Acórdão nº 572/19.6T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 572/19.6T8OLH.E1 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]♣Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório … (Autor) intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra … (Réu), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, devendo, em consequência, ser o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de € 49.652,83, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou que o Autor era possuidor no ano de 2017 de um imóvel sito em (…) e o Réu era possuidor e proprietário de um canídeo de grande porte que se encontrava à solta e sem proteção, vindo, em 14-09-2017, 17-09-2017, 22-09-2017 e 29-09-2017, a entrar no interior da casa em posse do Autor, tendo ali provocado diversos prejuízos que se encontram discriminados, concluindo que o valor desses prejuízos se reporta à quantia de € 49.652,83.

…Regularmente citado, o Réu não contestou, pelo que foram considerados confessados os factos articulados pelo Autor na petição inicial.

…Em 31-01-20202, foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório: Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo a presente ação provada e procedente e, em consequência, condeno o Réu (…) a pagar ao Autor a quantia de € 49.652,00 acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Custas a cargo do Réu – art. 527º, nº 1, do Código de Processo Civil.

…Inconformado com a sentença, o Réu interpôs recurso, apresentado as seguintes conclusões: I. A sentença recorrida viola a alínea d) e c) do art. 615º do CPC: o Juiz ad quo pronuncia-se sobre questões das quais não podia tomar conhecimento, ao assumir no texto e como fundamento da sentença factos que não se mostram alegados na P.I; e apresenta para a condenação fundamentos que estão em oposição com a decisão.

  1. O R. não apresentou Contestação – o que se explica por ser o mesmo estrangeiro, desconhecer a língua portuguesa pelo que desconsiderou a notificação – ainda assim, deverá o Juiz, na aplicação do art. 567º, nº 1, do CPC, considerar confessados os factos articulados pelo A.

  2. No entanto, na linha do acórdão do STJ nº 7256/10.9TBCSC.L1.S4, acima mencionado, o efeito da situação de revelia operante do R./demandado, apenas determina que se devam ter por confessados os factos efectivamente alegados pelo A./demandante – cabendo ao juiz sindicar da suficiência e concludência jurídica da factualidade assente por confissão ficta, em termos do preenchimento ou não da fattispecie subjacente ao pedido deduzido.

  3. Ora in casu, perante a causa de pedir, é manifesto e essencial que o A. tinha que ter alegado: V. -ser o proprietário do bem imóvel aludido nos autos ou, alegando como alegou ser mero possuidor, demonstrar ou ao menos alegar o seu título de posse; VI. - ser proprietário dos bens móveis que a douta sentença lista em Factos Provados; VII. - ter alegado os danos concretos que o cão provocou em cada um dos bens móveis; VIII. - ter estabelecido qual a redução do valor dos bens que alegou terem sido roídos.

  4. Só assim se poderia concretizar o valor da indemnização a que o A. poderia ter direito por aplicação do art. 483º do CC..

  5. Por outro lado, não está o Juiz vinculado a decidir, a partir dos factos que se considerem confessados por revelia, tal como se lhe peticiona na P.I.; devendo efectuar aquela operação intelectual de subsunção do alegado ao direito, para prolacção da sentença a tirar, pois que o Juiz julga a causa conforme for de direito (art. 567ª, nº 2, in fine).

  6. Deve o Juiz, caso não tenha mandado aperfeiçoar a P.I. – o que não sucedeu – verificar se os factos, considerados confessados, podem conformar-se em termos de direito às normas que fundamentarão a condenação pedida.

  7. Ora, em momento algum da petição inicial e, por conseguinte, em momento algum da douta sentença, surge alegado como facto, e portanto em momento algum surge dado por provado na decisão recorrida que os bens móveis listados na P.I. fossem de propriedade do A.; não existe qualquer presunção legal nesse sentido e não são parte integrante do imóvel (cfr. art. 204º, nº 3, do CC).

  8. Pela formulação da P.I. não se alcança ser o A. proprietário do bem imóvel, nem, menos ainda, ser o A. proprietário dos bens móveis que lista pelo que se desconhece-se, por ausência absoluta de alegação, quem é o legítimo proprietário de tais bens; e, por isso, a quem cabe a legitimidade de por eles pedir indemnização caso lhes sucedam danos.

