Acórdão nº 168/09.0GBTVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução06 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Olhão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, realizado o julgamento, na ausência do arguido, (...), foi este condenado, além do mais: - pela prática, em autoria material e na sua forma consumada, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do Código Penal (CP), com referência ao art. 202.º, alínea a), do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão suspensa na execução por igual período; - no pedido de indemnização civil deduzido pela demandante (…), a pagar a esta o montante de € 10.000,00, referente a danos patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos desde a notificação para contestar o pedido e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo as conclusões: 1ºOs factos imputados ao arguido ocorreram em 08-5-2009 e o arguido terá sido constituído como tal e prestado TIR em 24-5-2011.

  1. O arguido não foi notificado do encerramento do inquérito, embora a lei à data ordenasse a notificação do arguido por correio registado ou, na sua impossibilidade, através de editais, nos termos do art.º 113º e art.º 277º, nº 4, b), ambos do C.P.Penal.

  2. A notificação pessoal do arguido para se pronunciar sobre a requerida constituição de assistente também nunca ocorreu.

  3. Em 05-12-2012 foi ordenada, pelo Exmo. Sr. JIC, a nomeação de defensor oficioso ao arguido, tendo o arguido estado sem defensor, oficioso ou constituído, desde 18-4-2012 e até 11-12-2012, e impedido de exercer nos autos os seus direitos processuais e de defesa.

  4. Nesse mesmo despacho de 05-12-2012, o Exmo. Sr. JIC considerando imprescindível o interrogatório do arguido.

  5. Posteriormente, foi proferido novo despacho, contrariando o primeiro, com o seguinte teor: De imediato a Mmª Juiz proferiu o seguinte: DESPACHO Atendendo a que a carta simples com PD foi depositada na morada do TIR, o arguido encontra-se regularmente notificado.

    Não obstante se ter considerado importante a audição do arguido em sede de instrução, atendendo às várias diligências levadas a efeito ao longo da instrução, com vista à sua localização, a qual não se mostrou possível, havendo notícia de que se encontrará na Alemanha, tendo para a presente diligência sido solicitada a sua notificação pessoal ao OPC competente relativamente à área da residência constante do TIR, não tendo tal notificação pessoal sido levada a efeito, por o arguido ser desconhecido na morada, afigura-se que o adiamento do presente debate, com passagem de mandados de detenção para o arguido, com vista à sua audição noutra data, seria um ato inútil, atendendo à frustração das já referidas diligências levadas a cabo com vista à sua localização, nomeadamente para notificação pessoal para o presente debate.

    Assim sendo, dá-se início ao presente debate instrutório sem a presença do arguido. “7ºOra sem que o arguido tivesse prestado TIR, após a entrada em vigor da Lei nº 20/2013, de 20-12-, que alterou os arts.º 196º e 337º, ambos do C.P.Penal, nunca a fase de instrução, e posteriormente a fase de julgamento, poderiam decorrer sem que o arguido tivesse sido notificado ou prestado novo TIR.

  6. Estava o Tribunal de Instrução Criminal obrigado a declarar a contumácia do arguido.

  7. Ao não declarar a contumácia do arguido e ao permitir a realização da Instrução e do Julgamento, o Tribunal violou os artigos 196º, 335º e 337º, todos do C. P. Penal aplicáveis à data.

  8. Violação que configura uma nulidade insanável, nos termos do art.º 119, a), com os efeitos previstos no art.º 122º, ambos do C. P. Penal.

  9. Acresce que o arguido nunca foi notificado da data designada para a realização da audiência de julgamento.

  10. Mas, mesmo que se entenda que o TIR prestado em 2011 se manteve válido até 2015, também nunca o arguido foi pessoalmente notificado das datas de julgamento subsequentes, designadas para os dias 06-7-2015 e 13-7-2015.

  11. Omissão que configura outra nulidade insanável, nos termos do art.º 119º, a) do C. P. Penal.

  12. Tem sido este o sentido das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores.

  13. Veja-se, a título de exemplo, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 02-7-2019, de que foi relatora a Exma. Sr.ª Desembargadora Maria de Fátima Bernardes, que correu termos sob o nº1812/17.1PBBRR.E1, de que se cita o sumário: I - A realização da audiência de julgamento, na ausência do arguido, pressupõe sempre que este esteja regular e devidamente notificado para nela comparecer. Tal decorre, desde logo, do direito que o arguido tem de estar presente em todos os atos processuais que diretamente lhe disserem respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência.

    II - Na situação em que o julgamento tenha inicio na ausência do arguido, na data para que foi notificado, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 333º do CPP, caso seja(m) designada(s) nova(s) data(s) para a sua continuação, o arguido tem de ser notificado dessa(s) nova(s) data(s), sem o que, se impediria, na prática, a materialização, daqueles direitos.

    III – Não tendo o arguido sido convocado para as sessões da audiência em que foram produzidas alegações orais e se procedeu à leitura da sentença, foi cometida uma nulidade insanável.”16ºTambém o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 07-5-2019, de que foi relatora a Exma. Sr.ª Desembargadora Laura Maurício, proferido no processo nº 245/11.8PBSTR.E1, vai no mesmo sentido.

  14. Ao permitir o decurso do julgamento sem a presença do arguido e sem que este estivesse notificado para as datas de 06-7-2015 e de 13-7-2015, o Tribunal “a quo” violou o estatuído no art.º 32º da C. R. Portuguesa, impedindo o arguido de exercer o seu direito de defesa e de estar presente a um acto que lhe dizia directamente respeito.

  15. Violou ainda o art.º 61º do C. P. Penal, o que configura uma nulidade insanável, nos termos do art.º 119º, a), do C. P. Penal.

  16. Por outro lado, o arguido considera incorrectamente julgado o ponto dois da matéria de facto provada, no segmento em que considera ser o valor aproximado global dos bens de cerca de 10.000,00 euros.

  17. A assistente é uma sociedade comercial, sujeita pelo artigo 123º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas a contabilidade organizada, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter considerado provado o valor dos bens que constarão do imobilizado da sociedade, ao invés de considerar provado valor através do depoimento de uma testemunha que nem sequer conhecia os bens alegadamente apropriados.

  18. Ao considerar provado o valor dos bens através de prova testemunhal o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 123º do CIRC.

  19. Ademais, como consta da sentença proferida, não ocorreu qualquer entrega de bens ao arguido.

  20. Logo, não se mostra preenchido o tipo legal de crime imputado ao arguido, que exige uma prévia entrega para uma posterior apropriação.

  21. Até porque a assistente retirou da obra todos os bens que lhe pertenciam.

    NESTES TERMOS, nos melhores de direito, e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se verificadas as nulidades arguidas e anulando-se todo o processado, assim se fazendo JUSTIÇA! O recurso foi admitido.

    O Ministério Público apresentou resposta, sem extrair conclusões, no sentido, que fundamentou, da improcedência do recurso.

    Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, defendendo a rejeição em matéria de facto e, no restante, a improcedência.

    Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), nada foi apresentado.

    Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

    * 2.

    FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidades de sentença (art. 379.º, n.º 1, do CPP), os vícios da decisão (art. 410.º, n.º 2, do CPP e conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. Série I-A de 28.12.1995) e as nulidades que não se encontrem sanadas (art. 410.º, n.º 3, do mesmo Código) - acórdãos do STJ: de 13.05.98, in BMJ n.º 477, pág. 263; de 25.06.98, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 03.02.99, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48, e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg..

    Assim, reside em apreciar: A) - das suscitadas nulidades; B) - da impugnação da matéria de facto; C) - do não preenchimento do crime.

    * Analisando: A) - das suscitadas nulidades: O recorrente, na perspectiva de alegação de várias nulidades, por preterição dos preceitos legais que menciona - arts. 61.º, 113.º, 196.º, 227.º, n.º 4, alínea b), 335.º e 337.º do CPP e 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) -, conclui pela sua integração, como refere, no art. 119.º, a), do C.P.Penal, sendo que, desde logo, na indicação do último, certamente teria querido reportar-se à alínea c) do n.º 1 desse normativo, que prevê, como nulidade insanável, “A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”.

    Ora, num modelo processual, como é o consagrado pelo CPP, de estrutura acusatória, embora integrado por um princípio de investigação, não é de somenos importância e até, pelo contrário, de importância decisiva, a participação constitutiva dos sujeitos processuais e, em particular, do arguido, a quem especialmente são garantidos os direitos e os deveres previstos...

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