Acórdão nº 2294/17.3T9VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | LILIANA DE PÁRIS DIAS |
Data da Resolução | 04 de Novembro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. nº 2294/17.3T9VFR.P1Recurso Penal Juízo Local Criminal de Aveiro – Juiz 2Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
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RelatórioNo âmbito do processo comum singular que, sob o nº 2294/17.3T9VFR, corre termos pelo Juízo Local Criminal de Aveiro, B… foi condenado na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 8 €, pela prática de um crime de crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal.
Na procedência parcial do pedido de indemnização civil formulado por C…, foi o arguido condenado no pagamento à demandante da quantia de €7.000,00, acrescida de juros legais de mora, desde a notificação, a título de indemnização dos danos não patrimoniais causados.
Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem: (…)*O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
*O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, por considerar que a impugnação da matéria de facto, não obedecendo aos requisitos legalmente previstos, não pode ser conhecida, com a consequência de que a factualidade descrita na sentença encontra-se definitivamente assente, para além de se mostrar correctamente efectuada a sua subsunção ao crime de difamação por que o recorrente foi condenado e processualmente inadmissível, nesta fase, a junção aos autos de documentos, como pretendido pelo recorrente.
*O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público na 1ª instância, pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida, salientando, quanto ao mérito do recurso, a inexistência de qualquer causa de exclusão da tipicidade ou ilicitude da conduta do recorrente, mostrando-se, por isso, correctamente enquadrada jurídico-penalmente a factualidade assente.
*Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, apresentando o arguido/recorrente, representando-se a si próprio, resposta ao parecer, tendo sido determinado o seu desentranhamento dos autos.
Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
* II - FundamentaçãoÉ pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410º, nº 2 ou o art.º 379º, nº 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
Podemos, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes: 1) Impugnação da matéria de facto.
2) Repetição do julgamento na primeira instância e renovação da prova neste tribunal de recurso.
3) Atipicidade do comportamento do recorrente e verificação de causas de exclusão da ilicitude.
4) Inadequação da medida concreta da pena de multa aplicada.
5) Excessividade do quantum indemnizatório fixado.
*Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida.
*Factos provados e não provados (transcrição dos factos que se afiguram relevantes para decisão do recurso): “1 – A ofendida C… é Juiz de Direito e exerce funções no Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2, sita na Rua …, nº .., em Santa Maria da Feira; 2 - No decurso da sua actividade profissional a mesma teve intervenção no Processo de Instrução nº 512/15.1T9ESP, em que era assistente o aqui arguido B… e arguido o irmão deste, D…, no qual foi proferida Decisão de Não Pronúncia no dia 14/6/2016, posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
3 - No dia 4 de Setembro de 2017 deu entrada no Processo de Instrução nº 512/15.1T9ESP do Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2 um requerimento elaborado pelo arguido B… dirigido àquela Magistrada no qual consta, entre outros considerandos, o seguinte: “(…) E este é mais um entre vários exemples paradigmáticos da perversão ao seu mais alto nível, em que toda e qualquer acusação e chorrilho de injúrias ao Assistente foi bem-vinda ou ansiada, e ainda lamentavelmente supervalorizada pela juíza de instrução! (…) convenientemente, para a juíza de instrução não é uma absurda e ridícula injúria gratuita através de um ato simulado, mas sim um facto real assente … o que uma vez mais atesta o cumprimento de um compromisso de total falta de isenção para incondicionalmente defender o Arguido infractor e diabolizar o Assistente/Cabeça de Casal.
Sendo mais que óbvio e claro, tudo isto foi feito ao contrário do que seria ou deveria ser feito por um correto e isento juiz de instrução que nunca promoveria tamanha Fraude à Lei.
O pedido do Assistente para Abertura de Instrução foi radicalmente declarado nulo e, consequentemente, indeferida a requerida Abertura de Instrução, pela juíza de instrução de Sª Mª Feira, que, em enorme consonância, assim, voltou a “matar” o processo …Abusivamente, recusando qualquer apuramento da verdade ou qualquer Direito ao Contraditório. (…) de novo, o Assistente se sinta ostracizado e defraudado ao pagar actos legalmente previstos em prol do apuramento da verdade que são tendenciosamente recusados, indubitavelmente, a prioridade é ignorar a verdade que não interessa e, obsessivamente, aproveitar as questões para, cegamente, penalizar a vítima queixosa e branquear todos os atos delituosos do infractor denunciado.
