Acórdão nº 1162/16.0T8PVZ.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 22 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO As sociedades autoras: 1ª – Y, SA, com sede na Mealhada, e 2ª – X, SA, com sede em Matosinhos, Intentaram, em 20-09-2016 [1], a presente acção declarativa, de condenação, com processo comum, contra os réus: 1º - J. M.
, com domicílio em Fão, e 2ª - W, Ldª, com sede em …, Póvoa do Varzim.
Formularem o pedido de condenação destes a pagar-lhes, solidariamente, uma indemnização, por violação de obrigação de não concorrência, em valor a ser fixado pelo Tribunal, mas que entendem não dever ser inferior a €400.000,00.
Na respectiva petição inicial, alegaram, resumindo, que, em 2011, a 2ª autora X e a K, Caixilharias, SA, detinham participações recíprocas (pois esta, juntamente com a Y e a T., SGPS, SA, eram sócias daquela, ao mesmo tempo que a T., a Y e a X detinham todo o seu capital social) e a T. e a Y detinham (directa ou indirectamente) 50% do capital da X, cada uma.
Na mesma data em que a Y adquiriu as suas participações sociais à T.
(29-03-2011), aquela e esta (representada pelos administradores 1º réu e R. T.), conforme previsto no respectivo contrato de compra e venda de acções (doc. 1), celebraram um acordo parassocial (doc. 2).
No nº 1 da cláusula 10ª deste, convencionaram que “caso qualquer Contratante queira adquirir a participação de outro Contratante, efectuará uma proposta de preço e condições de pagamento que, em caso de não aceitação, obriga o Contratante não aceitante a adquirir a totalidade da participação do proponente, nas mesmas condições” (“shut out”).
Na cláusula 11ª, intitulada “Pacto de não concorrência”, estipularam que “As partes obrigam-se, sem prejuízo das actividades actualmente exercidas, a não desenvolver ou participar, por si ou através de alguém em sua representação, em quaisquer projectos ou empresas que por qualquer forma, possam concorrer, directa ou indirectamente, com a actividade desenvolvida pelas «Sociedades»” (nº 1), sendo estas a K e a X.
Para o caso de venda de acções por uma das partes à outra, designadamente segundo a cláusula “shut out”, convencionou-se também que “a parte vendedora mantém a obrigação de não concorrência das Partes a que se refere o nº 1 supra, por um período de 3 anos.” (n º 2) Por “contrato de compra e venda de acções” celebrado em 31-05-2013 (doc. 3), a Y (representada por A. N. e Outros) adquiriu à T.
(representada pelos administradores 1º réu e por R. T.) a totalidade das participações sociais que esta detinha na X e na K, pelo preço de 2.500.000,00€, tendo o dito 1º réu renunciado ao cargo de administrador destas duas sociedades. Assim, a Y passou deter 100% da X.
O objectivo de tal aquisição pela Y era, não simples investimento financeiro, mas sim o de os respectivos sócios passarem a explorar sozinhos os negócios da X e da K, de assim adquirirem o respectivo negócio industrial e comercial, de lhe dar continuidade e fazê-lo crescer (já que estas eram os maiores e melhores clientes da Vidro.../VidroM..., empresas de transformação de vidro que integram o grupo Y).
Tal operação equivaleu economicamente ao trespasse do aludido negócio (da X e da K).
A existência de uma obrigação de não concorrência relativamente aos sócios da vendedora T.
(1º réu e R. T.) foi uma condição essencial da referida transmissão das acções para a Y, designadamente quanto ao preço, pois que aquele (J. M.) tinha profundo conhecimento do negócio da X, designadamente das técnicas de produção e clientela, enquanto seu gerente e administrador que fora (doc. 4).
A X concebe originalmente e fabrica com tecnologia muito avançada e em constante desenvolvimento portas e janelas de alumínio (caixilharia) e fachadas de edifícios em vidro – produtos estes suficientemente diferenciados em relação aos congéneres da concorrência.
A participação da X nas grandes obras resulta de as empresas de construção civil concorrentes às mesmas ou os gabinetes de arquitectura – prescritores – nos cadernos de encargos apresentados a concurso indicarem (recomendarem) que as caixilharias serão tipo “Panorama..” (sistema detido e comercializado pela X), acabando aqueles, no caso de vencerem os concursos, por lhe adjudicarem a subempreitada de fabrico e instalação das mesmas.
Além disso, a X tem uma rede de distribuidores em vários países que promovem a venda dos seus produtos.
Como já referido, o 1º réu (J. M.) era sócio da T.
à data dos referidos negócios (acordo parassocial e transmissão de acções) e presidente do seu CA (doCS. 5 a 7).
Renunciara ao cargo de administrador da X e da K aquando do negócio de 31-05-2013 (venda das participações da T. nestas).
Em 28-01-2014, o 1º réu registou a aquisição de participações representativas de 50% do capital social da 2ª ré W e, a partir de 1-10-2014, passou a ser seu gerente único (doc. 8).
