sincera, genuína, espontânea, isenta, objetiva e, por isso, credível” considerando, assim, como provada a versão trazida aos autos pelo assistente, versão essa, que de acordo com o Tribunal a quo foi inclusive corroborada, em parte pelos depoimentos da testemunha B. G. e em especial da testemunha M. O., cujo depoimento considerou “espontâneos, genuínos, isentos, objetivos e credíveis”.

  20. Sucede que, tal fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo é caraterizada por uma abstração que não permite convencer-nos de qual o alcance do raciocínio lógico operado pelo julgador. Sendo ainda de salientar, que os vagos apontamentos apresentados pelo Douto Tribunal relativamente à valoração do depoimento prestado pela testemunha M. O. não mencionam as gritantes contradições e imprecisões do mesmo, e que, consequentemente, inviabilizam, ou deveriam ter inviabilizado, a classificação de tal depoimento como “espontâneo, genuíno, isento, objetivo e credível”.

  21. Face ao exposto, não podemos concordar com a posição tomada pelo Tribunal a quo relativamente aos factos provados n.º 6 e 7.

  22. Não podemos ainda concordar, salvo devido respeito que é imenso, com a douta sentença do Tribunal a quo relativamente ao facto dado como provado n.º 5, onde se pode ler “5. Nesse momento o assistente deu ordem de expulsão ao arguido e o arguido dirigiu-se àquele e insultou-o, repetidas vezes...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT