Acórdão nº 1394/17.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução15 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO C. M.

instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra J. F.

e mulher M. F.

, pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe: a) a quantia global de € 120.717,33, sendo € 93.038,35 a título de danos patrimoniais e € 27.678,98 a título de danos não patrimoniais, por via do invocado acidente, acrescida dos juros de mora legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento, além de custas e condigna procuradoria; b) a quantia relativa a despesas a efectuar pelo A. com tratamentos médico-cirúrgicos e eventuais intervenções cirúrgicas a que tenha de se submeter e que se venham a liquidar em execução de sentença.

Para tanto alega, em síntese, que no dia 22/07/2014, por volta 22 horas, o A. sofreu um acidente pessoal, no qual interveio o canídeo, que o A. julga ser da raça rottweiler, propriedade dos Réus.

Momentos antes do acidente, o A. verificou que o canídeo dos RR. se encontrava no telhado do anexo da sua residência, e no intuito de verificar como o canídeo teria acedido ao telhado do anexo e de forma a afugentá-lo, o A. subiu ao referido telhado e começou a emitir sons para afugentar o animal.

O cão afastou-se do telhado, por breves instantes, tendo o A., nessa mesma altura, solicitado ao seu filho, que se encontrava no local, para se deslocar à residência dos RR. para informá-los da situação e para que estes tomassem as devidas providências para prender o canídeo.

No momento em que o A. se encontrava no telhado do anexo da sua residência, o cão surgiu súbita e repentinamente por entre os arbustos, subindo novamente ao telhado, ladrando de forma extremamente agressiva e ferozmente atirou-se ao A., com o intuito de o morder.

Para evitar ser mordido pelo cão, o A. saltou do telhado para o solo, tendo caído de forma desamparada e com a queda fracturou o pé direito.

Mais alega que o telhado do anexo da sua residência encontra-se a cerca de 3 metros de altura do solo, enquanto do lado da residência dos RR. encontra-se a 1 metro de altura.

A GNR de Guimarães tomou conta da ocorrência, e após recolhido o depoimento do A., deslocou-se à residência dos RR., tendo o R. marido afirmado não se ter apercebido da situação em causa e admitido que era frequente o seu cão saltar a vedação da sua residência e permanecer no telhado do anexo da residência do Autor.

Os RR., enquanto proprietários do canídeo, não o vigiaram por forma a evitarem que o mesmo se deslocasse para a propriedade do A. e aí o atacasse. Se os RR. tivessem o cão preso, certamente que este acidente não teria sucedido, sendo os únicos responsáveis pelo sucedido ao Autor.

Refere, ainda, que em consequência de tal acontecimento provocado por cão pertencente aos RR., sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que descrimina na petição inicial e cujo ressarcimento peticiona naquele articulado.

Os RR. contestaram, impugnando a quase totalidade da matéria de facto alegada pelo Autor.

Deduziram o incidente de intervenção principal provocada da X – Companhia de Seguros, S.A., alegando para o efeito que dispunham, à data do alegado acontecimento, de seguro de responsabilidade civil por danos causados no edifício e recheio, abrangendo a responsabilidade civil familiar, na qual se incluem os danos provocados por animais domésticos de que sejam proprietários ou detentores temporários.

Concluem, pugnando pela improcedência da acção e pedindo a condenação do A. como litigante de má-fé, em multa e em indemnização condigna a favor dos RR., por ter deduzido pretensão sabendo-a infundada e suportada em factos falsos.

O Autor apresentou resposta, na qual impugnou a matéria de facto alegada e os documentos juntos pelos RR. e deduziu requerimento probatório complementar.

Por despacho proferido em 5/12/2017 (refª. 155878844), foi admitida a intervenção principal provocada da X – Companhia de Seguros, S.A.

A Chamada X – Companhia de Seguros, S.A. apresentou contestação, defendendo-se por excepção, alegando que: - carece de legitimidade para ser demandada na presente acção, porquanto o contrato de seguro que celebrou com os RR. não prevê a possibilidade de o lesado demandar directamente o segurador e a Chamada não desenvolveu negociações com o Autor; - o contrato de seguro celebrado prevê, nas suas Condições Particulares, uma franquia de € 145,00 por sinistro.

Defendeu-se, também, por impugnação, negando que os RR. sejam proprietários de qualquer canídeo e muito menos um de raça rottweiler ou parecida, pelo que a responsabilidade do sinistro dos autos não se encontra transferida para a ora Chamada, alegando desconhecer os demais factos que servem de fundamento ao pedido.

