Acórdão nº 2430/16.7T8LRS.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 24.02.2016 Augusto instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra Seguros S.A., atualmente, na sequência de fusão por incorporação, Seguradora, S.A.

O A. alegou, em síntese, que em 08.10.2014 foi interveniente num acidente de viação, ocorrido na autoestrada n.º 9, ao km 20,400, sentido sul-norte, concelho de Loures. Na ocasião o A. conduzia um veículo ligeiro de mercadorias, a si pertencente, e à sua frente seguia um ligeiro de passageiros, seguro na R.. Subitamente a condutora do ligeiro de passageiros travou o seu veículo, com o fim de o imobilizar nas raias oblíquas M17 e M17A existentes junto à berma direita da faixa de rodagem em apreço. O A. acionou de imediato o travão de emergência e desviou o seu veículo para o lado esquerdo, mas não conseguiu evitar a colisão dos dois veículos. O seu veículo veio a ser reparado, à sua custa, tendo a reparação orçado em € 4 536,03. O A. viu-se privado da utilização da viatura, que usava na sua atividade profissional de comércio de bidões, tendo sofrido prejuízos e transtornos que contabiliza em € 20,00 por dia, desde a data do sinistro até à data em que lhe foi entregue o veículo reparado (21.01.2015). A R. declinou a sua responsabilidade pelo acidente em causa.

O A. terminou pedindo que a ação fosse julgada procedente por provada e, consequentemente:

  1. Que a condutora do veículo seguro pela R. fosse considerada a única e exclusiva responsável pelo acidente de viação; B) Que a R. fosse condenada no pagamento de € 4 536,03, a título de reparação dos danos provocados no veículo de matrícula (…)VR, propriedade do A.; C) Que a R. fosse condenada no pagamento de € 2 100,00, a título de indemnização pela privação do uso do veículo (…)VR; D) Que a R. fosse condenada no pagamento de juros vencidos e vincendos desde a data da sua citação até ao integral pagamento da indemnização.

A R. contestou, imputando ao A. a responsabilidade do acidente, na medida em que a condutora do veículo seguro na R. havia necessitado de parar porque uma passageira que a acompanhava fora acometida de fortes cólicas e dores de cabeça e antes de imobilizar a sua viatura na berma a dita condutora fizera pisca e abrandara a velocidade. O embate deveu-se exclusivamente ao facto de o A. circular a mais de 100 km/hora, num local em que a velocidade máxima era de 80 km/hora, sendo certo que dispunha de espaço suficiente para passar pela esquerda do veículo seguro na R., sem lhe embater. Mais esclareceu que o acidente não ocorreu na A9 mas na via lateral que, saindo da A9, dá acesso a Loures e à A8. A R. impugnou os danos invocados pelo A., nomeadamente a privação de uso, afirmando que em 21.11.2014 o A. havia adquirido um veículo que substituíra o sinistrado.

A R. concluiu pela sua absolvição do pedido.

Atendendo ao valor da causa (€ 6 636,03) foi dispensada a audiência prévia, proferiu-se saneador tabelar e entendeu-se ser desnecessária a fixação do objeto do processo e a enunciação dos temas da prova.

Realizou-se audiência final e em 10.12.2019 foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo: “Atento o exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência: a) condeno a R. no pagamento ao A. de € 2.268,02 (dois mil, duzentos e sessenta e oito euros e dois cêntimos), a título de reparação de 50% dos danos provocados no veículo de matrícula (…)VR; b) condeno a R. no pagamento ao A. de € 10 (dez euros) diários, relativos ao período entre 08/10/2014 e 21/01/2015, a título de 50% da indemnização pela privação do uso do veículo (…)VR; c) condeno a R. no pagamento ao A. de juros vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento.

No demais peticionado, absolvo a R. do pedido.

Custas por ambas as partes, na proporção de 50%.

” A R.

apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da aliás, douta sentença proferida pela Mma. Juiz “a quo”, que julgou a acção proposta parcialmente procedente, e que condenou a Ré Companhia de Seguros, S.A. no pagamento ao A. Augusto Fernandes Machado, do valor de 2.268,02 Euros a título de reparação de 50% dos danos provocados no veículo de matrícula (…)VR; e de 10 Euros diários relativos ao período entre 08/10/2014 e 21/01/2015, a título de 50% da indemnização pela privação do uso do veículo (…)VR, e a que acresce os juros de mora vencidos e vincendos desde 04 de janeiro de 2017 (data da citação) até efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado.

  1. Entende a Ré /Recorrente que deve ser reapreciada a resposta à matéria de facto, dando-se como provado a seguinte factualidade: a. Que o Autor avistou o veículo VR parado na via quando este se encontrava a cerca de 40 a 50 metros do veículo “VV” por si conduzido.

