Acórdão nº 233/19.6GBMFR.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução15 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Juízo de Instrução Criminal de Sintra, por despacho de 27/02/2020, decidiu-se pronunciar o Arg.

[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 13[3]), nos seguintes termos: “… I – Relatório BB, constitui-se como assistente nos presentes autos, pretendendo a pronúncia (fls. 32 e seguintes) do arguido AA, nascido a 07/01/1973, melhor identificado no TIR de fls. 12, Imputando-lhe a prática como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145º, nº 1, al. a) e nº 2, 132º, nºs 1 e 2, al. e), do Código Penal.

O Ministério Público havia proferido despacho de arquivamento.

Após realização de diligências instrutórias foi realizado o debate instrutório.

* Não existem nulidades ou outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer de ofício ou tenham sido suscitadas.

Cumpre analisar criticamente os indícios obtidos e decidir a instrução. Para tanto, destaca-se: II – Indícios Os elementos recolhidos foram: PROVA: - Declarações da assistente - Inquirição da testemunha CC, residente na Estrada da Carvoeira, lote 1, Apartamento 205, Gorcinhos, 2640-431 Mafra.

Documental: Informação clínica de fls. 50 e seguintes Fotografia de fls. 52 Informação fornecida pelos serviços do INEM a fls. 72 e seguintes III – Análise crítica 1. Dos indícios As declarações prestadas pela assistente apresentam-se coerentes na respectiva estrutura interna, assim como com a documentação clínica, informação do INEM e depoimento da testemunha CC.

Com efeito, assistente e arguido já eram conhecidos, por terem sido vizinhos que habitaram o mesmo condomínio, não existindo questões relativas à identificação do agente dos factos descritos pela assistente.

A informação fornecida pelos serviços do INEM é esclarecedora quanto à hora e número de telefone através do qual foi solicitado socorro, pelo que não subsistirão dúvidas quanto à hora do evento ou interveniente que viria a solicitar esse socorro (CC) já que foi exactamente a partir dessa informação que viria a ser identificada a testemunha em causa.

As marcas físicas clinicamente observadas no corpo da assistente, como já afirmado, apresentam-se coerentes com o respectivo discurso, não existindo razões para suspeitar que se teria automutilado ou adquirido as lesões em ocasião ou por consequência de acto de pessoa diversa daquela a quem atribui a responsabilidade.

Em face destes elementos os factos imputados pela assistente ao arguido estão suficientemente indiciados, justificando-se a submissão do feito a julgamento nos termos pretendidos e imputados no requerimento para abertura de instrução.

Considero suficientemente indiciados todos os factos imputados ao arguido no RAI.

  1. Do enquadramento jurídico De acordo com o disposto no artº 286º, do CPP, a instrução tem como finalidade específica a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

    A decisão de deduzir acusação deve ocorrer, conforme disposto no artº 283º, nº 1, do CPP, se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente.

    Analisados os indícios constantes do inquérito e recolhidos em sede de instrução impõe-se a pronúncia do arguido pela prática do crime de crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145º, nº 1, al. a) e nº 2, 132º, nºs 1 e 2, al. e), do Código Penal.

    IV – Decisão instrutória Pelo exposto, para julgamento em processo comum, perante tribunal singular, nos termos do disposto, no artº 307º, nº 1, do CPP, pronuncio o arguido, pelos factos constantes do requerimento para abertura de instrução, para onde remeto, pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145º, nº 1, al. a) e nº 2, 132º, nºs 1 e 2, al. e), do Código Penal.

    …”.

    * Não se conformando, o Arg.

    , interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 109/124, com as seguintes conclusões: “… 1. O Recorrente foi pronunciado pela prática de um crime de ofensa à integridade à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.0 e 146.0 do Código Penal, insurgindo-se, assim, contra tal despacho de pronúncia.

  2. Desde logo, o RAI deveria ter sido rejeitado, pois não obedece aos requisitos exigidos pelo nº. 3 alíneas b) e c) do artigo 283º, aplicável ex vi do artigo 287. n.º 2, in fine, ambos do CPP, facilmente se constatando que: a) Não contém a identificação do Arguido; b) É omisso quanto aos factos que integram o elemento subjectivo do crime imputado ao Arguido.

  3. Deste modo, a omissão, no requerimento do assistente, da identificação do arguido é motivo de rejeição da acusação (instrução) por inadmissibilidade legal (artigo 287° n.º 3), o mesmo se verificando com a falta de descrição dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor.

  4. Em conformidade, o Arguido nunca poderá ser alvo de qualquer condenação em fase de julgamento, pois a necessidade imperativa do Tribunal acrescentar os factos que corporizam o elemento subjectivo do crime entronca na alteração substancial dos factos constantes da pronúncia, a qual é inadmissível nos termos do artigo 359.º do CPP.

  5. Em suma, a falta dos requisitos legais do Requerimento de Abertura de Instrução deveria ter conduzido à rejeição da fase de instrução, e nunca poderia, consequentemente, ter conduzido a um despacho de pronúncia, que é nulo, sendo tal nulidade insanável e de conhecimento oficioso.

  6. A nulidade insanável do despacho de pronúncia decorre igualmente da flagrante violação do disposto no n.º 2 do artigo 308.º do CPP. conjugado com os n.º 2, 3 e 4 do artigo 283.º do CPP, já que não contém qualquer narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena.

  7. Por outro lado, o requerimento de abertura de instrução pressupõe que a assistente considere que, em face dos indícios recolhidos durante o inquérito, se podia e devia ter imputado a um arguido determinado a prática de factos que o responsabilizavam criminalmente.

  8. Não permitindo as diligências efectuadas durante o inquérito determinar a prática de um crime, e sendo possível realizar outras que propiciem esse apuramento, deverá o assistente arguir a nulidade do inquérito para que ele seja então completado. Não tendo a assistente actuado da forma indicada, não pode pretender transformar a instrução numa fase complementar de investigação.

  9. Sem equacionar, "híc et nunc", da pertinência e/ou relevância da eventual realização das diligências probatórias complementares, parece lícito intuir que a assistente entenderá que, desde logo em sede de inquérito, não terão sido produzidos todos os meios de prova necessários, tal como decorre do artigo 4.0 do RAI.

  10. Certo é, porém, que a eventual omissão de tais diligências configuraria tão só a nulidade a que se refere o artigo 120. n.º 2, alínea d), do CPP, nulidade essa que, antes e em vez de requerer a abertura da instrução, não invocou e que, não sendo de conhecimento oficioso, se encontra sanada por não ter sido atempadamente arguida (art. 120, n.º 3, alínea e), do CPP).

  11. Pelo que também por esta via, deveria ter sido rejeitada a instrução.

  12. Sem conceder, verifica-se igualmente a nulidade da instrução, por não terem sido realizadas todas· as diligências requeridas pela própria Assistente no Requerimento de Abertura de Instrução.

  13. No Requerimento de Abertura de Instrução, a Assistente "requer que o Arguido seja interrogado nesta sede, por forma a esclarecer a sua versão", devendo igualmente "ser confrontada a Assistente com a versão do Arguido." 14. Sucede que o douto Tribunal, sem qualquer justificação (limitando-se a encerrar o debate instrutório), não ouviu o Arguido, tal como tinha sido requerido no Requerimento de Abertura de Instrução, o que impediu o Arguido de esclarecer as dúvidas suscitadas.

  14. A inquirição do Arguido revelava-se, assim, essencial à descoberta da verdade, pelo que a ausência de tal diligência determina a insuficiência da instrução, que culminou num despacho de pronuncia materialmente injusto, o qual deverá ser revogado.

  15. Não deixa de ser igualmente curioso que o douto Tribunal, não só não determinou a inquirição do Arguido requerida pela Assistente, como decidiu, inversamente, proceder à inquirição da Assistente, sem que tal diligência tivesse sido requerida pela mesma.

  16. O que, salvo melhor opinião, representa uma violação do princípio da igualdade de armas, que fragiliza a posição, já de si frágil, do Arguido.

  17. Em acrescento, dir-se-á ainda que o Juiz de Instrução não poderá funcionar como uma entidade de "recurso", cuja função é a reapreciação da decisão de arquivamento proferida pelo Ministério Público.

  18. Explicitando, faz sentido que seja proferido um despacho de pronúncia, colocando em causa um despacho de arquivamento, quando, no decurso da instrução, sejam produzidas novas provas que permitem concluir pela existência de indícios da prática do crime, os quais eram desconhecidos aquando do despacho de arquivado.

  19. Diversamente, se não foi nenhuma prova adicional àquela que foi feita em sede de inquérito for produzida em sede de instrução, não pode o Juiz de Instrução sobrepor-se ao Ministério Público, revertendo a decisão tomada.

  20. Revertendo aos autos, a única prova adicional produzida corporizou-se no depoimento da Testemunha CC, que socorreu a Assistente, e que, conforme melhor se demonstrará infra, é totalmente inócua para determinar uma alteração da decisão anteriormente proferida pelo douto...

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