Acórdão nº 887/19.3JAPDL.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANABELA CARDOSO
Data da Resolução20 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. No Processo Comum, com julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 887/19.3JAPDL, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal Cível de Ponta Delgada, Juiz 1, sob acusação do Digno Magistrado do Ministério Público, foram julgados os arguidos, S. e L. , e, por acórdão proferido em 22 de Abril de 2020, foi decidido o seguinte: “Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo: 1. Condenar S. pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203°, n°1 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão.

2. Condenar S. pela prática de um crime de incêndio, previsto e punido pelo artigo 272°, n°1, alínea a) do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

  1. Efetuado o cúmulo jurídico, condenar S. na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova (artigos 53° e 54° do Código Penal).

  2. Condenar L. pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203°, n°1 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão.

  3. Condenar L. pela prática de um crime de incêndio, previsto e punido pelo artigo 272°, n°1, alínea a) do Código Penal, na pena de 5 anos e 10 meses de prisão.

  4. Efetuado o cúmulo jurídico, condenar L. na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.

  5. Determinar a recolha de amostra de ADN aos arguidos e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei n° 5/2008, de 12 de fevereiro.

  6. Condenar os arguidos no pagamento das custas processuais, as quais se fixam em 2 4 UCS (artigos 513° e 514° do Código de Processo Penal e 8°, n°5 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III Anexa] e honorários nos termos legais.

    O arguido L. continuará sujeito à medida de coação de prisão preventiva, remetendo-se para os fundamentos de facto e de direito do despacho proferido em sede de audiência de julgamento.

    Agende a data de revisão da medida de coação [artigo 213°, n°1, alínea a) do Código de Processo Penal].” * 2. Não se conformando com esta decisão, da mesma recorreram ambos os arguidos, tendo o recurso sido admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

    As conclusões da motivação de recurso são as seguintes: “1- Resulta da transcrição integral da fundamentação da matéria de facto proferida, efectuada no corpo destas alegações, pelo Tribunal a quo, que os factos dados por provados, quanto à hipotética prática e autoria dos crimes imputados aos arguidos, foram-no com base em prova indiciária ou indirecta.

    2- Não questionando a legalidade da utilização da prova indirecta na fixação de matéria de facto, importa realçar, contudo, de acordo com a melhor Jurisprudência e doutrina supra citada, que o uso da prova indirecta determina especiais exigências de fundamentação, não podendo baixar-se o parâmetro da exigência de prova, nos crimes “difíceis de provar”.

    3- Quanto ao recurso e análise da prova indirecta, escreveu o Tribunal a quo o seguinte: Ora, os indícios que o Tribunal utilizou para concluir pela prova que foram os arguidos a praticar a atividade ilícita em causa foram os seguintes: pouco tempo após o incêndio deflagrar, por intervenção humana (conforme já referido), os arguidos foram encontrados em freguesia vizinha com objetos retirados do interior de tal habitação e, assim que viram o ofendido, que conheciam desde a infância, encetaram uma fuga, não podendo o Tribunal também ignorar que o arguido L. já foi condenado pela prática do mesmo tipo de crime de incêndio, reunido as características de personalidade para ter cometido igualmente o que está em causa nos autos.

    4- Ora como da evidência se vê, confrontando tal análise com as regras (apertadas) da utilização da prova indirecta, verifica-se estarmos perante impressões do Tribunal a quo, e não de verdadeiros indícios, uma vez que os elementos indicados são manifestamente insuficientes para “determinar uma conexão causal que confira consistente concordância entre a factualidade demonstrada por via da prova directa e os factos indirectamente provados”, não permitindo, por isso, tais elementos dos autos confirmar que os arguidos foram os autores das condutas, com o grau de certeza que se exige para dar como provados os factos tão precisos e circunstanciados como o Tribunal a quo fez, designadamente quanto ao efectivo cometimento dos factos pelos arguidos, grau de participação e/ou autoria de cada um deles, modo de execução e elementos subjectivos do tipo.

    5- Do facto de “pouco tempo após o incêndio deflagrar os arguidos foram encontrados em freguesia vizinha”, é notório ser manifestamente insuficiente para concluir seja o que for, não só, porque desconhece-se a distância entre o local do incêndio e o local onde os arguidos foram encontrados na freguesia vizinha (podendo ser perto ou muito longe), como, também, o dito “pouco tempo” ser um dado relativo e impreciso, uma vez que nos factos provados consta que os arguidos, alegadamente, tinham estado na casa em causa perto da meia noite, e foram encontrados na freguesia vizinha pelas 3h30m, isto é, mais de 3 horas após, alegadamente, terem estado nessa casa, tudo nos termos do Acórdão recorrido.

