Acórdão nº 686/17.7PGLRS.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelALDA CASIMIRO
Data da Resolução13 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, Relatório No âmbito da Instrução com o nº 686/17.7PGLRS, que corre termos no Juiz 6 do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, e na sequência de despacho de não pronúncia proferido pelo Meritíssimo Juiz de Instrução, vem o assistente J.

interpor recurso em que pede: - que seja declarada a nulidade da decisão instrutória por falta de fundamentação; - caso assim não se entenda, que seja declarado o cometimento de uma irregularidade processual que invalida o acto decisório; - caso assim também não se entenda, seja determinado que os procedimentos criminais contra as arguidas IG e AR não estão prescritos, devendo estas ser pronunciadas pelos crimes constantes da acusação particular e do Requerimento de Abertura de Instrução pelo Recorrente deduzido; e - que seja considerado que os factos resultantes da prova permitem indiciar suficientemente que os arguidos, de plena consciência e de livre e espontânea vontade, praticaram os crimes de difamação com publicidade e calúnia, nos casos das arguidas IG , GC e AR , e de denúncia caluniosa, relativamente a todos os arguidos, não sendo aplicável ao caso concreto qualquer causa de exclusão de ilicitude, mormente, a prevista no art. 180º, nº 2, do Cód. Penal.

Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1. O despacho de não-pronúncia é nulo, por falta de fundamentação, uma vez que não cumpre o disposto nos artigos 205º, nº 1, da C.R.P., 97º, nº 1, alínea b), e nº 5, 308º, nº 2, 283º e 379º do CPP; 2. Nulidade que tem as consequências processuais-legais do artigo 122º do CPP, o que obriga à produção de nova decisão instrutória que responda às carências aqui elencadas, devendo o douto Tribunal ad quem ordenar que assim aconteça; 3. Caso assim não se entenda, então, nos termos dos artigos 118º, 119º e 120º (ambos a contrario) e 123º do C.P.P., foi perpetrada uma irregularidade que inquina a validade do acto decisório, desembocando em igual corolário processual-legal; 4. O despacho de não-pronúncia, no que tange à Arguida IG , determina o arquivamento dos autos por prescrição do procedimento criminal; 5. Não especifica, contudo, quais são os factos indiciados e não-indiciados que a esta Arguida dizem respeito, nem concretiza o motivo de estes apenas integrarem a tipicidade do crime p. e p. pelos artigos 180º, nºs 1 e 4, e 183º, nº 1, alíneas a) e b), e nº 2, do Código Penal (crime de Difamação, qualificado com Publicidade e Calúnia), nem o porquê de esses factos não preencherem nenhuma das circunstâncias a que alude o artigo 184º do Código Penal; 6. Os veredictos sobre matéria de excepção - neste caso, a prescrição do procedimento criminal - não são imunes ou estão desonerados do adimplemento do dever de fundamentação; 7. A apreciação da decorrência - ou não - de um prazo de prescrição implica que os factos sejam conhecidos, avaliados e que se verifique que tipo de crime (ou crimes) estes podem eventualmente preencher; 8. Não chega decretar que os factos imputados e/ou suficientemente indiciados - omitindo uma enunciação - determinam uma certa qualificação jurídica e não materializam os pressupostos jurídicos para o operar da agravação prevista no artigo 184º do Código Penal; 9. Esta obrigação de discriminar os factos floresce do despacho de pronúncia - ou de não pronúncia - não ser um acto de mero expediente, mas sim ser um acto decisório de natureza idêntica à de uma sentença; 10. E do artigos 205º, nº 1, da CRP e 97º, nº 5, do CPP compelirem à fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente; 11. Rejeita-se que o tribunal cumpriu o seu dever de fundamentação, por referência à Arguida IG , quanto à prescrição do procedimento criminal, à qualificação jurídica e ao enjeitamento da agravação prevista no artigo 184º do CP, porque remeteu para a acusação particular e/ou para o RAI; 12.O artigo 308º, nº 2, do C.P.P. estatui que ao despacho de pronúncia - ou de não pronúncia - é aplicável o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 283º do CPP; 13. O artigo 307º, nº 1, do CPP atesta que, encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução; 14. Não haverá dúvidas de que este dever de fundamentação pode ser adimplido por remissão para um RAI ou para uma acusação particular; 15. É verdade que o contestado despacho de não-pronúncia assevera que os factos ocorreram no dia 03/06/2016, discriminando as folhas e o artigo da acusação em que tal é mencionado; 16. É verdade que, quando o tribunal está a garantir que a factualidade imputada em sede de acusação consubstancia a prática de uma certa tipologia criminal, está a remeter para a descrição dos factos aí materializada; 17. Não obstante, o artigo 93º da acusação particular, no que narra, está longe de poder servir de remissão explanatória de uma decisão que avalia factos e chega à conclusão de que estes autorizam uma qualificação jurídica, enjeitando outra; 18. Por outro lado, a ultra-abrangente alusão a “factualidade imputada à referida arguida na acusação”, pelo seu grau de abstracção e de inconcretude, não serve, de igual modo, esse propósito; 19. Mesmo que se escudasse que bastaria esse genérico remeter para a factualidade imputada em sede de acusação, isso não exime o julgador de explicar o porquê de reputar os factos de emolduráveis no previsto e punido pela conjugação dos artigos 180º e 183º do Código Penal, mas afastar a aplicação do artigo 184º do Código Penal; 20. A Arguida IG era, à data da produção dos factos, Presidente da Junta de Freguesia de B, ou seja, ocupava um cargo e exercia uma função discriminadas na alíneas m) e l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.

