Acórdão nº 109/20.4TXCBR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | ISABEL VALONGO |
Data da Resolução | 28 de Outubro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra 1. No âmbito do Processo Supletivo n.º 109/20.4TXCBR-A, do Juízo de Execução das Penas de Coimbra – Juiz 3, por despacho judicial de 30-04-2020 foi decidido julgar perdoada a pena de 20 dias de prisão subsidiária aplicada ao arguido V.
no âmbito do processo nº 491/09.4 TAACB, por decisão proferida em 27.9.2018 transitada em julgado a 5.11.2018, perdão concedido sob condição resolutiva do beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente.
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Inconformado com a decisão recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: “1ª - O perdão previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só pode ser aplicado a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado fisicamente no estabelecimento prisional; 2ª - O artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março de 6 de Abril, suspendeu todos os prazos para a prática de actos processuais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19; 3ª - Pelo que, enquanto durar a situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, está suspensa toda a tramitação processual tendente à emissão e execução de mandados de captura na sequência de condenação transitada em julgado; 4ª - Desta forma se evitará que, durante esse mesmo período, ingressem no estabelecimento prisional novos reclusos, e assim se logrará garantir que não seja ocupado o espaço prisional deixado livre pela libertação dos reclusos abrangidos pelo perdão; 5ª - Restringir a aplicação do perdão previsto na Lei n.º 9/2020 aos condenados que se encontram já recluídos à data da entrada em vigor daquela mesma lei, excluindo os condenados ainda não recluídos, não viola o princípio da igualdade plasmado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa; 6ª – Ao perdoar a pena de prisão aplicada ao arguido V.
no âmbito do processo nº 491/09.4TAACB, não estando este preso à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2020, o tribunal proferiu decisão ilegal, por violação no disposto no art. 2º, n.º 1, desse mesmo diploma legal.
Nestes termos, e pelos mais que V. Ex.as, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida, far-se-á JUSTIÇA.” 3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.
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Ao recurso respondeu o arguido/condenado, concluindo: “1. O arguido foi condenado a 20 dias de prisão subsidiária por um crime não excluído daquele diploma.
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Recai sobre o arguido o cumprimento de uma pena inferior a dois anos, transitada em julgado antes da entrada em vigor da lei 9/2020, por um crime não excluído daquele regime excecional.
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Sucede que, apesar de decisão transitada em julgado o arguido não se encontra recluído.
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E considerando a não reclusão do arguido, o Ministério Público alega que tais medidas são de aplicação exclusiva a arguidos reclusos sustentado no argumento do elemento literal e, por conseguinte, o regime não se aplica ao caso sub judice.
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De pensamento oposto, defende o Exmo. Desembargador José Quaresma (vide ebok-CEJ) que a circunstância do arguido condenado, mas não recluído, não afasta a aplicabilidade daquele diploma de carater excecional por questões de igualdade constitucional.
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Caso contrário, afastar a aplicabilidade da norma aos arguidos condenados não reclusos, por crimes não excluídos do nº 1 e 6 do art. 2º significaria diferentes tratamentos entre arguidos em posições materialmente idênticas, o que violaria o princípio constitucionalmente consagrado da igualdade do art.13 º da Constituição da República Portuguesa.
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Ao abraçarmos uma interpretação literal e restritiva da expressão “reclusos” estamos a devolver a liberdade a uns e a recluir outros, sendo que entre eles poderão existir cidadãos condenados em condições materialmente análogas.
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De modo que, em ordem ao cumprimento dos princípios constitucionais a única interpretação a fazer é a de que o referido perdão deverá ser aplicado a todos os cidadãos punidos com penas e crimes abrangidos pelo âmbito da norma, transitadas à data da entrada em vigor da lei.
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Por outro lado, atendendo à ratio legis da norma, melhor descrita na exposição dos motivos proposta de lei que deu origem ao aludido diploma concluímos que, a mesma foi gizada por imperativos de condições de salubridade no meio prisional para se conseguir gerir a atual crise sanitária. Isto é, a norma foi criada por razões de saúde pública face à pandemia instalada.
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Acresce que, ao não aplicarmos a norma aos arguidos não reclusos, que apenas aguardam a emissão de mandados, logo que termine o regime de suspensão dos prazos processuais em vigor durante o estado de emergência, estamos a permitir que tais arguidos venham a ser recluídos, nomeadamente, no caso concreto, em pleno estado de pandemia.
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Desde logo, porque haja ou não estado de emergência, a pandemia está instalada e o seu fim não se compadece com uma cessação daquele.
Os prazos iniciaram-se, e a pandemia, isto é, o perigo de contágio do vírus, infelizmente, permanece.
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O que significa que, o arguido, hoje não recluso, poderá amanhã entrar no ambiente prisional, ainda em pleno período de pandemia.
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Destarte, prolongando-se a situação de pandemia para além do estado de emergência justifica-se a adoção deste regime excecional para segurança de todos sem exceção e a sua aplicabilidade a todos os arguidos condenados, reclusos ou não reclusos, sem exceção, para evitar a reclusão em tempo de propagação do vírus.
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Com efeito, no caso dos autos, deverá considerar-se perdoada a pena aplicada, em honra ao princípio da igualdade e por razões de saúde pública, direitos, liberdades e garantias, em homenagem aos valores constitucionalmente consagrados e por conseguinte, manter-se a decisão proferida.
Nestes termos e nos Melhores de Direito, requer-se, seja negado provimento ao douto recurso apresentado pelo Ministério Público e consequentemente manter-se a decisão proferida.” * 5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer: (…) 4. Quanto ao recurso do Ministério Público, dir-se-á que concordamos com a motivação do recurso pelo que, aceitando integralmente a bem elaborada e bem fundamentada motivação do recurso apresentado pelo Exmo. Procurador da República junto da 1.ª instância, aqui a damos por integralmente reproduzida, pouco mais tendo a acrescentar.
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De facto, atento o teor do disposto no art 2º nº 1 da Lei 9/2020, de 10 de Abril, e a razão de ser da mesma, cremos que outro não pode ser o objectivo da lei que não seja o indicado pelo recorrente, restringindo-se, consequentemente, a aplicação do perdão nela...
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