Acórdão nº 304/18.6PDSNT.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | ARTUR VARGUES |
Data da Resolução | 13 de Outubro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 304/18.6PDSNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 2, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido A. condenado, por acórdão de 16/04/2020, nos seguintes termos: Pela prática de 16 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, por cada um deles; Após cúmulo jurídico, foi aplicada a pena única de 10 anos de prisão, Foi fixada à ofendida LS a quantia de 30.000 euros a título de montante compensatório, nos termos do artigo 16º, da Lei nº 130/2015, de 04/09 e artigos 67º-A e 82º-A, do CPP, e o arguido condenado a pagar-lhe tal importância.
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Também em 16/04/2020, foi proferido despacho em que se indeferiu a pelo arguido assinalada nulidade da sessão da audiência de julgamento de 02/04/2020 e actos subsequentes, por não ter sido assegurado o direito à defesa na sua plenitude em virtude da substituição da sua defensora por outra nomeada para o acto.
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O arguido não se conformou com o teor da decisão condenatória e bem assim com o despacho referido e deles interpôs recurso, na mesma peça processual, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): I. O presente recurso tem como objeto a apreciação das questões que se seguem.
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Da nulidade insanável do decurso da sessão de dia 02/04/2020 da audiência, a qual se realizou sem a presença da defensora nomeada no primeiro interrogatório de Arguido detido, subscritora da presente peça, ainda que feita com a presença da defensora indevidamente nomeada, prevista na alínea c), do art. 119º, do CP.
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Da inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º, n.º 4 e do artigo 32.º, n.º 1, ambos da CRP e do princípio da segurança e da confiança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º, também da CRP, a norma da alínea c), do artigo 119.º, do CPP.
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Da decisão proferida quanto à matéria, nomeadamente: concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.
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E, ainda, a determinação da medida da pena.
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Face à matéria dada como provada, a medida da pena aplicada não nos parece que seja adequada.
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De facto, as exigências de prevenção geral e especial não justificam tal medida, face aos contornos extremamente simplistas em que os factos ocorreram.
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Pelo exposto, o tribunal a quo violou o artigo 71º do CP.
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.
as, deverá ser dado provimento ao presente recurso, declarando a invocada nulidade insanável ou, caso assim não se entenda, declarando a alegada inconstitucionalidade.
Sem conceder, sempre se requer que seja reapreciada a prova, requerendo- se, desde já, a realização de audiência, devendo a Menor ser convocada para prestar os esclarecimentos acima suscitados.
Requer-se, ainda, a V.Ex.
as que, caso venham a substituir a decisão final proferida, sempre o façam com a aplicação ponderada da medida da pena.
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O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando por lhe ser negado provimento.
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Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
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Colhidos os vistos, foram os autos à conferência (pese embora o arguido tenha requerido a realização de audiência, esta pretensão foi oportunamente indeferida e determinado o julgamento do recurso em conferência).
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Verificação da nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c), do CPP/inconstitucionalidade da norma.
Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento.
Dosimetria das penas parcelares e única aplicadas.
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O despacho recorrido, proferido aos 16/04/2020, tem o seguinte teor, na parte que releva e conforme consta da acta escrita da audiência de julgamento (transcrição): Quanto ao requerimento atravessado pela Ilustre Defensora do arguido, reconhecendo-se o atraso da disponibilização da ata, tal vício que não consubstanciaria nulidade, encontra-se sanado.
Quanto à questão da nulidade de todos os atos entretanto praticados, como é consabido, o regime das nulidades é orientado pelo princípio da tipicidade e não foi, em concreto, indicada qualquer norma jurídica na qual se possa depreender estarmos perante tal vício, que, a existir, insiste-se, estará sanado.
A ata não se limita à peça processual subscrita pelo Juiz Presidente mas que é também constituída pelo suporte digital de gravação de tudo o que se passou na audiência (e tal gravação não foi subtraída à defesa) e dela constam os motivos pelos quais se entendeu ser indispensável a substituição, para o ato, da Ilustre defensora do arguido, substituída nos termos do artigo 64º do Código de Processo Penal por Ilustre defensora a quem foram expostos os motivos da nomeação e mecanismo no artigo 358 nº 1 e 3, e que declarou prescindir do prazo de organização de defesa que, tanto que poderá alcançar da audiência e da ata, foi assegurado com a diligência possível.
Assim, inexiste qualquer fundamento, por força dos motivos indicados pela Ilustre defensora do arguido, para ser adiada a presente audiência de julgamento e ser repetido o ato processual ocorrido em 02-04-2020.
Acresce que os motivos invocados no requerimento prévio a tal sessão de audiência de discussão e julgamento se prendiam com a organização pessoal da Ilustre Defensora e que sempre poderiam ter sido, mais atempadamente, ser apresentados ao tribunal. E isto sem se pôr em causa que estamos em perante situações excepcionais em que vivemos e que a todos temos que nos habituar 3. O acórdão recorrido O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição): 1. LS nasceu a 06-02-2007.
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A menor residia, entre 2015 e novembro de 2018, com os seus pais na Praceta ... , no Monte Abraão, ainda que o seu pai se tivesse ausentado daquela morada durante alguns meses.
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O arguido era amigo do pai da LS .
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Em setembro de 2017, o arguido foi residir para aquela habitação, em troca do pagamento de quantia mensal acordada com os pais da LS .
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O arguido dormia na sala da casa.
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O arguido deixou de residir na casa da menor LS em fevereiro de 2018.
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Pouco após essa data, o arguido continuou a frequentar a habitação da menor.
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Até ao dia 2 de novembro de 2018, o arguido encontrou-se sozinho pelo menos uma vez por semana com a menor.
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Esta, por rotina, chegava a casa vinda da escola por volta das 18h00.
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Nessas ocasiões, à hora que a LS chegava, a sua mãe, que chegava entre as 19h00 e as 20h00, não se encontrava em casa.
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Em datas não concretamente apuradas, entre maio de 2018 e o dia 2 de novembro de 2018, com uma frequência pelo menos semanal, quando a LS regressava da escola e aproveitando-se do facto de se encontrar sozinho com a menor, na referida residência, o arguido chamava-a até à sala.
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Em seguida, o arguido abria a braguilha das calças que envergava, retirava o pénis e, com o mesmo ereto, agarrava na cabeça da LS , introduzindo-o na boca da menor, a quem dizia para efetuar movimentos de sucção.
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A menor fazia esses movimentos de sucção e, decorrido algum tempo, o arguido ejaculava no interior da boca daquela.
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Após ejacular o arguido, em tom sério, dizia à menor que “se contasse a alguém que a matava”, o que causava medo na LS.
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Por diversas vezes, nesse período e naquela habitação, e com a mesma frequência semanal, o arguido beijou a menor na boca.
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Num número não apurado de vezes, nessas mesmas ocasiões, o arguido retirou a roupa que a menor envergava e, com o pénis ereto, introduzia o mesmo no interior do ânus desta, causando-lhe dor.
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No dia 2 de novembro de 2018, cerca das 19h00, o arguido estava na residência da LS .
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Nessa ocasião, o arguido, aproveitando-se do facto de se encontrar sozinho com ela, disse-lhe para entrar no quarto dela, de onde a menor estava a sair, o que ela fez.
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No quarto, o arguido abriu a braguilha das calças que envergava, retirou o pénis e, com o mesmo ereto, agarrou na cabeça da menor e introduziu o mesmo na boca desta, dizendo-lhe para ela efetuar movimentos de sucção, o que ela fez, não tendo o arguido ejaculado porquanto a mãe da menor entrou em casa.
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Nas ocasiões acima descritas, o arguido nunca utilizou preservativo.
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O arguido sabia que a LS era menor e que a mesma, à data dos factos, tinha 11 anos de idade.
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O arguido agiu com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais com uma criança e de manter com a mesma relações sexuais completas de coito anal e oral, aproveitando-se do facto de estar várias vezes sozinho com a mesma na habitação.
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Mais, sabia o arguido que a sujeição da menor LS a contactos dessa natureza era suscetível de interferir com o seu desenvolvimento e autodeterminação sexual e, ainda assim, não se coibiu de atuar da forma descrita.
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O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse...
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