Acórdão nº 2065/19.2T9VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelC
Data da Resolução12 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira Acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório 1.

No processo de instrução 2065/19.2T9VCT que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Viana do Castelo foi proferido despacho ao abrigo do disposto no artigo 308º do C.P.P., nos termos do qual foi decidido julgar inadmissível o procedimento criminal em curso, com fundamento em caso julgado (proibição do principio “in bis in idem”) e, em consequência, não pronunciar a arguida R. A..

  1. Não se conformando com tal decisão veio o Ministério Público recorrer da mesma, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: «1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho do Mmo. Juiz de Instrução que julgou legalmente inadmissível o procedimento criminal em curso, com o fundamento em caso julgado.

  2. O presente recurso versa sobre dois prismas: saber se a Decisão Sumária do douto Tribunal da Relação de Guimarães com número 1299/17.9PBVCT.G1, decide da possibilidade do Ministério Público apresentar nova acusação, e, admitindo-se que não, se a apresentação de nova acusação, in casu, viola o princípio do ne bis in idem.

  3. Ora, salvo o devido e merecido respeito, a Decisão Sumária proferida no âmbito do processo 1299/17.9PBVCT.G1 não decidiu da possibilidade do Ministério Público apresentar nova acusação por tais factos, pois o objeto do recurso interposto no âmbito do referido processo, era, conforme decorre claramente do mesmo, a entrega física do processo, ou seja, a sua devolução/remessa aos Serviços do Ministério Público.

  4. Tal, aliás, assim entendeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães, que consignou, no parecer proferido que “Neste momento o objecto do recurso é a entrega física do processo” 5. A opinião aí manifestada que «e salvo melhor opinião” não «poderá vir a ser deduzida outra acusação pelos mesmos factos, sob pena de violação do princípio ne bis in idem”, foi precisamente uma opinião jurídica lateral ao objeto do recurso e não uma decisão.

  5. Sendo que nunca poderia ter sido decidido que a dedução de nova acusação viola o princípio ne bis in idem quando não havia sequer acusação, nem tal questão estava ainda em causa.

  6. O que importava em tal recurso, e conforme relatório da Decisão sumária, e atentando ao sublinhado da sua Veneranda descritora, era se “os autos continuam a estar na fase de inquérito, cuja Direcção lhe compete [ao Ministério Público], designadamente apresentando nova acusação [...] deveriam os mesmos ter-lhe sido devolvidos, sob pena de violação do princípio do acusatório.” 8. Fechando, preliminarmente tal decisão a porta da devolução dos autos, o mesmo não obsta a novo inquérito e nova acusação.

  7. Discorda-se, deste modo e frontalmente, da decisão do Meritíssimo Juiz de instrução na medida em que julgou legalmente inadmissível o procedimento criminal em curso, com fundamento em caso julgado (proibição do principio in bis in idem), uma vez que não existe caso julgado quanto à apresentação de nova acusação em inquérito distinto.

    1O.Tendo por base tal premissa, somos levados à segunda questão do recurso ou seja, se a apresentação de nova acusação, por factos ainda não apreciados, julgados, e acerca dos quais não foi produzida qualquer prova, viola o princípio ne bis in idem.

  8. E defendemos que não, desde logo porque o despacho proferido que rejeitou a acusação pública no processo com o n.° 1299/17.9PBVCT não conheceu do mérito da causa.

  9. Efectivamente, da primeira acusação pública deduzida pelo Ministério Público (Proc. n.° 1299/17.9PBVCT) não houve apreciação do mérito da causa penal, isto é, a verificação dos pressupostos da responsabilidade penal da arguida ali acusada.

  10. Não foi, em tais autos, aferida qualquer factualidade, prova ou correspondência dos factos a qualquer crime, inexistindo, pois, qualquer apreciação dos factos levados a julgamento.

  11. A decisão de rejeição da acusação ocorrida nos identificados autos foi uma decisão meramente formal, não fazendo, pois, caso julgado material, conceitos aplicáveis ao processo penal por remissão nos termos do artigo 4º CPP e 10º do CC, bem como ainda o acórdão do STJ de 06 de Setembro de 2016.

  12. Vejam-se, neste sentido, os ensinamentos de Alberto dos Reis e de Paulo Pinto de Albuquerque, respetivamente in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lda.,” Coimbra, 1984, p. 156 a 157 e Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pág. 827.

  13. Tal entendimento vai de encontro à jurisprudência firmada, nomeadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-04-2018 que determina que “nada obsta à reformulação da acusação, desde que o seu conteúdo material seja alterado com a inclusão dos factos pertinentes que conduziram à sua rejeição. Essa reformulação da acusação não constitui nem violação de caso julgado — formal ou material — nem violação do princípio ne bis in idem.” 17. E na mesma linha de pensamento, entre outros o Acordão do TRP n.° 485/17.6T9STS, de 07-02-2018: “É admissível a dedução de nova acusação num outro inquérito, onde já é alegada a condição objectiva de punibilidade que faltara naquela outra acusação rejeitada.” 18.E mais recentemente aflorado no Acórdão do TRP n.° 1573/16.1PIPRT, de 15-02-2019 “Apesar disso, a dedução de uma segunda acusação no mesmo processo em tudo igual à primeira, excepto quanto ao número de crimes da mesma natureza imputados, constituirá uma mera alteração não substancial de factos, devendo esta segunda acusação ser recebida e com base nela que deverão conformar-se os ulteriores termos do processo.” 19. Tal posição foi consonante com a manifestada pelo Tribunal Constitucional que decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação dos artigos 311°, n.°s 1, 2, alínea a), e 3, alínea d), e 283.°, todos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, tendo sido deduzida acusação contra um arguido, imputando-lhe a prática de um crime, e tendo esta acusação sido liminarmente rejeitada por insuficiente descrição de um elemento típico, poder vir a ser validamente deduzida nova acusação pela prática, nas mesmas circunstâncias de tempo...

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