21. O artigo 184º do CP remete para esse normativo, pelo que seria sempre necessário explicar por que motivo uma presidente de junta não seria - para efeitos do artigo 386º do CP e da lei nº 34/87, de 16 de Julho - classificada de funcionário e, de igual forma, porque é que os factos não foram cometidos sem grave abuso de autoridade; 22. Esta ausência de fundamentação priva as partes processuais e os tribunais superiores de confirmarem se os elementos do artigo 184º do CP estão preenchidos ou se não estão; 23. A acusação também não qualificou juridicamente os factos como enquadráveis no disposto no artigo 184º do CP, mas foi apreciada prova, e é perfeitamente sabido que uma acusação - particular ou do Ministério Público - fixa o objecto do processo quanto aos factos, mas isso não obsta a que um tribunal conclua que o cenário factual demanda por outra qualificação jurídica, tendo sido o órgão de soberania a invocar o artigo 184º do CP; 24. O cumprimento de dever de fundamentação é essencial, porquanto o despacho de pronúncia - ou de não pronúncia - forma caso julgado formal e também caso julgado material, impondo-se fora do processo em que foi proferido após o seu trânsito em julgado; 25. Na esteira do que se vem propugnando, recomenda-se a leitura do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, referente ao processo nº 303/18.8JALRA.C1, datado de 26/06/201; 26. Verifica-se que o mesmo defeito gerador de nulidade - ou de irregularidade que inquina o acto - se estende à não-pronúncia das arguidas GC e AR ; 27. Repare-se que o douto tribunal a quo esquematiza o que é alegado pelo Assistente, aqui Recorrente, com interesse para a decisão de mérito e afiança que resulta indiciado um conjunto de factos, mas não explica o motivo de, numa acusação de 177 artigos, apenas esses factos serem importantes; 28. Por sua vez, não indica expressamente quais são todos os factos não-indiciados; 29. Segundo Maia Costa, “o despacho de não pronúncia por insuficiência de indícios deverá fixar expressamente quais os factos considerados não suficientemente indiciados”; 30. A decisão apenas indica os factos imputados pelo Recorrente e elenca alguns factos que reputa de indiciados para se chegar ao corolário de que existe fundamento sério para, em boa-fé, as Arguidas considerarem como verdadeiros os factos que atribuíam ao Assistente, fazendo operar a causa de exclusão da ilicitude preceituada no artigo 180º, nº 2, alínea d), do Código Penal; 31. A acusação é extensa (177 artigos), há muitos factos aí reportados que não são minimamente tocados na decisão instrutória e não há explanação das razões para não serem relevantes para a causa, nem há uma compreensão, de entre esses factos todos, de quais são os factos não-indiciados com premência para decisão de mérito; 32. Esta carência de fixação dos factos não-indiciados relevantes também se estende à decisão sobre a não pronúncia pela prática do crime de denúncia caluniosa (artigo 365º do Código Penal); 33. Citando Paulo Pinto de Albuquerque: «a narração dos factos que não estão suficientemente indiciados no despacho de não pronúncia é fundamental, porque é sobre esses factos que incide o efeito de caso julgado. A delimitação objectiva e subjectiva rigorosa dos factos no despacho de não pronúncia constitui, pois, a garantia última da segurança jurídica do arguido».

34. Em cumprimento do artigo 308º, nº 2, do CPP, essa narração é essencial para que o Tribunal de recurso saiba a integralidade da base indiciária assente e da não assente; 35. Como as sentenças, nas suas fundamentações de facto, têm de listar os factos provados e os não provados, o despacho instrutório deve fazer o mesmo para os factos indiciados e para os não-indiciados, sendo que o despacho aqui posto em crise tão-somente o faz quanto aos indiciados para a apreciação da possível criminogénese ínsita aos actos dos arguidos GC , AR e RC , não executando quejando labor para os não-indiciados e sonegando-os totalmente no que tange à apreciação da prescrição do procedimento criminal contra a Arguida IG e da eventual aplicabilidade...

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