Acórdão nº 104/15.5GBSCD.C3 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra 1. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 105/15.5GBSCD do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, S. C. Dão – Juízo de C. Genérica – Juiz 1, foi o arguido J. condenado por sentença transitada em julgado pela prática do crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelo artigo 324.º do Código de Propriedade Industrial, por referência ao artigo 323.º, alínea a) do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) meses de prisão.

  1. A fls. 529/530, invocando a descriminalização dos factos pelos quais sofrera condenação, requereu o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 371.º - A do Código de Processo Penal, a reabertura da audiência para o efeito da aplicação da lei penal mais favorável, o que foi deferido.

  2. Realizada a audiência (artigo 371.º - A, do CPP), por sentença, proferida em 12.12.2019, o tribunal decidiu [transcrição do dispositivo]: “Face ao exposto, decide-se não aplicar a lei nova por a mesma não ser mais favorável ao arguido e, em consequência, mantém-se a condenação do arguido nos seus precisos termos.» 4. Inconformado recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões: i. O arguido, aqui recorrente suscitou a abertura da audiência, nos termos e para os efeitos do disposto do art. 371.º-A do Cod. Proc. Penal.

    ii. Após a entrada em vigor do Decreto-Lei 110/2018, de 10 de Dezembro, o Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março, alterado pelos Decretos-Leis nº 318/2007, de 26 de setembro, e 360/2007, de 2 de novembro, pela Lei n.º 16/2008, de 1 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 143/2008, de 25 de julho, e pelas Leis nº 52/2008, de 28 de agosto, 46/2011, de 24 de junho, e 83/2017, de 18 de agosto, que aprova o novo Código da Propriedade Industrial, foi totalmente revogado.

    iii. Tendo, da alteração legislativa indicada resultado a descriminalização da conduta pelo qual o mesmo havia sido condenado.

    iv. A decisão da qual se recorre, para além de infundada, porquanto não alega qualquer fundamento de facto ou de Direito do qual resulte a decisão ora proferida, padecendo ainda de incorreta aplicação e interpretação da lei vigente, da qual resulta nulidade, a qual desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos. Senão vejamos: v. O sistema penal português prevê que se, após o trânsito em julgado de decisão condenatório, mas antes da cessão da respetiva execução, entrar em vigor lei penal mais favorável, o arguido pode requerer a abertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.

    vi. O recorrente foi condenado á pena de 4 meses de prisão pela prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos p. e p. pelo art. 324º do Decreto-Lei 36/2003, por ora revogado.

    vii. Consultado o Decreto-Lei 110/2018, ora em vigor, resulta do mesmo que a pena aplicada á venda ou ocultação de produtos é a pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa até 120 dias quem vender ou ocultar para esse fim produtos que estejam nas condições referidas nos artigos 318.º a 320.º viii. Sucede que, o arguido não procedeu á venda de qualquer produto ou mercadoria.

    ix. Efetivamente conta dos autos, nos factos dados por provados, que o arguido detinha, no dia 01-07-2015, cerca das 10h10, no recinto da feira semanal de (…), expostos para venda ao público diversos produtos com os dizeres da marca Lacoste e Adidas, bem como sabia que tais produtos eram reproduções de originais.

    x. O arguido, aqui recorrente, não foi condenado pela ocultação ou venda dos mesmos, como se de originais se tratassem.

    xi. Não se podendo assim concluir, dos factos dados como provados que o arguido pretendia, ou conseguiu, vender qualquer produto como se de produto original se tratasse; xii. Preenchendo-se assim o elemento objetivo do crime da venda de bem contrafeito, isto é, a violação do direito económico dos respetivos titulares das marcas, bem como a segurança e garantia dos consumidores.

    xiii. Pretende o Tribunal a quo, erradamente, e á revelia do espírito do legislador, fazer valer a conceção de que o normativo legal constante do anterior art. 324.º, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 110/2018, passa a ter a redação prevista no art. 321.º.

    xiv. Contudo, facilmente se conclui que, o ato de circulação com produto contrafeito deixou de ser considerado, para efeitos de ilicitude, como ato significativo; xv. Tanto mais que o ato de colocar em circulação foi excluído da nova redação, considerando-se assim, para efeitos de ilicitude criminal a respetiva despenalização.

    xvi. Assim, mal andou o Tribunal a quo ao considerar no seu despacho que antecede que: “Por em circulação ou colocar no mercado não são mais do que expressões sinonimas entre si, dado que, uma e outra, querem dizer exatamente a mesma coisa, que é a disseminação do produto no mercado ou introduzir o produto no circuito económico.” xvii. Não se bastando com a incorreta interpretação do Direito aplicável, ainda tenta o Tribunal a quo corroborar a sua teoria invocando o teor do disposto na al. D) do art. 320.º, ao referir que a conduta eliminada puser em circulação no atual CPI, o ilícito se mantem previsto na referencia ao ato de colocar no mercado.

    xviii. Ora, se fosse o espírito do legislador manter a criminalização do ato de “colocar em circulação” produtos alegadamente contrafeitos, tal expressão não teria sido abolida da nova relação legal… xix. Por outro lado, e tentando não nos alongarmos muito na interpretação semântica das expressões utilizadas pelo Tribunal a quo, como sinónimos, cumpre-nos esclarecer que “por em circulação” e “colocar no mercado” são situações bastantes diferentes, tanto do ponto de vista linguístico e/ou gramatical, como acima de tudo, e do ponto de vista jurídico, bastante diferentes. Senão vejamos: xx. Por em circulação implica a atuação de produzir, entregar para venda, fornecer; implica a atividade do vulgarmente chamado grossista.

    xxi. Por outro lado, e situações bem diferente é o ato de “colocar no mercado”. O arguido não comercializou qualquer produto. O arguido, aqui recorrente, apenas e só divulgou os produtos que apresentada. Nunca se referiu aos mesmos como produtos verdadeiros, nunca vendeu qualquer produto como se de produtos originais se tratasse. Nunca lucrou com qualquer montante em prejuízo, quer do detentor dos respetivos direitos de marca, quer dos clientes, ao serem enganados.

    xxii. Não se pode assim, nunca, considerar a aplicabilidade da al. d) do art. 320.º in casu.

    xxiii. Tendo legislador, com a reforma legislativa efetuada, retirado ilicitude criminal ao ato de colocar em circulação, ato pelo qual o arguido foi condenado.

    xxiv. Não encontrando assim qualquer enquadramento e/ou fundamento legal á condenação decidida manter, porquanto a atuação do recorrente não esta prevista na Legislação aplicável como punível.

    xxv. Deverá ao recorrente ser aplicado o Decreto-Lei 110/2018, que revogou o Decreto-Lei 36/2003, e no qual não está prevista a punição dos factos pelos quais o recorrente foi condenado em sede de 1º Instância; xxvi. Devendo, sob pena de inconstitucionalidade, ser o mesmo absolvido dos factos pelos quais foi condenado.

    Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, deve a douta decisão ora posta em crise revogada e substituída por outra que determine a absolvição do arguido.

    Assim se fazendo justiça!!! 5. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

  3. Em resposta ao recurso o Ministério Público concluiu: I – O...

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