Acórdão nº 4331/17.2T9STB.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução20 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 4331/17.2T9STB, do Juízo Central Criminal de Setúbal (Juiz 3), e mediante pertinente acórdão, foi decidido: “Absolver o arguido LMCV da prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, previsto e punido pelo art. 172º nº1 e art. 177º nº1 al. a), ambos do Código Penal. Condenar o arguido LMCV pela prática, em autoria material, de um crime de “atos sexuais com adolescentes” p. e p. pelos arts. 173º, nº 2 e 177º, nº 1, al. b) do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão

Condenar o arguido LMCV pela prática, em autoria material, em trato sucessivo, de um crime de “atos sexuais com adolescentes”, p. e p. pelos arts. 173º, nº 2, e 177º, nº 1, al. b), do Cód. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão

Em cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º do Cód. Penal, condenam o arguido LMCV na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão

Condenar o arguido nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 4 UC

Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e condenar o demandado LMCV a pagar à Demandante ISGC, representada por sua mãe CMG, a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) euros, importância acrescida de juros legais a partir da notificação do acórdão

Custas na proporção do decaimento”

* Inconformados com a decisão, dela recorreram o Ministério Público e o arguido, extraindo das respetivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:

  1. MINISTÉRIO PÚBLICO: “1. O presente recurso visa desde logo, por violação das regras da experiência e da livre apreciação da prova, impugnar a matéria de facto ínsita nos pontos 5., 7. e 10. da factualidade dada como assente no acórdão recorrido, os quais foram incorretamente julgados, já que as declarações prestadas pela menor ISGC para memória futura e complementadas em sede de audiência de discussão e julgamento impõem decisão diversa da proferida

    1. Com efeito, no direito processual penal português, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente, assim se consagrando o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127º do Código de Processo Penal

    2. Acresce que a verdade, objeto do processo, não é uma verdade ontológica ou científica, sendo antes uma convicção firmada em dados objetivos que, direta ou indiretamente, permitem a formulação de um juízo de facto

    3. Deste modo, são dois os princípios fundamentais que norteiam a apreciação da prova: - O de que ela é apreciada, salvo quando a lei disponha diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador - principio da livre apreciação da prova -; - O de que o tribunal, ao decidir, não tem de formular um juízo de certeza, bastando-se a lei com a convicção da ocorrência, pelo que “respeitados estes princípios pela sentença recorrida, como se extrai do contexto da prova produzida, não pode a mesma sentença deixar de ser confirmada”

    4. Importa ainda ter em consideração aquela que tem sido a orientação ultimamente sedimentada na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais Superiores no que ao caso vertente concerne, de que a unificação de todos os crimes praticados em apenas um crime, quando o tipo legal de crime impõe a punição pela prática de cada ato sexual de relevo e sem que legalmente esteja prevista qualquer figura legal que permita agregar todos estes crimes, constitui uma punição contra a lei, desde logo por não aplicação do regime de concurso de crimes. 6. Assim, ao contrário do que se mostra plasmado no texto decisório, entendemos que as declarações prestadas pela menor para memória futura permitem apurar que os atos levados a cabo pelo arguido e descritos no ponto 10. da factualidade apurada ocorreram no Verão de 2016, seguramente após a mesma ter completado 14 anos de idade e até ao dia 07 de Novembro de 2017 (quando o arguido foi surpreendido pela mãe da menor), com uma periodicidade não apurada, frequentemente duas vezes por semana, em número não inferior a vinte vezes. 7. A nosso ver, o Tribunal não procedeu a uma correta apreciação dos meios de prova, mormente do invocado, tendo desvalorizado as regras da experiência comum, o dever de perseguir a verdade material que se impunha, olvidando o resultado do esforço efetuado e que se impunha para o apuramento do número de atos levados a cabo pelo arguido (incluindo a introdução de parâmetros quanto ao número mínimo), concluindo que a resposta avançada pela menor fora meramente “escapista”