Este, é um claro e paradigmático exemplo de manipulação e utilização perversa da justiça que envergonha qualquer cidadão, especialmente porque é arquitectado, desenvolvido e executado por alguém que deveria ter uma idoneidade e dignidade acima da média, e uma imparcialidade inversa à que exibe! Por isso, num Estado de Direito, com todo o mérito, merece um Certificado de Falta de Idoneidade e de Falta de Dignidade.
É a própria juíza de instrução quem interroga o Assistente com perguntas alheias ao processo e profundamente tendenciosas e acusatórias com um obsessivo intuito incriminatório.
Ora bem para a juíza de instrução, estas eram desde o início, as questões mais FULCRAIS E DEFINITIVAS sobre o que ela própria designava com a matéria deste processo, a tal «carta bem concreta desse processo» …sempre, mas sempre com o cego objectivo de cumprir o claro compromisso a que se obrigou: exclusivamente, atacar, denegrir e prejudicar tanto quanto possível, a vítima-queixosa (o Assistente/Cabeça-de-casal)”; 4 - Tais expressões foram proferidas pelo arguido de forma livre, voluntária e com o manifesto propósito de atingir a ofendida na sua honra e consideração de Magistrada de conduta profissional irrepreensível; 5 - O arguido sabia que praticava factos proibidos e punidos por lei; 6 – O arguido possui os seguintes antecedentes criminais: - Processo Comum Singular nº 535/09.0TAESP do extinto 2º juízo do Tribunal Judicial de Espinho, por sentença proferida em 02/06/2011 e transitada em julgado em 13/02/2012, foi condenado na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €.:8,00 pela prática, em 24/04/2009, de um crime de injúria pena esta que, por decisão de 25/07/2011, foi declarada extinta pelo seu cumprimento; - Processo Comum Singular nº 562/14.5TAESP do Juízo de Competência Genérica de Espinho, Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por sentença proferida em 21/10/2015 e transitada em julgado em 06/06/2016, foi condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €.:20,00 pela prática, em 10/07/2014, de um crime de desobediência, pena esta que, por decisão de 31/10/2016 foi declarada extinta pelo seu cumprimento; 7 - O arguido é engenheiro electrotécnico não estando actualmente a exercer a sua profissão vivendo com os proventos que obteve durante os anos em que esteve activo profissionalmente; 8 - Reside em casa própria; 9 - É mestre e perito na Ordem dos Engenheiros; 10 - Efectuou várias especializações técnicas no estrangeiro; 11 - Foi premiado em Portugal por ser o melhor aluno em Aveiro; 12 - Recebeu inúmeros prémios e certificados honoríficos no estrangeiro; 13 - Foi responsável em Portugal pela instalação de ATMs tendo dado formação aos engenheiros que faziam parte da equipa 14 – O arguido é cabeça-de-casal de uma herança de onde diz que já foram retirados cerca de um milhão de euros.
Do pedido de indemnização civil: 15 - O comportamento do demandado incomodou a demandante pois sentiu postas em causa as suas isenções, imparcialidade e honestidade; 16 - E esse incómodo foi tão mais intenso quanto o comportamento do arguido foi despropositado e assumido no contexto de um processo judicial por natureza acessível a toda a secção de processos, colegas, magistrados e eventualmente a terceiros que o quisessem ou queiram consultar; 17 - O comportamento do arguido não cessou com a queixa apresentada nestes autos uma vez que no âmbito do processo de inquérito nº 478/18.6T9ESP, da 2ª secção do DIAP de Santa Maria da Feira voltou a formular juízos ofensivos da sua honra e consideração profissionais; 18 - Tendo esses autos sido conclusos à demandante para a prática de acto jurisdicional, formulou e foi-lhe deferido pedido de escusa.
Inexistem factos não provados.”.
* Apreciando os fundamentos do recurso.
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Impugnação da matéria de facto. (…)*B) Repetição do julgamento na 1ª instância. Renovação da prova neste tribunal de recurso. (…)*C) Atipicidade do comportamento do recorrente e verificação de causas de exclusão da...
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