Esta ré tinha, tal como a 2ª autora, como objecto social, a concepção, fabrico e montagem de todo o tipo de construção em alumínio e vidro, serralharias de aço e outros trabalhos de metalomecânica (doc. 7). Passou a produzir artigos, nomeadamente caixilharias, semelhantes (concorrentes) aos fabricados por aquela X, mas a preço inferior, para tal utilizando os mesmos canais de distribuição da mesma, valendo-se dos respectivos conhecimentos (daqueles e das respectivas clientela e tecnologia) e actuando nos mesmos mercados.
Assim, prejudicou a 2ª autora, tanto mais que não incorreu nos custos de concepção e desenvolvimento dos produtos, nem da tecnologia necessária para o seu fabrico nem nos inerentes ao desbravamento dos mercados.
Em consequência, a 2ª autora perdeu obras a favor da 2ª ré, no valor total de 684.244,55, obras estas que estavam adjudicadas ou em fase final de o serem e em cujos cadernos de encargos aprovados pelos donos constava que as caixilharias seriam “Panorama..” e para cuja elaboração aquela havia sido previamente contactadas pelos prescritores e fornecido os respectivos orçamentos mas nas quais, apesar de adjudicadas a estes, foram utilizadas caixilharias produzidas pela 2ª ré e comercializadas pela marca “Otima..” registada a favor do 1º réu (doc. 9).
Tal se deveu à actuação deste (e gerente daquela), pois, além de ter sido administrador da 2ª autora, fora também um dos seus principais “comerciais”, conhecendo pessoalmente e desde há muito os prescritores, daí se deduzindo, pelas regras da experiência, que os terá contactado e levado no “último minuto” a optar pela caixilharia Otima.. da W em vez da Panorama.. da X.
Além disso, vários distribuidores dos produtos da 2ª autora deixaram, a partir de 2015, de comprar e comercializar os produtos desta e passaram a publicitar e a adquirir os equivalentes da 2ª ré, sendo o caso mais ilustrativo da concorrência desleal promovida pelo 1º réu através da 2ª ré o de uma empresa francesa que estava vinculada à X por um contrato de distribuição exclusiva dos produtos desta mas cujo sócio, juntamente com o 1º réu, em 23-06-2014, constituíram uma nova sociedade para contornar a obrigação de exclusividade daquela e comercializar naquele país os produtos da 2ª ré.
Tendo sido, em 2014, de 1.349.237,21€ o volume total das vendas realizadas pela X através dos aludidos distribuidores; não havendo razões, que não o surgimento da W, que possam levar a supor ser diverso o valor de tais vendas em 2015 e até 31-05-2016; e tendo em conta a margem EBITDA da 2ª autora registada em 2015, apura-se que, em 17 meses (de 01-01-2015 a 31-05-2016), deixou de lucrar 257.716,89€, valor este que somado ao de 92.256,77€ obtido pela aplicação do mesmo factor ao valor das obras perdidas, resulta em 349.973,66€ (devendo a indemnização ser equitativamente fixada em 400.000,00€).
Podendo parecer, à primeira vista e em face da letra da cláusula que prevê o pacto de não concorrência, que esta obrigação apenas abrangeria as sociedades participadas pela T. e não a 2ª ré que o não é, o certo é que tal entendimento não pode ser aceite porque representaria violação da boa-fé e fraude à lei (à cláusula contratual). Tal obriga a desconsiderar a personalidade jurídica (em cuja ficção as sociedades se baseiam) e a admitir que a garantia beneficia os verdadeiros compradores (as pessoas físicas sócias da X) [2] e vincula os verdadeiros vendedores (os sócios da T.).
O 1º réu tentou contornar o pacto, pois se a 2ª ré W fosse por ele participada através da T. a sua actividade estaria abrangida pelo mesmo, o que (só) aparentemente não sucede porque ele próprio é que participa naquela. Com a sua actuação não pode o tribunal pactuar.
Além disso, a obrigação implícita de não concorrência da T. enquanto trespassante (qualidade a que se equipara a venda de participações sociais) abrange também os seus sócios e a sua violação é sancionada nos termos do regime do incumprimento das obrigações (artºs 817º e 801º, nº 2, CC).
Juntaram documentos e um Parecer jurídico.
Citados, ambos os réus, após prorrogação do prazo, contestaram conjuntamente.
Em resumo, impugnando, quiçá especificamente, a maior parte da factualidade alegada, acrescentaram que inexiste obrigação e que, pelo contrário, a acção é apenas uma estratégia que visa destruir a 2ª ré e eliminá-la do mercado como concorrente na área.
Esta, afinal, foi criada pela 2ª autora X, em Janeiro de 2013 (tendo sido inicialmente sua consócia e o 1º réu um dos seus administradores, aliás indigitado por ela) e quando a T.
vendeu à Y as acções da X (negócio de 31-05-2013) este lá continuou nem tal cargo. Só em Dezembro de 2013 a X saíu do capital da 2ª ré W, embora esta tivesse continuado como subempreiteira de obras daquela até Junho de 2014.
A ideia da T. e da Y nunca foi alienar/adquirir o capital da X e da K mas tão só associarem sinergias (no domínio do vidro, através da VidroM..., detida pela Y; no domínio da serralharia, através da X, detida pela T.). Daí o acordo parassocial de 29-03-2011.
Como, porém, a X começou a ter com os fornecedores integrados na Y os mesmos problemas (atrasos e falta de qualidade) quanto aos fornecimentos...
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