    1. Que nesse momento, o Autor circulava a uma velocidade entre os 60 e os 70 km/hora (resposta restritiva ao ponto 3. Para prova desta matéria, devem ser analisadas as declarações de parte do Autor (depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 10/12/2018, gravado em sistema áudio, minutos 11:14:19 a 11:26:49) 4. Ao minuto 11:00 do seu depoimento, o Autor declarou que o veículo “VV” circulava a cerca de 40 a 50 metros do seu ; Ao minuto 17:25 do seu depoimento, o Autor declarou que a velocidade do seu veículo no momento anterior ao acidente era de 60 a 70 km/hora.

  2. Estes factos, articulados com os demais factos acerca da dinâmica do acidente (pontos 1 a 16 dos factos provados) permitirão concluir a esse Tribunal, como é convicção da Ré, que o Autor tinha todas as condições para evitar o acidente; e que foi a sua manobra incauta, em velocidade excessiva - nomeadamente para as condições da via - e a sua imperícia que os factores determinantes para a ocorrência do acidente.

  3. O acidente ocorreu por culpa exclusiva do Autor.

  4. Sendo o local uma recta com boa visibilidade, não se compreende como o Autor não conseguiu avistar, com tempo, a existência de um carro parado, de modo a, com tempo, travar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar o acidente.

  5. A afirmação do Autor, nas declarações de parte que apenas viu o veículo “VV” a cerca de 40 / 50 metros à frente – não se coaduna, contudo, com a visibilidade real existente no local, conforme doc. 1 a 8 junto com o requerimento junto a fls. Em 08/09/2017.

  6. Das fotografias juntas aos autos, constata-se que a recta é de muito boa visibilidade, existindo assim condições para o Autor ver a posição do veículo “VV” a uma distância muito maior que os 40 metros que refere.

  7. Caso o Autor tivesse avistado o veículo “VV” a uma distância , como podia e devia, então teria as condições para em tempo, diminuir a velocidade e travar no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar o acidente.

  8. O Autor, ao circular a uma velocidade de 60 / 70 km/hora, com a carrinha com carga de cerca de 800 kg, , com o piso molhado, ao avistar o veículo “VV” apenas a uma distância de 40 a 50 metros, e travando, deixando no local um rasto de travagem de 24 metros, colidindo contra o “VR”, quando tinha espaço suficiente para passar pela esquerda do VV sem lhe bater, demonstrou imperícia e excesso de velocidade.

  9. Foi a sua conduta – e não a do veículo “VV” que foi causal do acidente.

  10. Aliás, é o próprio Tribunal “a quo” que defende que foi a manobra incauta do Autor que provocou o acidente, conforme o trecho da sentença que se transcreve: Provou-se que o veículo VR é um ligeiro de mercadorias, com o peso constante dos factos provados, que estava piso molhado e consequentemente mais escorregadio, e que ao ter avistado o veículo VV parcialmente imobilizado na via, o condutor do VV trava a fundo, deixando um rasto de 24 metros, mas não desvia o veículo para a esquerda de modo a passar pelo obstáculo, sendo que tinha espaço livre para fazê-lo, evitando o embate e as suas consequências. Caso o condutor tivesse desviado o veículo à esquerda, o embate não teria sucedido.

    Admite-se que o piso molhado tivesse impedido ou dificultado o condutor de adotar a conduta adequada, desviando o veículo. Porém, precisamente porque estamos a falar de um veículo de transporte de mercadorias e em dia de piso molhado, o condutor deveria ter redobrado cautelas, mantendo uma velocidade adequada e o espaço de segurança necessário para, em face das condições do piso e das caraterísticas do veículo, conseguir desviá-lo e ultrapassar os obstáculos que se apresentem na via, conforme exigido pelo art. 24.º, n.º 1, do Código da Estrada.

    O facto ilícito, que consistiu em não manter a distância de segurança e velocidade adequadas ao estado do piso e caraterísticas do veículo, de modo a conseguir desviar-se, contornando os obstáculos na via, porque violador de norma do Código da Estrada, assume-se também como culposo, por praticado com negligência, ou seja, sem adoção do cuidado devido.

  11. Ao contrário do que foi o entendimento do Tribunal “a quo”, a posição do veículo VV não foi causal do acidente, uma vez que, além do mais, o “VR” dispunha de espaço suficiente para passar pela esquerda do “VV” sem lhe embater (ponto 10 dos factos provados).

  12. E o Tribunal sublinhou “O facto ilícito que consistiu em não manter a distância de segurança e velocidade adequadas ao estado do piso e as características do veículo, de modo a conseguir desviar-se, contornando os obstáculos na via, porque violador de norma do Código da Estrada, assume-se também como culposo, por praticado com negligência, ou seja, sem adopção do cuidado devido”.

  13. Era ao Autor que se impunha o dever de cuidado de evitar o acidente – e tinha no caso condições objectivas para evitar esse acidente.

  14. Já quanto à condutora do “VV” não se lhe podem ser assacadas responsabilidades, porquanto imobilizou o veículo por um motivo justificado – a ocupante queixava-se de cólicas e dores de cabeça conforme ponto 8 dos factos provados, tendo...

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