Acórdão nº 229/15.7 GBSLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | MARIA FILOMENA SOARES |
Data da Resolução | 20 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 229/15.7 GBSLV, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão, Juiz 1, mediante pronúncia, precedendo pedido de indeminização civil [formulado pelo “Centro Hospitalar do…, EPE” contra os arguidos/demandados, peticionando destes o pagamento das despesas relativas aos cuidados de saúde prestados à ofendida LMR, no montante de 163,11 €], e apresentação de contestação [por banda dos arguidos], foram submetidos a julgamento os arguidos EIAC, RIFA e TFLS, (devidamente identificados nos autos, designadamente a fls. 809), e por acórdão proferido e depositado em 07.05.2019, foi decidido: “(…) julgamos a acusação parcialmente procedente e, em consequência: Absolvemos o arguido TFLS e RIFA da prática de um crime de sequestro, previstos e punidos pelo artigo 158°, n.ºl e n.º2, alínea b), do Código Penal: Absolvemos o arguido TFLS da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3°, n.º1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro; Condenamos a arguida EIAC, A) na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de sequestro, previstos e punidos pelo artigo 158°, n.ºl e n.º2, alínea b), do Código Penal; Mais condenamos a arguida na taxa de justiça de 4 (quatro) U.C. e nas demais custas do processo
Consideramos procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado a fls. 564 pelo CH …e condenamos a demandada no pagamento aquela da quantia de €163,11 (cento e sessenta e três euros e onze cêntimos), acrescido de juros de mora contados desde o trânsito em julgado deste Acórdão até ao efectivo e integral pagamento, absolvendo os demais demandados do pedido
(…)”
Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida EIAC, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões: “1. Encontra-se a arguida condenada pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158º/1 e 2/b) do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão
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A Recorrente discorda, quer de facto, quer de Direito, com a decisão aqui recorrida
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Quanto à matéria de facto, considera a Recorrente que foram incorrectamente julgados os factos provados em 6º a 9º, 11º a 14º, 17º, 18º, 21º, 25º, 27º e 29º a 33º - factos que ora expressamente impugna
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Sendo que as provas que impunham decisão diversa da recorrida no tocante aos factos que se têm por erradamente julgados, para além da valoração que não podia ter sido dada a determinados elementos de prova (que a seguir também identificaremos), são: • Declarações para memória futura prestadas pela Ofendida – prestadas no dia 11/06/2015, com início às 15:56:00 e fim às 16:34:00 (ficheiro áudio 20150611155620_3648409_2870864) e com início às 16:35:00 e fim às 16:52:00 (ficheiro áudio 20150611163521_3648409_2870864), gravado pelo sistema central de gravação do tribunal; • Depoimento da testemunha EHR, prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 23/04/2019, com início às 10:10:38 e fim às 10:34:56 (ficheiro áudio 20190423101037_3997108_2871988), gravado pelo sistema central de gravação do tribunal e • Documento junto com a contestação apresentada pela Recorrente como Doc. B1 (declaração emitida por ….)
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Já os elementos que não poderiam ter merecido a valoração que mereceram são as localizações celulares do n.º … de fls. 375 dos autos e as fotografias de fls. 98 a 129
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O tribunal recorrido vem a formar e firmar a sua convicção de que a Recorrente participou nos factos que visaram a ofendida porque considera que o dito n.º de telemóvel lhe pertencia ou era por si utilizado (cfr. páginas 17 e 18 do acórdão) – embora, como veremos, sem qualquer prova que sustentasse tal conclusão
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Desde logo, quanto à questão da pertença/utilização do cartão de telemóvel com o n.º … pela Arguida e por reporte ao facto dado como provado em 6º, consideramos que se verifica o vício de falta/insuficiência de fundamentação a que alude o art. 379º/1/a) C.P.P. – o que importa a nulidade do acórdão, a qual deve ser firmada por V. Exas.
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Isto porque, no que concerne a tal questão, não se escreveu uma linha, uma palavra sequer no acórdão ora em crise que permitisse descortinar como e porque se convenceu o tribunal de 1ª Instância que, conforme deu como provado, o n.º … era da ou utilizado pela Recorrente
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Sendo que de acordo com o art. 374º/2 C.P.P. a sentença/acórdão deve conter uma exposição, tão completa quanto possível, dos motivos de facto e de Direito que levaram à decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para a formação de tal convicção
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Ainda assim, inexiste qualquer documento emitido pela operadora móvel respectiva que firme a quem pertencia tal número
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Sendo que também nas SMS trocadas com ER (constantes de fls. 98 a 129), em momento algum, o interlocutor desta se identifica como sendo a Recorrente
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No sentido de não confirmar a convicção do tribunal recorrido de que o número móvel em apreço era da Recorrente, não pode deixar de se ter em conta o depoimento da testemunha ER (acima devidamente identificado e cujas passagens relevantes se encontram também concretizadas nos termos legais)
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Esta testemunha referiu que só conheceu a Recorrente DEPOIS da ofendida lhe ter dito o que consigo havia sucedido
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Dizendo que quem lhe indicou aquele n.º de telemóvel com que trocou mensagens foi a própria ofendida, dizendo que seria o contacto da Recorrente
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Adiantou também recordar-se que foi ela quem iniciou os contactos e não o utilizador do n.º …
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Mais refere (embora o tribunal recorrido o tenha desvalorizado…) QUE NÃO CHEGOU A MARCAR QUALQUER ENCONTRO ENTRE A ARGUIDA E A OFENDIDA, PORQUE ESTA TINHA MEDO DE SE ENCONTRAR COM AQUELA
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Não obstante, o tribunal recorrido acaba por afastar/desvalorizar este depoimento porque entende que o contrário resulta do teor das mensagens trocadas, nomeadamente que foi a Recorrente quem sequestrou e agrediu a ofendida – com o que não concordamos
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Porém, dessas mensagens, não resulta mais do que a perspectiva de um encontro entre o interlocutor de ER e a ofendida – não resultando que esse interlocutor fosse a Recorrente, muito menos resultando que esse encontro se tenha concretizado
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Pelo que não podemos deixar de questionar em que elementos se apoiou o tribunal recorrido para considerar que era a Recorrente quem se correspondia com ER ou que, tendo ocorrido o encontro que se perspectivava nas mensagens, que o interlocutor de ER era uma das pessoas que abordou e sequestro a ofendida – ainda para mais quando esta testemunha refere peremptoriamente que só contactou com a Recorrente depois da ocorrência dos factos criminosos! 20. Pelo que é evidente que a culpabilidade da Recorrente dada como provada assenta na presunção (SEM PROVAS) de que era aquela que utiliza o n.º …
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E é com base nessa presunção que o tribunal recorrido afasta (mal na nossa perspectiva) a declaração emitida pela … (Doc. B1 da contestação), que atesta que, naquele dia 26/05/2015, às 15h, a Recorrente se encontrava em …., no funeral de um seu tio
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É verdade que CR (funcionária da … que assinou tal documento) declarou, em audiência, que acontece emitir aquele tipo de documentos sem confirmar a identidade de quem lhe faz o pedido, podendo até o pedido ser feito por uma terceira pessoa. Mas não é menos verdade que esta testemunha não disse que o que atestou não correspondia, em concreto, à verdade! 23. Se, como vimos, o tribunal a quo não tinha sustentáculo para considerar que aquele número era pertença ou era utilizado pela Recorrente (tão pouco se dignou a justificar como alcançou tal conclusão!), não se pode aceitar que os respectivos dados de tráfego sirvam para afastar a referida declaração emitida pela …
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Até porque o reconhecimento fotográfico feito pela ofendida nas declarações para memória futura que prestou, por não ter obedecido ao art. 147º/5 C.P.P., não tem qualquer validade – lógica que, aliás, o tribunal recorrido aceitou e firmou no seu acórdão relativamente ao arguido TS
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Assim, não se pode aceitar a conclusão de que a Recorrente era quem detinha/utilizava o n.º …, também não se podendo relevar as sms de fls. 98 a 129 dos autos, nem o registo de tráfego de fls. 375
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Pelo que é evidente que a prova consistente nas declarações de ER e a declaração constante de Doc. B1 da contestação da Recorrente impunham que o tribunal recorrido também tivesse dado como não provados, quanto à Recorrente, os factos que acima impugnámos
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Devendo tais factos passar a constar da matéria de facto dada como não provada ou, no limite, substituindo-se as referências à Recorrente pela expressão “pessoa que não foi possível identificar” – e, por isso, exigindo-se a absolvição da Recorrente
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Mas mesmo que V. Exas. considerem que a prova produzida é suficiente para que se dê como provada a actuação criminosa da Recorrente, ainda assim, impõe-se alterar alguns factos – pois que os concretos actos por esta praticados dados como provados não correspondem à prova
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Em concreto, certos comportamentos que lhe foram assacados não resultam das declarações para memória futura da ofendida, pelo contrário – pelo que este meio de prova, como veremos, impunha decisão diversa da recorrida
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Quanto ao facto 18º, resulta das declarações para memória futura da ofendida (cfr. segmentos devidamente identificados no corpo deste recurso) que a Recorrente NÃO DEU SOCOS À OFENDIDA – apenas alguns pontapés nas costas
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Resultando que todos os socos/murros sofridos pela ofendida foram desferidos pela outra pessoa do sexo feminino que ali se encontrava (e a quem a ofendida se refere como a rapariga de cabelo castanho/escuro/preto)
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Assim, impõe-se a alteração da redacção do facto provado em 18º, que deverá passar a ser a seguinte: “18º Sempre sob ameaça, levaram a ofendida para um...
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