Acórdão nº 28/16.9PAACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO No processo comum supra identificado, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu: 1.

Condenar o arguido R.

pela prática de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, als. b) e c) e 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova e à obrigação de ocupação regular através da frequência de ocupações estruturadas, profissionais e de tempos livres.

  1. Condenar o arguido R.

    na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores pelo período de 5 (cinco) anos.

  2. Condenar o arguido R.

    na pena acessória de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores pelo período de 5 (cinco) anos.

  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível e em consequência condenar o demandado R.

    no pagamento à demandante da quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros moratórios à taxa anual de 4% - sem prejuízo de futura alteração dessa taxa de juro -, que são devidos desde a presente data.

    * O arguido discordando da decisão proferida em 1ª instância, da mesma interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: I.

    Existiu uma incorrecta subsunção das normas penais aos factos respeitantes à condenação do arguido aqui recorrido R.

    , pela prática de pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova e penas acessórias mencionadas na douta sentença.

    II.

    Na interpretação da lei incriminatória penal não podemos lançar mão da interpretação extensiva ou por analogia, já que a tal se opõem os princípios da legalidade e o da tipicidade.

    III.

    Apenas caberão na previsão típica as condutas que nela expressamente estão descritas e já não aquelas que, embora ali não constem descritas de forma explícita, sejam aparentadas, similares ou próximas delas.

    IV.

    Nos termos do artigo 1º, n.º 3 do Código penal «não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime».

    V.

    De acordo com o Código Penal, apenas serão merecedores de uma reacção penal as condutas que, de pleno, se integrem na previsão legal; já não o poderão ser aquelas que, embora delas derivadas, aparentadas, possuam algum elemento de estraneidade em relação à previsão positiva, seja em virtude de um refinamento de condutas por parte dos agentes criminosos, seja em virtude de actualizações técnicas resultantes do desenvolvimento da técnica.

    VI. Um bem jurídico refere-se a valores fundamentais de uma sociedade, que decorrem dos seus costumes, crenças e tradições, que são, posteriormente, transformados pelo legislador em bens jurídicos penalmente tutelados, correspondendo a sua violação a uma resposta por parte do Direito Penal que culmina na punição do agente.

    VII. O bem jurídico é assim, “a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso”.

    VIII.

    Afastada está qualquer noção de bem jurídico baseada numa perspectiva moral ético-social.

    IX.

    O Direito Penal não está legitimado a tutelar a virtude ou os bons costumes, não podendo estes ser a base para a criminalização de uma conduta; aquele está vinculado a respeitar a liberdade de consciência dos cidadãos.

    X. É ilegítimo o “recurso ao Direito Penal como meio de estabilização contrafáctica das normas de uma qualquer moralidade”.

    XI.

    A liberdade de autodeterminação na esfera sexual pode ser entendida em duas vertentes distintas: uma vertente negativa, que implica que cada cidadão tenha o direito de não suportar intromissões não desejadas, por parte de outrem, na realização da sua sexualidade, através de actos com os quais não tenha concordado; uma vertente positiva, que se traduz “na possibilidade de, livremente e de forma autêntica, cada um dispor do seu corpo, optando por si no domínio da sexualidade”.

    XII. O Direito Penal deve intervir apenas na vertente negativa, ao criminalizar actos que constituam uma intervenção nitidamente abusiva e não autorizada no domínio sexual de um sujeito.

    XIII. A protecção da liberdade sexual dependerá da norma incriminadora conseguir harmonizar estas duas vertentes, encontrando um ponto óptimo de equilíbrio, em que a liberdade sexual (na sua vertente positiva) não seja afectada, mantendo-se a protecção da mesma contra ingerências não queridas.

    XIV. Com o crime de pornografia de menores pune-se “a conduta daquele que utiliza (ou alicia para esse fim) menor em espectáculo pornográfico, fotografia, filme ou gravação pornográfica, independentemente do seu suporte, a daquele que produzir, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, material pornográfico em que utilize menor, e ainda a daquele que adquira esse material com o propósito de o distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder”.

    XV.

    Pornografia de menores será todo o material pornográfico que visualmente represente um menor envolvido em comportamentos sexualmente explícitos, uma pessoa que aparente ser menor envolvida em conduta explicitamente sexual e imagens realistas de menor em comportamentos sexualmente explícitos, de acordo com o artigo 9º/2 da Convenção sobre o cibercrime de 23 de Novembro de 2001, XVI. O que está em causa na norma do artº 176º do Código Penal, é o conceito amplo de utilização de menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos.

    XVII.

    Para que haja preenchimento do tipo do ilícito o art. 176º C.P exige uma ‘utilização’ do menor nessas actividades, o que pressupõe uma determinada integração activa da conduta do agente, de modo a levar o menor a participar nessas actividades, em interligação com a definição do que sejam actividades pornográficas.

    XVIII.

    O conceito do que é pornográfico há-de retirar-se da oposição ao que não ultrapassa os limites do ético, do erótico e do estético.

    XIX.

    A mera representação do corpo humano, ainda que fotográfica, só por si, pode ser erótica ou estética; só será pornográfica se acompanhada da prática de acto sexual, de um qualquer enredo dessa natureza ou se se traduzir numa exposição lasciva dos órgãos sexuais.

    XX.

    No caso dos autos aqui em crise, não se verifica o elemento objectivo do tipo de pornografia de menores, pois que o que está aqui em causa é o conceito amplo de utilização de menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos.

    XXI.

    Segundo a Directiva 2011/92/EU de 13 de Dezembro de 2011, pornografia infantil consiste em "i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais, ou, materiais que representem visualmente uma pessoas que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de una pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais; ou iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais.

    XXII.

    A fotografia em crise nos presentes autos não foi utilizada para fins predominantemente sexuais.

    XXIII. O Tribunal a quo, não conseguiu ficar afastado da perspectiva moral ético-social, e assim fazer a destrinça do que a norma penal incrimina e o que não incrimina, e desse modo fazer uma correcta análise dos factos e consequentemente a sua correcta valoração.

    XXIV.

    A violação de normas morais não implica lesão de bens jurídicos.

    XXV.

    Sopesados os factos e à factualidade dada como provada pelo...

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