Acórdão nº 1170/18.7T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelFELIZARDO PAIVA
Data da Resolução13 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I – Frustrando-se a tentativa de conciliação, veio A...

instaurar a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A. e contra S... – OBRAS E REPARAÇÕES CIVIS, LDA, pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, as rés condenadas:

  1. A pagar-lhe um capital de remição de uma pensão anual, no montante de €2.782,30, calculada com base em 30% da remuneração anual auferida pelo sinistrado, no montante total de €9.274,34, reportada a 20.03.2018, dia imediato ao da morte, sendo da responsabilidade da entidade seguradora o montante de €2.436,00, calculado com base no salário transferido de €8.120,00, e da responsabilidade da entidade empregadora o montante de €346,30, calculado com base no salário anual não transferido de €1.154,34, nos termos do disposto no art 72º, nºs 1 e 2, da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro, ou valor que lhe couber por lei; b) Serem a 1ª e a 2ª rés condenadas a pagar-lhe a quantia de €5.661,48 a título de subsídio por morte, nos termos do art 65º, nº 2 alínea b) da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro; c) Serem a 1ª e a 2ª rés condenadas a pagar-lhe a quantia de €1.541,16 a título de subsídio por despesas de funeral, nos termos do art 66º, nºs 1 e 2 da da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro; d) Serem a 1ª e 2ª rés condenadas a pagar-lhe a quantia de €15,00 referente a despesas com deslocações obrigatórias a este tribunal; e) Serem a 1ª e 2ª rés condenadas a pagar-lhe os juros de mora à taxa legal, desde o dia seguinte ao da morte até integral pagamento.

    Alegou, para o efeito, em síntese tal como consta sentença impugnada, que que seu marido foi vítima de acidente de trabalho, ocorrido em 20.03.2018, numa obra onde trabalhava por conta da 2ª ré, e que consistiu numa queda em altura, que lhe determinou a morte. Que a entidade empregadora tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a ré seguradora pelo salário total anual ilíquido de €8.120,00. Porém seu marido auferia efectivamente a quantia total anual ilíquida de €9.274,34, pelo que se não encontrava transferido o salário de €1.154,34.

    + Citadas as rés para contestarem a acção vieram alegar, tal como consta da sentença impugnada, que: A ré seguradora aceitou a caracterização do evento que vitimou o sinistrado, no dia 20.03.2018, como acidente de trabalho, aceitou o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões que foram causa da morte do sinistrado, aceitou a existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho pelo qual a 2ª ré transferiu a responsabilidade infortunística pelo salário total anual ilíquido de €8.120,00.

    Não aceitou a responsabilidade pela reparação do acidente, uma vez que considera ter o acidente ocorrido devido à inobservância das regras de segurança e saúde no trabalho pela entidade empregadora, nomeadamente, deficiente planificação dos trabalhos, uma vez que inexistiam linhas de vida, de acordo com o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, as quais eram necessárias e adequadas à realização da tarefa desempenhada – arts 44º e 45º do Decreto 41821, de 11 de agosto de 1958, arts 7º e 14º, nºs 1 e 5 do Decreto Lei 273/2003, de 29 de Outubro, e arts 15º nºs 2 a 5 e 20º da Lei 102/2009, de 10 de Setembro.

    Pelo que, nos termos do art 18º da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro, deve a 2ª ré ser considerada como única responsável pela reparação, inclusive devendo responder por pensões agravadas, sendo a ré seguradora absolvida na parte que exceda a sua responsabilidade subsidiária.

    A ré entidade empregadora aceitou a caracterização do evento como acidente de trabalho e que do mesmo resultou a morte do sinistrado. Aceitou a responsabilidade pelo salário anual não transferido de €4,77x22diasx11meses, num total anual ilíquido de €1.154,34.

    Aceitou, assim, a responsabilidade pelo pagamento da pensão correspondente à quota-parte do salário anual ilíquido não transferido.

    Não aceitou qualquer outra responsabilidade pela reparação do acidente, uma vez que, ao contrário da posição assumida pela seguradora, entende que não violou quaisquer regras de segurança.

    Pede que seja a acção julgada improcedente excepto na parte em que a ré assumiu a responsabilidade por não ter transferido para a seguradora o valor do subsídio de alimentação.

    + Respondendo à contestação oferecida pela seguradora manteve a sua posição de não ter violado qualquer norma de segurança.

    II – Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, seleccionou-se a matéria de facto considerada assente e a considerada controvertida.

    Após realização do julgamento, veio a ser proferida sentença, constando do respectivo dispositivo o seguinte: “Pelo exposto declara o Tribunal que:

  2. O sinistrado J... sofreu acidente de trabalho em 19.03.2018, do qual resultou a sua morte; b) A autora A... é beneficiária legal do sinistrado; c) Em consequência condeno a entidade empregadora, S... – Obras e Reparações Civis, Lda, como responsável a título principal, a pagar à autora o seguinte: c.1. uma pensão anual e vitalícia no montante de €9.274,34, reportada a 20.03.2018, dia imediato ao da morte, nos termos do art 18º, nºs 1 e 4 alínea a) da LAT, a pagar no seu domicílio em duodécimos no valor de 1/14 da pensão, sendo os subsídios de férias e de natal também no valor de 1/14 da pensão e a pagar nos meses de Junho e Novembro; e actualizável segundo os coeficientes de actualização das pensões por acidente de trabalho que anualmente sejam alvo de publicação.

    c.2. a quantia de € 5.661,48 a título de subsídio por morte, nos termos do art 65º, nº 2 alínea b) da LAT; c.3. a quantia de € 1.541,16 a título de subsídio por despesas de funeral, nos termos do art 66º, nºs 1 e 2, todos da LAT; c.4. a quantia de € 15,00 referente a despesas com deslocações obrigatórias ao tribunal; c. 5. Acrescidos dos juros de mora à taxa legal, desde o dia seguinte ao da morte até integral pagamento.

  3. A entidade seguradora, Companhia de Seguros A..., S.A., responde, conforme já determinado e notificado, nos termos do art 79º, nº 3 da LAT/2009, sem prejuízo do direito de regresso sobre a entidade empregadora, pelo pagamento imediato de: d.1. um capital de remição de uma pensão anual, no montante de € 2.436,00, calculado com base no salário transferido de € 8.120,00; d.2. a quantia de € 5.661,48 a título de subsídio por morte, nos termos do art 65º, nº 2 alínea b) da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro d.3. a quantia de € 1.541,16 a título de subsídio por despesas de funeral, nos termos do art 66º, nºs 1 e 2 da da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro; d.4. a quantia de € 15,00 referente a despesas com deslocações obrigatórias a este tribunal; d.5. os juros de mora à taxa legal de 4%, desde o dia seguinte ao da morte até integral pagamento”.

    III – Inconformada, veio a empregadora apelar alegando e concluindo: ...

    Contra alegou a seguradora concluindo que não pode ser acolhida a pretensão da apelante quanto à alteração da matéria de facto julgada provada, uma vez que resulta de toda a prova produzida que a decisão proferida quanto à matéria de facto não merece qualquer censura, não merecendo também qualquer censura a decisão de mérito, pelo que deverá manter-se integralmente a douta decisão recorrida.

    Nesta Relação o Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação do julgado.

    IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto: ...

    V - Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões as questões a decidir: 1. Se há lugar à alteração da matéria de facto.

    1. Se o acidente correu em virtude da inobservância de regras de segurança por parte da empregadora.

    Da alteração da matéria de facto: Pretende a recorrente que esta Relação dê como não provada a matéria das alíneas M), Q), S), T), U), AA) e BB) dos factos considerados provados.

    Mais refere a recorrente não se conformar com a decisão na parte em que deu como provados os seguintes factos: - “A entidade patronal não efectuou análise prévia dos riscos que os trabalhadores corriam de queda em altura” e “não implementou medida destinada a evitar aquele risco de queda em altura por parte dos trabalhadores, sendo certo que os depoimentos gravados contradizem essa matéria.” Ora, esta matéria não consta da dada como provada pelo que impugnação se cingirá à matéria das alíneas acima elencadas pois que, relativamente a ela, nada obsta à sua reapreciação considerando ter a recorrente dado cumprimento ao disposto no artº 640º do CPC.

    Antes de entrar propriamente na análise da impugnação cumpre relembrar, ainda que de forma breve, os critérios que devem presidir à reapreciação factual por parte do tribunal da Relação.

    Assim, a reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal superior não pode nem deve constituir um segundo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse[1], mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, a indicar expressamente pelo recorrente.

    Em princípio, a alteração da decisão da matéria de facto só deve ocorrer quando se configure o denominado erro de julgamento, ou seja, quando possa ser detectada uma flagrante discrepância entre os elementos de prova e a decisão sobre a matéria de facto, devendo o tribunal de recurso apenas controlar a convicção do julgador de 1ª instância quando tal convicção se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.

    E dizemos em princípio porque a possibilidade da modificação da decisão da matéria de facto não deve estar limitada de forma absoluta à verificação de erros manifestos de reapreciação pois “desde que a Relação acabe por formar uma diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados, ainda que por interferência de presunções judiciais extraídas a partir de regras da experiência deve reflectir esse resultado em nova decisão” -...

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