Acórdão nº 77/19.5GCBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
No processo comum, com intervenção de tribunal singular, com o NUIPC 77/19.5GCBRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Braga - Juiz 1, previamente à realização da audiência de julgamento, foram proferidos os seguintes despachos: - Em 29-04-2019, a considerar não assistir ao arguido, J. R., qualquer direito de apresentar uma "nova contestação", indeferindo o pedido de prorrogação do prazo por ele requerido para esse efeito, invocando um triplo fundamento: a substituição do seu defensor, a suspensão do prazo para contestar devido à situação de pandemia provocada pela Covid 19 e o justo impedimento para poder preparar a sua defesa, bem como a indeferir ainda várias diligências de prova requeridas pelo arguido; - Em 05-05-2019, a entender que a audiência de julgamento não deveria realizar-se através de meios de comunicação à distância, mas sim presencialmente, tomando-se as providências necessárias a minorar o risco de contágio pela "Covid 19"; - e, em 07-05-2019, a considerar não se verificar qualquer nulidade ou irregularidade assacada pelo arguido ao despacho anterior, que determinou o prosseguimento dos autos e manteve as datas designadas para realização da audiência.
2.
Entretanto, realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 26-05-2020, depositada na mesma data, com o seguinte dispositivo (transcrição[1]): «VI. Decisão: Pelo exposto decide-se: Parte crime:
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Condenar o arguido J. R.
pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º, nº 1 al. a) e nº 2 al. a), 4 e 5 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida A. M. pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, pena acessória cujo cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
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Absolver o arguido J. R.
da prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º, nº 1 al. d) e nº 2 al. a), 4 e 5 do Código Penal.
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Condenar o arguido J. R.
pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e 2 por referência ao artº 132º, nº 2 al. a), todos do CP na pena de 6 (seis) meses de prisão.
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Em cúmulo jurídico das penas referidas em a) e c), condenar o arguido J. R.
na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, suspensão acompanhada de regime de prova e condicionada à obrigação de, durante os 2 (dois) anos e 6 (seis) meses subsequentes ao trânsito em julgado da presente sentença, o arguido não contactar por nenhum meio a ofendida A. M. e não se aproximar dela e da sua residência a uma distância inferior a 400 metros, medidas cujo cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância; bem como na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida A. M. pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, pena acessória cujo cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
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Condenar o arguido J. R.
pela prática de dois crimes de ameaça agravada p. e p. pelos arts 153º nº 1 e 155º nº 1 alínea a) do CP nas penas de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), por cada um deles.
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Em cúmulo jurídico das penas referidas em e), condenar o arguido J. R.
na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €840,00 (oitocentos e quarenta euros).
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Custas pelo arguido, fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça.
*Parte cível
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Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante A. M. parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandado J. R. a pagar-lhe a quantia de €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da presente sentença até integral pagamento.
Custas pelo demandado na proporção do decaimento, já que a demandante está delas isenta (artº 4º nº 1 al. z) do RCP).
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Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante A. G. parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandado J. R. a pagar-lhe a quantia de €1 200,00 (mil e duzentos euros), quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da presente sentença até integral pagamento.
Custas por demandante e demandado na proporção do decaimento.» 3.
Inconformado, o arguido interpôs recursos dos três referidos despachos, em motivação conjunta, recursos esses admitidos a subir nos próprios autos, diferidamente e com efeito meramente devolutivo, e também da sentença.