    5. Com efeito, a prova produzida, mormente as declarações prestadas pela menor para memória futura, tomadas no dia 05/06/2018 e reproduzidas em audiência no dia 12/03/2019 (conforme consta da ata respetiva), designadamente a partir do minuto 13:20 até ao minuto 36:32 do seu depoimento, quanto ao início dos atos (Verão de 2016), ao número mínimo de vezes (talvez mais de vinte) e à frequência (pelo menos duas vezes por semana), posteriormente complementadas pelas prestadas pela mesma em sede de audiência de julgamento, no dia 14/03/2019, das 09h56 às 10h31, a partir do minuto 02:45 até ao minuto 28:00 do seu depoimento (ata respetiva), tendo a menor, nestas, começado por referir quanto à periodicidade, que foram mais de duas vezes por semana (minuto 10:43 do seu depoimento), embora não tendo a certeza, mas… (minuto 15:24), rejeitando contudo que tal frequência fosse apenas uma vez por semana, referindo que não tinha bem vezes certas durante a semana, achando que era Verão, no tempo quente (minuto 22:23), achando que já tinha feito 14 anos (minuto 24:40); e quanto ao número mínimo de vezes no total em que tais atos haviam acontecido, perante as tentativas de parametrização de 10, 20, 30, 50 vezes, a menor foi perentória e assertiva, não demonstrando a mínima dúvida ou hesitação: mais do vinte foi de certeza, com a introdução do pénis; com os dedos foi mais do que uma vez (minuto 27:55), devidamente ponderadas segundo as regras da experiência comum e criticamente analisadas, nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, só poderão conduzir a uma conclusão incontornável: a de que os factos levados a cabo pelo arguido, descritos no ponto 10. da factualidade dada como assente no acórdão recorrido, tiveram lugar pelo menos vinte vezes, a acrescer aos factos dados como assentes plasmados nos pontos 5. e 6. do acórdão recorrido

    6. Não obstante reconhecermos a dificuldade sentida na localização temporal do início dos factos e do efetivo número de vezes em que os mesmos ocorreram, invocar não se ter apurado, com suficiente certeza, a frequência e o número de vezes em que tais atos ocorreram e concluir, como fez o Tribunal, das declarações prestadas pela menor, mormente quanto a esse segmento, que a mesma acabou mercê das insistências havidas nesse sentido, por anuir, em face do número de vezes aventado nas perguntas feitas, poderem ser nesse número (20, ou 30, conforme o número aventado) e que a sua resposta na parte em referência foi meramente “escapista” (…) é, salvo sempre melhor opinião, olvidar a prova produzida que se conseguiu obter de forma segura, não tendo deste modo o Tribunal procedido a uma correta apreciação desse meio de prova

    7. Perante a constatação de uma pluralidade sucessiva de crimes contra a autodeterminação sexual da menor, levados a cabo durante um período superior a um ano – com início no Verão de 2016 até 7 de Novembro de 2017 – e a natural impossibilidade de se apurar o número concreto de vezes em que tais condutas foram levadas a cabo, impunha-se fazer a prova do número possível (ainda que por defeito) dos atos individuais levados a cabo, com recurso a critérios de parametrização (e não sugestões) do que sucedeu, tendo a menor avançado com os números referidos (frequentemente duas vezes por semana, sendo certo que o foram em número não inferior a vinte vezes)

    8. O seu depoimento, prestado de forma livre e coerente, sem contradições no seu relato e sem se deixar influenciar pelas pretensas “sugestões”, não se tendo as suas respostas cingido a meras confirmações lacónicas ou confirmativas das questões que lhes iam sendo colocadas, ou mesmo sido genéricas ou conclusivas, pode e deve ser valorado na parte em referência, não se prefigurando qualquer aleatoriedade ou arbitrariedade na fixação dos números avançados, não resultando minimamente beliscado o direito ao exercício do contraditório por banda do arguido, já que do objeto do processo definido pela acusação deduzida, constava já uma periodicidade pelo menos semanal (pontos 7. e 10. da acusação)

    9. Deste modo, deverão, em nosso entender, ser alterados os pontos 5., 7. e 10. da factualidade dada como apurada, passando a constar dos mesmos que: 5. Em data não concretamente apurada, mas situada no Verão de 2016, quando a IC tinha 14 anos de idade, o arguido LV, aproveitando uma ocasião em que a mesma estava deitada na cama do casal, aproximou-se desta e começou a acariciá-la, passando-lhe as mãos por todo o corpo

    10. A partir desta altura, o arguido LV, quando estava sozinho com a menor, passou a tocar na I, o que sucedia com periodicidade não concretamente determinada, frequentemente duas vezes por semana, sendo que noutras semanas, tal não sucedia

    11. A partir desta data, o arguido LV começou a ter relações sexuais de cópula completa com a I, sempre nos moldes acima descritos, com frequência não concretamente determinada, mas em número não inferior a vinte vezes”

    12. A factualidade a fixar nesse sentido integra a prática em concurso real de 21 (vinte e um) crimes de abuso sexual de menores dependentes, p. e p. pelo artigo 172º, nº 1, do Código Penal (ilícito base que vinha imputado ao arguido), sendo um consumado pelo arguido quando a menor já possuía 14 anos, com o toque e introdução de dois dedos no interior da vagina desta, praticado num momento temporal distinto -...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT