Acórdão nº 1942/19.5T8GMR-F.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:*I. RELATÓRIO No processo principal apenso, por sentença proferida a 27.05.2019, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de Y – Estamparia e Acabamentos Têxteis, Lda.

, tendo sido nomeado administrador da insolvência J. F.

(cfr. ref.ª citius 163650918).

Na sequência da assembleia de credores realizada a 18.07.2019, foi proferido despacho a determinar o encerramento do estabelecimento da devedora, prosseguindo os autos para liquidação do ativo (cfr. fls. 4 v e 5).

A credora X – Combustíveis e Lubrificantes, S.A.

apresentou reclamação de créditos sobre a sociedade devedora, no montante global de € 898.000,00, no qual inclui um crédito de € 798.000,00, garantido por hipoteca sobre bem imóvel; e um crédito de € 100.000,00, garantido por penhor sobre bem móvel identificado como “Estampadora rotativa ...

” (cfr. fls. 6 a 21).

Por requerimento de 19.07.2019, a devedora insolvente veio confirmar a existência de penhor constituído a favor da X sobre o identificado bem móvel – Estamparia ...

–, para garantia de uma dívida (confessada) da sociedade devedora para com aquela, confirmando ainda a existência da mesma máquina, a qual se encontrava disponível para ser apreendida pelo AI (cfr. fls. 52 e 53).

Tendo tido conhecimento, por e-mail de 03.02.2020, que o administrador da insolvência havia adjudicado à firma “W, Lda.” a dita “Estamparia ...

” pelo preço de € 9.025,00, veio a credora, em 13.02.2020, apresentar requerimento de acordo com o qual alega, em suma, que a credora requerente não foi ouvida previamente à mencionada venda de tal bem móvel garantido, nos termos do disposto nos arts. 164º, n.º 2, do CIRE, e art. 812º, do C. P. Civil, ex vi do art. 17º, do CIRE, designadamente quanto à modalidade da venda, bem como acerca do valor base da venda, pelo que, em virtude da preterição de tais formalidades legais, cometeu o AI uma nulidade, devendo consequentemente, nos termos do disposto no art. 195º, n.º 2, do C. P. Civil, ser ordenada a anulação dos termos subsequentes ao momento em que a mesma se verificou (cfr. fls. 40 a 51).

Por requerimento de 07.05.2020, o administrador da insolvência veio defender que, por via do disposto no art. 669º, n.º 1, do C. Civil, o penhor só produz os seus efeitos pela entrega (ao credor) da coisa empenhada ou de documento que confira a este a exclusiva disponibilidade da coisa. Nesta medida, em face do não preenchimento in casu dos mencionados pressupostos legais, deverá improceder o requerido pela credora X (cfr. ref.ª citius 10040911).

A credora X respondeu, por requerimento de 08.06.2020, dando conta, nomeadamente, que o penhor em causa trata-se de um penhor mercantil (visou a garantia de um crédito comercial da beneficiária), pelo que o mesmo obedece ao regime emergente dos arts. 397º a 402º, do C. Comercial, e só subsidiariamente é que lhe é aplicável as normas gerais da lei civil. Assim, como o referido penhor mercantil diz respeito a um bem móvel, para efeitos de validade do negócio, a lei comercial consagrou expressamente a relevância da entrega simbólica (art. 398º, do C. Comercial), pelo que o mesmo negócio deverá considerar-se validamente constituído independentemente da entrega material da coisa empenhada ao credor pignoratício.

Conclui, assim, que o contrato de penhor outorgado entre a sociedade insolvente e a X produz validamente os seus efeitos, pelo que credora X trata-se de uma credora com garantia real sobre o identificado bem móvel (cfr. ref.ª citius 10131524).

Na sequência, foi proferido a 13.06.2020 o seguinte despacho (que aqui se transcreve na íntegra, inclusive a parte final, seguinte a aposição da data): “Sobre o ora requerido pela credora X, SA.: Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 30/01/2017, processo n.º 530/16.2T8AVR-F.P1 (Manuel Fernandes), in www.dgsi.pt, aí se citando Acórdão da mesma Relação, datado de 29/05/2014: “Feito este percurso pelas normas legais atinentes podemos assim concluir que fora dos casos em que o administrador está condicionado pelas deliberações dos credores e dependente do consentimento destes, onde se não inclui a escolha da modalidade da venda e dos procedimentos a adoptar para a sua concretização, o administrador tem competências próprias para proceder, de acordo com o seu critério, a todos os actos de venda dos bens da massa insolvente, podendo para o efeito, realizá-los conforme bem entender, designadamente no tocante às modalidades e formalidades a adoptar para concretizar a venda”.

Ou seja, a preterição das formalidades invocada pelo mencionado credor não é, por si só, fundamento da declaração de ineficácia do acto de alienação dos bens nem de nulidade da dita venda, só podendo vir a ser declarada a ineficácia do acto relativamente à massa falida, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CIRE se, em acção declarativa, a instaurar, nomeadamente pelo Apelante, for reconhecido que a violação do disposto nos art.º 161º e 162º do CIRE conduziu a um manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas pelo Sr. Administrador da Insolvência e as do adquirente do bem.

Idêntica posição vem sustentada pelo Professor Menezes Leitão em Direito da Insolvência, Almedina, p. 251.

Assim sendo, indefere-se a pretendida nulidade da venda em causa.

Custas do incidente pelo credor requerente com taxa de justiça pelo mínimo legal.

Notifique.

*Guimarães, d.s.

Veja-se, aliás, que, até para a hipótese de o administrador não aceitar a proposta do credor garantido e proceder à venda por valor mais baixo, tal não consubstancia nulidade que afete a validade e eficácia da alienação, pois que, segundo resulta do regime do nº3 do artigo 164º, neste caso, o administrador fica apenas “obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação” ao preço por ele oferecido.

” Inconformada com o assim decidido, veio a credora X – Combustíveis e Lubrificantes, S.A.

interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES I. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 164.º do CIRE, o Administrador da Insolvência deve informar o credor com garantia real sobre o bem a alienar acerca da modalidade da alienação e do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada.

  1. Pretende-se, com esta obrigação de notificação, proteger e assegurar o crédito garantido, já que, nos termos do n.º 3 da referida disposição legal, poderá o credor com garantia real propor a aquisição do bem, por si ou por terceiro.

  2. Sucede que, na venda da estampadora rotativa – bem sobre o qual incidia o penhor mercantil a favor da Recorrente – o Senhor Administrador não cumpriu o disposto naquele preceito, porquanto não deu conhecimento à credora garantida da modalidade da venda e do valor fixado, IV. Facto que, aliás, o próprio Senhor Administrador não nega, justificando-se com a alegação de que a X – Combustíveis e Lubrificantes, S.A. – ora Recorrente – não foi reconhecida como credora com garantia real.

  3. Contudo, aquando da dedução da reclamação de créditos, a Recorrente juntou o documento de constituição do penhor, sendo que foi na sequência das diligências requeridas pela Recorrente que conseguiu o Senhor Administrador proceder à apreensão do bem sobre o qual incidia a garantia, pelo que não podia este ignorar que deveria ter alterado a relação dos créditos reconhecidos, assim reconhecendo o crédito de 100.000,00€ (qualificado como crédito comum) a favor da ora Recorrente como crédito com garantia real.

  4. Tendo sido requerida a nulidade da venda pela ora Recorrente, com base nos fundamentos expostos, o ilustre Juiz a quo proferiu despacho a indeferir o requerido, porquanto, no seu entendimento, «só [podia] vir a ser declarada a ineficácia do acto relativamente à massa falida, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CIRE se, em acção declarativa, a instaurar, nomeadamente pelo Apelante, for reconhecido que a violação do disposto nos art.º 161º e 162º...

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