3.1 - O recorrente concluiu a motivação dos recursos interlocutórios nos termos que a seguir se transcrevem: «CONCLUSÕES: 1 – Não se conformando o Arguido com os doutos Despachos datados de 29-04-2020 15 [Referência: 168031724.], 05-05-2020 16 [Referência: 168063192.] e 07-05-2020 17 [ Referência: 168087624.], deles vem interpor recurso, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo, designadamente atenta a 1ª parte, do n.º 3, do artigo 408º, do CPP; 2 – Conforme supra exposto (arts. 2º a 7º), o prazo do Arguido para contestar decorreu em momento de pandemia, encerramento e confinamento generalizado que se alastrou por todo o território nacional, o que é notório e do conhecimento geral, disso dando conta ao Tribunal a quo em 20-03-2020 18 [Referência: 35221846.], ficando a aguardar a respetiva decisão, o que apenas veio a suceder em 29-04-2020 19 [O Arguido considera-se notificado no dia 04-05-2020.], com rejeição maciça da prova requerida, indeferimento de prorrogação de prazo para contestar, declaração de suspensão de prazos e justo impedimento, e quanto à qual, além do seu acerto, se questiona sobretudo a sua oportunidade; 3 – Enquanto o Arguido preparava o seu requerimento de 05-05-2020 20 [Referência: 35482767.] (cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos), sobreveio nova notificação na mesma data e, subsequentemente, o douto Despacho de 07-05-2020, o que equivale a 3 Despachos em 8 dias e a 2 Despachos em 2 dias; 4 – Dos cinco pontos identificados no douto Despacho de 07-05-2020 (do 2º ao 6º parágrafo da primeira página), apenas terá ficado excluído o exposto no artigo 25º do precedente requerimento do Arguido (de 05-05-2020), o que significa que sobre o mesmo não terá havido qualquer pronúncia; 5 – Quanto ao preenchimento da alínea em causa (al. b), do n.º 7, do art. 7º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março), chama-se a atenção para o seguinte adjetivo destacado na transcrição: “…e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes…”, parecendo claro que, por exemplo, a subsistência que se pretendeu prever foi tão só a imediata 21 [Significado de “imediata”: “…que não admite perda de tempo; que acontece sem intervalo; instantâneo; rápido…” (disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/imediata).], e não toda e qualquer subsistência (ou vida, integridade física, saúde mental e liberdade); 6 – Pelo que, a locução “…em causa…” empregue na formulação da norma, não pode significar outra coisa que não seja o perigo imediato e que não admite perda de tempo, que acontece sem intervalo, instantâneo, rápido (cfr. nota 21); 7 – Aliás, de outro modo não seria necessário, e nem faria sentido, o subsequente n.º 8 da norma e respetivas alíneas, designadamente a al. a) (cfr. art. 109º e ss., do CPTA 22 [Exemplificando: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-02-2017, Processo 1753/16.0BELSB, “…I – O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a proteção jurídica que os demais meios urgentes conferem. II - Só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja proteção seja urgente. III - De acordo com o disposto no novo artigo 110.º-A n.º 1 do CPTA, a não verificação de situação de especial urgência subjacente à necessidade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não determina a imediata absolvição da instância, impondo-se ao tribunal que convide o autor a substituir o pedido, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar…” (disponível em http://www.dgsi.pt).]), e até a alínea c), de onde se verifica a sentida necessidade de incluir expressamente o dano irreparável e, ainda dentro deste, processos de natureza urgente e até arguidos presos; 8 – De facto, “…Esta alínea c) do n.º 8 do artigo 7.º levanta especiais dificuldades, uma vez que a sua enumeração exemplificativa inclui processos que já são considerados urgentes, nos termos acima expostos. PAULO PIMENTA entende, por isso, que "nos processos crime e considerando o disposto na al. b) do n.º 7 e na al. c) do n.º 8 deste artigo 7.º, afigura-se que somente naqueles em que haja detidos ou que contendam com arguidos presos serão realizadas diligências que impliquem a presença física dos envolvidos, sendo que também só esses processos escapam ao regime geral da suspensão de prazos consagrado no n.º 1 do artigo 7.º". Esta interpretação implica, porém, deixar de fora os processos de violência doméstica em que não existam arguidos presos, o que não nos parece ser a intenção do legislador…” 23 [Dr. Luís Menezes Leitão, Bastonário da Ordem dos Advogados, Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, in Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça, Coleção Caderno Especial, CEJ, 22 de Abril de 2020 (disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19.pdf).]...
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