    6- Seguramente, desse facto não se pode concluir pela autoria, grau de participação ou modo de execução, quer do crime de furto quer do crime de incêndio.

    7- Do facto de terem sido encontrados com objectos retirados do interior da habitação - embora não os identifique na motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo só pode estar a referir-se a uma garrafa de aguardente vínica e um pacote de vinho tinto de 5 litros, no valor de €.5.00, por não constar da matéria de facto provada qualquer outro objecto - não se pode extrair qualquer facto criminal de relevo, isto porque tendo a pequena habitação ficado destruída, e sendo dois objectos muito comuns, à venda em qualquer comércio, sem qualquer identificação especial que permita o reconhecimento concreto e de baixíssimo valor económico (€. 5,00), torna-se muito difícil, senão mesmo impossível, afirmar com o grau de certeza que se exige, que aqueles objectos - aguardente vínica e pacote de vinho tinto - tenham sido furtados da casa do ofendido ou de qualquer outra casa, sequer e, como tal, tenham os arguidos cometido o crime de furto de que vinham acusados e pelo qual foram condenados.

    8- Todavia, mesmo que se conseguisse dar como provado que tais objectos (aguardente vínica e pacote de vinho tinto) tivessem sido furtados (da casa do ofendido ou de qualquer outra) pelos arguidos, o que não se concede, a verdade é que “do facto do arguido haver sido encontrado na posse de objectos furtados não se pode inferir, com suficiente segurança, pelas regras da lógica e da experiência comum, que ele foi o autor do furto” - Ac. T.R.P., de 28/01/2009, relatado pela Exma. Desembargadora Isabel Pais Martins - e, menos ainda, dizemos nós, ser tal circunstância suficiente para imputar a autoria de um crime de incêndio ocorrido no local desse alegado furto.

    9- Do facto de terem fugido quando viram o ofendido e o irmão, não se pode concluir, sem mais, que os arguidos tivessem cometido qualquer crime, uma vez que a abordagem ocorreu às 3h30m da manhã, de um fim-de-semana, desconhecendo-se, por nada constar na matéria de facto provada, o motivo e forma de abordagem que foi feita aos arguidos, pelo ofendido e seu irmão, desconhecendo-se se os arguidos naquelas circunstâncias os reconheceram ou não, se os arguidos estavam alcoolizados, ou não, de onde vinham ou para onde iam. Isto é, sendo muitas as hipóteses, não pode servir como indício, para se poder extrapolar que os arguidos cometeram qualquer crime, ou o grau de participação ou modo de execução, caso o tivessem cometido.

    10- Quanto ao facto de o arguido L. já ter antecedentes criminais pelo crime de incêndio, poder daqui retirar qualquer ilacção para efeito de apuramento de responsabilidade criminal em julgamento, como o Tribunal a quo parece ter feito, será não acreditar no sistema de justiça e por em causa toda a arquitectura do sistema penal, designadamente o princípio da presunção de inocência.

    11- Refira-se, por último, que o Tribunal a quo não apontou qualquer motivo (válido ou não), nem mesmo de forma indiciária, para que os arguidos tivessem alegadamente cometido tal crime de incêndio, depois de, alegadamente terem cometido o crime de furto. Este elemento em falta, ainda que indiciário seria relevante para determinar, entre outros, os elementos subjectivos do tipo. Não existindo tal indício, não poderia o Tribunal a quo concluir pelos elementos subjectivos do tipo, como fez.

    12- Assim, tendo o Tribunal a quo sido guiado por meras suposições e conjecturas, e não por verdadeiras presunções, deve a matéria dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 7 e 8 ser dada por não provada, tanto mais que das várias hipóteses possíveis, o Tribunal a quo optou pela mais prejudicial para os arguidos, violado assim o princípio do in dúbio pro reo.

    13- Por ser assim, e como consequência lógica e necessária, também os factos de índole subjetiva, nos pontos 9 e 10 da decisão recorrida, devem ser dados por não provados.

    14- O Tribunal a quo, ao decidir a matéria de facto, nos termos em que o fez, violou os princípios da presunção de inocência e in dúbio pro reo, e não fez um correcto uso de prova indirecta, com a especial exigência e especificações da fundamentação que tal uso obriga, incorrendo em erro notório na apreciação da prova, razão pela qual deve ser revogada a decisão recorrida.

    15- Sendo procedente a impugnação da matéria de facto, nos termos supra expostos, como cremos, forçoso se torna concluir pela absolvição dos recorrentes.

    16- De acordo com a matéria de facto que deu como provada, entendeu o Tribunal a quo condenar, cada um dos arguidos, num crime de incêndio p.p. pelo artigo 272°, n° 1, alínea a) do C. Penal, na pena de 5 anos e 10 meses de prisão, e na pena de 4 anos e 6...

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