  9. Não se pode sequer depreender, dos factos dados por Provados face à revelia, que seja o A. o dono desses móveis, ou sequer a que título invoca o A. ter a posse do imóvel, ou se tem ali a sua residência e se é a mesma temporária ou permanente.

  10. O A. também não alega o dano ocorrido em cada dos bens móveis elencados no artigo 4.º.

  11. Assim, desde logo, não pode a sentença suprir o não alegado, concluindo dos factos alegados legitimidades e responsabilidades não alegadas, pois que a falta de contestação do R. não pode suprir a falta de alegação por parte do A., de factos essenciais, indispensáveis à procedência da acção. Na verdade, não pode o Juiz, oficiosamente, corrigir ou suprir um deficiente ou insuficiente cumprimento do ónus de alegação por parte do A.

  12. Pelo que só pode o Tribunal julgar a acção procedente quando os factos alegados e confessados forem suficientes para suportar o efeito jurídico pretendido; quando assim não é, cabe legalmente ao Tribunal, se bem que em situação de revelia, verificar que os factos apurados não suportam o petitório do A.; e declarar por isso a acção improcedente.

  13. O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos refere que quem, com dolo ou mera culpa, violar o direito de outrem (…), fica obrigado a indemnizar, mas, o A. não alega que o direito violado era seu, pois não alega ser proprietário de coisa alguma.

  14. Só teria direito a ser indemnizado se alegasse ser proprietário dos bens danificados pelo cão, pois só assim ganha legitimidade pedir para ser ressarcido dos danos sofridos.

  15. Ainda que não tenha contestado, não se pode considerar que o R. confessara um facto que não está sequer alegado na PI; e dessa não alegação não contestada não se pode extrair conclusão similar à que se extrairia se tivesse havido alegação.

  16. A acção ainda que não contestada, não poderia proceder porquanto os factos confessados não são suficientes para suportar o efeito jurídico pretendido pelo A./demandante; e ao ter assim considerado, sem curar das questões relevantes de legitimidade material e adjectiva, assumindo o que os factos não provam nem sequer alegam, a sentença pronuncia-se sobre questões sobre as quais lhe está vedado pronunciar-se, ou pelo menos de que não poderia tomar conhecimento face à ausência de alegação na P.I.; e incorre assim no vício da al. d) do art. 615º do CPC, de onde decorre a nulidade da sentença, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais e se pede seja declarada nesta sede de recurso.

  17. A sentença viola ainda a al. c) desse nº 1 do mesmo artigo do CPC, apresentando para a condenação fundamentos que estão em oposição com a decisão.

  18. Pois que os Factos Provados não provam a existência de danos; e seriam os danos que, sendo indemnizáveis, fundamentariam, pelo valor que se houvesse provado ser o do dano, a indemnização a tirar nos autos.

  19. Ora, o que está Provado nos Factos Provados 3, nas alíneas a) a bb) são valores dos bens e das unidades dos bens compostos (v.g. 2 unidades de sofá (…) com o valor por unidade de € 1.499,00; ou 1 unidade de sofá com o valor de € 16.110,00; 4 unidades almofada Conforama, valor unidade € 14,99).

  20. Todo o Facto provado 3 dá apenas o valor dos bens; bens que, repete-se não se sabe a quem pertencem, desconhecendo-se assim quem deva ser indemnizado por ter visto ofendido um direito seu. Também, em nenhum ponto da douta sentença recorrida se discriminam os danos concretos e o seu valor relativamente a cada um dos bens. Nada quanto a isto dá a sentença por provado.

  21. Todavia, entendeu o Tribunal a quo considerar que o dano era exactamente o mesmo que o valor dos bens, o que não pode ser pelas regras da experiência normal e comum; salvo nos casos da perda total e integral do bem, o que não é o caso, pois esses bens foram vendidos depois.

  22. A consideração que o Tribunal faz (de que o valor do dano era exactamente...

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