Acórdão nº 500/17.3T9VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução07 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 500/17.3T9VNG.P1 Data do acórdão: 7 de Outubro de 2020 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e SousaOrigem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto | Juízo de Instrução Criminal do Porto Sumário:.......................................................

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Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente a assistente B…; I – RELATÓRIO 1.Em 5 de Fevereiro de 2020 foi proferido nos presentes autos um despacho judicial na primeira instância, que rejeitou o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente, com o fundamento de o requerimento de abertura de instrução em apreço não reunir os requisitos legais exigidos pelos artigos 283.°, n.° 3, al. b), e 287.°, n.° 2, do Código de Processo Penal: no caso dos autos, a assistente pretende que alguns arguidos sejam pronunciados pela prática, em co-autoria material, de um crime de ofensa à integridade física continuado e de um crime de instigação e apologia pública à prática do crime p.p. pelos arts° 26°, 297° e 298° todos do Código Penal, pelo que lhe cabia a narração dos factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos desses tipos legais de crime. Revertendo para o teor da acusação alternativa da assistente e para a factualidade nela indicada, a mesma atendendo ao contexto em que é exposta não preenche os elementos subjetivos dos tipos legais de crime que imputa aos arguidos.

  1. Inconformada com tal decisão, a assistente interpôs recurso da mesma, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas: " Só por manifesto lapso se entende a decisão de que se recorre.

    Ao contrário do decidido, o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente obedece às exigências legais, designadamente ao disposto no art. 283º, nº 3 als b) e c) do C.P.P..

    Contendo todos os factos que integram os elementos objetivo e subjetivo dos tipos legais dos crimes imputados aos arguidos.

    Referindo expressamente o ponto 90º do requerimento de abertura de "Os aqui requeridos agiram voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que os factos supra mencionados constituem crime.".

    Sendo que ao longo do requerimento é por diversas vezes feita referência ao elemento subjetivo dos crimes que imputa aos arguidos, designadamente, à consciência da ilicitude e à vontade de realização do tipo objetivo de ilícito.

    Factos abundantemente alegados ao longo de todo o requerimento de abertura de instrução, mencionando expressamente que os arguidos agiram de forma voluntária, livre e com a consciência da ilicitude da prática dos crimes, constam, designadamente, dos pontos 43a, 44a, 45a, 49a, 53a, 54a, 55a, 63a, 65a, 67a, 68a, 69a, 73a, 74a, 81a, 83a e 84a.

    Violando a decisão em apreço o disposto no art. 287º, nº 3 do C.P.P., por errada interpretação do mesmo.

    Inexistindo razões e fundamentos legais que justifiquem a rejeição, por inadmissibilidade legal, pelo Tribunal recorrido, do requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, o qual cumpre o disposto no art. 283º, nº 3 als b) e c) do C.P.P., o que acarreta como consequência a nulidade da decisão, nulidade essa que expressamente se suscita." 3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, nos termos legais.

  2. Notificado do teor da motivação, o Ministério Público apresentou resposta, concluindo pela improcedência do recurso nos seguintes termos: "(…) O requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente, quando o Ministério Público profere o despacho de arquivamento, tem de configurar substancialmente uma acusação, com a narração dos factos (objectivos e subjectivos) que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis, nos termos do artigo 287°, n ° 2, do CPP, que remete expressamente para o n º3, do artº. 283°, do mesmo diploma legal; - Analisando o requerimento de abertura de instrução de fls. 373 e seguintes, verifica-se que no mesmo não se descrevem todos os factos concretos que devem figurar numa eventual decisão instrutória de pronúncia, nomeadamente não se indica os factos integradores dos elementos subjectivos do tipo-de-ilícito que se imputa aos arguidos; - Face à lei, é inadmissível a instrução quando seja requerida pelo assistente e este não descreve no seu requerimento os factos objectivos e subjectivos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido; - Assim, o douto despacho judicial, que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, ora recorrido, não violou o estatuído nos artºs. 286º e 287º, nº3, do CPP.

    - Deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura de instrução que não descreve os factos atinentes aos elementos objectivos e subjectivo da infracção imputada ao arguido, isto porque, a descrição dos factos que integram o tipo legal de crime imputado, quer o tipo objectivo, quer o tipo subjectivo, é fundamental dada a circunstância de vigorar entre nós, em pleno, o princípio da legalidade; - O requerimento de abertura de instrução deve ter a estrutura de uma acusação, devendo ser dirigido contra uma identificada pessoa ou entidade, e deve conter os elementos objectivos e subjectivos face aos quais se possa concluir que o arguido cometeu um ilícito penal, sob pena de rejeição por inadmissibilidade legal, de harmonia com o artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal; - O despacho sob censura não violou quaisquer das disposições legais invocadas pelo recorrente.

    Termos em que, deve ser a decisão recorrida ser mantida, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso." 5. O arguido C…, D…, E… e F… também responderam, extraindo-se das respetivas peças processuais a seguinte passagem, como a todas as respostas, que condensa os argumentos em que sustentam o seu entendimento de que o recurso deverá improceder: "(…) Verificando-se que o requerimento para abertura da instrução não obedece à estrutura acusatória do processo, nem assegura as garantias de defesa do arguido, nos termos previstos nos artigos 283°, n.° 3, alínea b), e 287°, n.° 2 do CPP, sendo omisso em relação aos elementos subjetivos de tais crimes, isto é, quanto aos elementos constitutivos do dolo, concretamente no que respeita aos elementos intelectual (representação dos factos), volitivo (vontade de praticar os factos) e emocional (consciência de estar a agir contra o direito), nenhuma censura merece a decisão recorrida quando rejeitou o requerimento para a abertura da instrução por falta de indicação de factos suficientes para preenchimento dos imputados crimes, designadamente de factos integradores do elemento subjetivo de tais ilícitos criminais, sendo certo que, na ausência desses factos, a instrução se revela inútil por nunca poder conduzir a um despacho de pronúncia válido.

  3. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso nos seguintes termos: "(…) no caso em apreço, a abertura da instrução foi rejeitada por se considerar que não consta do RAI a descrição dos elementos do tipo subjetivo dos crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, do C. Penal, imputado ao arguido F… e “restantes membros da Direção da associação denominada G…”, e dos crimes de instigação pública a um crime (artigo 297º) e de apologia pública de um crime (artigo 298º), imputados aos arguidos D…, C… e E….

    Trata-se de crimes imputados a título doloso, sabendo-se que o dolo, compreende um elemento intelectual, um elemento volitivo e um elemento emocional.

    O elemento intelectual consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito (o tipo objetivo de ilícito).

    O elemento volitivo consiste na especial direção da vontade do agente na realização do facto ilícito, agindo: com dolo direito, se tiver a intenção de realizar o facto; com dolo necessário, se previr o facto como consequência necessária da conduta; com dolo eventual, se representar o facto típico consequência possível da conduta e atuar conformando-se com essa realização (artigo 14º, C. Penal).

    O elemento emocional – segundo os ensinamentos de Figueiredo Dias, in Direito Penal – Parte Geral, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pgs. 333 e 494 e sgs – traduz-se na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição dos interesses pessoais do agente aos valores protegidos pela norma.

    Este elemento emocional é revelado através da consciência da ilicitude e integra o dolo, de tal modo que só pode afirmar-se que o agente atuou dolosamente quando, para além do mais necessário ao preenchimento do tipo, esteja assente que o mesmo atuou com conhecimento ou consciência do caráter ilícito e punível da sua conduta.

    Por outro lado, está, hoje, estabilizado o entendimento jurisprudencial – face ao AUJ nº 1/2015, publicado no DR de 27/1/2015 – no sentido de que «A falta de descrição, na acusação, de elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzam no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade fáctica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrado, em julgamento, por recurso ao mecanismo do artº 358º do CPP».

    Como melhor se esclarece na fundamentação do citado aresto uniformizador: «(…) o acrescento dos elementos constitutivos do tipo subjectivo do ilícito, compreendendo também o tipo de culpa, corresponde a uma alteração fundamental, que equivale a transformar uma conduta atípica numa conduta típica, e que essa operação equivale a uma alteração de facto, e o mecanismo adequado é o do artigo 359º, nºs. 1 e 3 (...) a verdade é que ela não configura um crime diverso. Pura e simplesmente, os factos constantes da...

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