Referiu, ainda, que o alegado sinistro ficou a dever-se a culpa exclusiva do A., de acordo com a própria versão, dado que um bom pai de família, colocado nas circunstâncias do caso concreto, teria adoptado um outro comportamento e jamais teria subido a um telhado para afugentar um cão de raça perigosa, nem teria depois saltado para o chão.

Termina, pugnando pela procedência da excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva, absolvendo-se a Chamada da instância; ou caso assim não se entenda, a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Veio o Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, I.P. deduzir pedido de reembolso, no valor de € 29.392,46, a título de subsídio de doença pago ao Autor no período de 21/07/2014 a 1/12/2016.

Os RR.

J. F.

e mulher M. F.

impugnaram o pedido de reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social, dando por reproduzido o alegado na sua contestação e pugnando pela sua absolvição daquele pedido.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, foi julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva da Interveniente X, definiu-se o objecto do litígio, fixaram-se os factos assentes e enunciaram-se os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença nos seguintes termos: Em face do exposto: A. Julgo improcedente os pedidos formulados pelo Autor e pelo Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, I.P., dos quais absolvo os Réus e a Interveniente.

B. Julgo improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelos Réus, do mesmo absolvendo o Autor.

Inconformado com tal decisão, o Autor dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: I. O Recorrente intentou os presentes autos requerendo a condenação dos Recorridos no pagamento áquele da quantia global de 120.717,33€, sendo a quantia de 93.038,35 euros peticionada a titulo de danos patrimoniais e a quantia de 27.678,98 euros a titulo de danos não patrimoniais por via do alegado acidente, acrescida de juros de mora, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento e bem assim a condenação dos Recorridos a pagar ao Recorrente a quantia relativa a despesas a efectuar por este com tratamentos médico-cirúrgicos e eventuais intervenções cirúrgicas a que tenha de se submeter e que se venham a liquidar em execução de sentença.

  1. O Tribunal a quo decidiu no sentido de julgar totalmente improcedente a acção intentada pelos Recorrente, por, em suma, ter entendido que no caso concreto, não se terá verificado o nexo de causalidade entre o facto e o dano, imputando as lesões sofridas pelo Recorrente por via da ocorrência do sinistro, não á acção do canídeo, propriedade dos Recorridos, mas a uma acção imponderada do próprio Recorrente.

  2. Não obstante o elevado respeito, consideração e estima pessoal, que temos pelo Digno Magistrado que subscreveu a douta sentença recorrida, com a mesma não podemos concordar, por entendermos que, salvo o devido respeito, nela se fez uma incorrecta apreciação da prova e uma incorrecta aplicação do direito.

    IV.

    O cerne do presente recurso será, desta forma, apurar o real motivo pelo qual o Recorrente foi forçado a saltar do seu anexo para o solo: - Se para evitar ser mordido pelo cão que surgiu no local, súbita e repentinamente, ladrando ferozmente em sua direcção OU se o mesmo decidiu atirar-se, para ir em auxilio do seu filho porque o terá ouvido a gritar devido a estar na eminencia de ser atacado por um cão (tal como entendido, salvo o devido respeito por opinião diversa, erradamente, pelo Tribunal a quo)? V.

    Venerandos Desembargadores, da prova carreada nos autos pelo Recorrente parece-nos que não poderá haver dúvidas de que a veracidade dos factos é a exarada na petição inicial, contudo tal não foi o entendimento do Tribunal a quo, por isso, o presente recurso, para que Vossas Excelências do alto da vossa sapiência, reponham a Justiça!!! VI. O Tribunal a quo deu, erradamente, como provado no ponto 4 da matéria de facto dada como provada que: “4. Quando se encontrava nas imediações da casa dos Réus, o referido cão virou-se e perseguiu o filho do Autor (artigo 16º da contestação).

  3. Atenta a prova carreada para os autos, o Tribunal a quo deveria ter dado tal facto como não provado.

  4. Resulta, e bem dos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo que, “no dia 22.07.2014, momentos antes das 22:00 horas, o Autor verificou que um cão pertencente aos Réus se encontrava no telhado do anexo da sua residência e no intuito de verificar como o cão teria acedido ao telhado do anexo e de forma a afugentá-lo, o Autor subiu ao referido telhado com uma escada e o cão afastou-se. Nessa altura, o Autor solicitou ao seu filho, que se encontrava na habitação, que se deslocasse à residência dos Réus para informá-los da situação e para que estes tomassem providências para prender o cão.” IX. Acatando as ordens do Recorrente, o seu filho deslocou-se então à residência dos Recorridos para informá-los da situação e para que...

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