Acórdão nº 42/10.8GALSA.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução30 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1.

Por acórdão cumulatório proferido nestes autos e transitado em julgado, em 4 de Julho de 2014, foi, o arguido A.

condenado na pena única de cinco (5) anos suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova assente num plano individual de readaptação social, com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, tendo como finalidade a sua inserção social bem como a continuação de frequência do programa de recuperação de toxicodependentes e a obrigação de reparação dos prejuízos causados ao ofendido, tendo de depositar todos os meses, à ordem do processo, € 200,00, até perfazer o total de € 3500,00.

  1. Por despacho proferido em 22 de fevereiro de 2020, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão e determinado o seu cumprimento pelo arguido.

  2. Inconformada tal despacho, recorre o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: A. O recorrente foi presencialmente ouvido no circunstancialismo referido (06 de Fevereiro de 2020), não se tendo furtado à notificação processual, e tal qual consta da respectiva acta, o Ministério Público não alegou e solicitou prazo para o fazer por escrito, o que mereceu concordância do Tribunal e foi deferido, conforme despacho supra transcrito, julgando-se que todo e qualquer cidadão médio colocado perante tal situação ganharia a expectativa de que viria a ser notificado de tal douta promoção para efeitos de exercício de contraditório, o que a defesa fez mas em vão, pois tal douta promoção nunca foi notificada à defesa para efeitos de contraditório, não tendo tido o signatário oportunidade de alegar oralmente aquando do auto de audição do arguido e nunca foi notificado para o fazer por escrito; B. A fazer fé na consulta via CITIUS ora levada a cabo, tal douta promoção do Ministério Público é datada de 18 de Fevereiro de 2020 e a douta decisão recorrida foi proferida escassos quatro dias depois, não deixando de ser tida por decisão-surpresa, com preclusão dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, da transparência decisória, da boa-fé e do contraditório bem como violadas as mais elementares garantias de defesa do arguido, invocando-se a nulidade de tal douta decisão em razão de tal vício processual pois a prévia notificação para comparência aludia unicamente a “proceder à sua audição por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou obrigações, que lhe foram impostas na sentença/acórdão que decretou a suspensão da execução da pena - art.º 495º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Penal.”, pelo que em rigor e em concreto nunca o arguido foi notificado para exercer contraditório face à promoção do Ministério Público para revogação da suspensão da pena de prisão, tendo-se deixado alguma jurisprudência colhida sobre a questão e que na óptica do recorrente abonam a sua posição no sentido da nulidade insanável levada a cabo; C. O princípio da boa-fé remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correcta, leal e sem reservas, o que se mostra extensível à administração da justiça, tratando-se de de um princípio programático de comportamento que se materializa através da observância de três outros princípios: I) da protecção da confiança, a remeter para a tutela da estabilidade dos actos da Justiça, como condição indispensável à segurança dos cidadãos e à permanência e estabilidade da ordem jurídica, e II) da transparência decisória, convocando o direito e o dever de informação, de fundamentação e de participação dos cidadãos, maxime, dos arguidos; D. Tem-se por notório, o que se alega nos termos e para efeitos do art. 412º do Código de Processo Civil, que é quase intuitiva a ideia de que qualquer sujeito cria expectativas e orienta as suas opções de vida de acordo com decisões ou notificações judiciais, antecipando riscos baseados em tais situações que prevê (e ganhando acréscimo de confiança na sua materialização escrita, como sucedeu com a acta em causa a conceder vista ao Ministério Público para posterior promoção, confiando-se no exercício futuro de contraditório face à mesma!) manterem-se, e planificando a vivência com base em tais factos, dúvidas inexistindo que tal preterição da segurança jurídica e protecção da confiança terá como consequência mais gravosa a desintegração do interesse público, que não poderá nunca significar o resultado da soma algébrica de todos os interesses individuais mas deverá consistir um plus em relação a este resultado; E. Tais princípios, uma vez cristalizados na Constituição da República Portuguesa (ou seja, dotados de assento constitucional!) constituirão trave mestra de todo o sistema normativo e judicial e ser-lhe-ão tão essenciais quanto o próprio oxigénio para a humanidade, mostrando-se in casu verificada a existência de uma situação justificada de confiança a ser protegida, não deixando qualquer cidadão médio colocado no lugar do arguido e seu defensor de criar a expectativa pelos mesmos gerada: notificação posterior da douta promoção superveniente do Ministério Público e possibilidade de exercício de contraditório, existindo verdadeiramente um benefício prático e efectivo para o arguido, reclamante da proteção da confiança, uma vez que com o recurso apresentado se visa obstar um prejuízo sério, decorrente da imediata execução de pena de prisão em estabelecimento prisional; F. Não poderá assim a confiança depositada pelo arguido, assente na segurança jurídica, deixar de merecer tutela jurídica, não podendo o Direito globalmente considerado ficar absolutamente indiferente à eventual frustração dessa confiança, devendo serem tidos em consideração e douta análise a efectivar por V/ Exas. os princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança dado que sob pena de preterição da noção de Estado de Direito ter-se-á de admitir que se vive sob a legitimação do princípio da confiança, exigindo-se do poder público a boa-fé nas relações com os particulares e o respeito pela confiança que os indivíduos depositam na estabilidade e continuidade do ordenamento jurídico e bem andará o Tribunal quando tutele tal expectativa já criada e adequada ponderação das diversidades da situação, sem conversão dos critérios de justiça substantiva em instrumentos de plasticidade jurídica inadequados ao caso concreto; G. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios do contraditório, da boa-fé, da transparência decisória, da protecção da confiança e da segurança jurídicas, a interpretação e dimensão normativa do art. 495º n.º 2 CPP segundo a qual “Para efeitos de revogação de suspensão da pena de prisão em que se mostra condenado o arguido basta a realização de auto de audição presencial do arguido, na presença do técnico da DGRSP, para efeitos de incumprimento dos deveres, regras de conduta ou obrigações, que lhe foram impostas na sentença/acórdão que decretou a suspensão da execução da pena sem necessidade de notificação para efeitos de concessão de contraditório face a douta e superveniente (após vista para pronúncia!) promoção do Ministério Público, no sentido da revogação”; H. Atento o teor da douta decisão recorrida julga-se que o fundamento para a revogação assentará na alínea a) do art. 56º n.º 1 CP, por ser a única alínea que o Tribunal a quo faz expressa alusão (curiosamente a douta promoção do Ministério Público, que se mostra enxertada no teor decisório, apontava unicamente para alínea b) do n.º 1 do art. 56º CP e art. 495º n.º 3 CPP), ou seja, incumprimento grosseiro de deveres, invocando-se que se o arguido tem culpas no cartório por força das condenações sofridas (ainda que com as ressalvas por ele explicitadas face a uma das condenações!), já no tocante ao não pagamento integral da indemnização assim não será pois face a tal incumprimento a acaba por ser mais vítima que culpado(e tem-se dificuldade em percepcionar que um Tribunal, órgão de soberania nos termos da lei fundamental, use como argumento para a improcedência da alegação de ausência de culpa, a justificação de “estado de alma, sem respaldo fáctico”!); I. Deverão ser valorados os teores dos relatórios elaborados pela DGRSP e juntos aos autos, com os teores que se deixaram transcritos face ao intercalar de 05 de Dezembro de 2018 e o final, sendo que os relatórios anteriores acabam por relatar aquilo que depois acaba consagrado no relatório final, que se traduziu numa avaliação positiva do arguido e acompanhamento levado a cabo pela DGRSP, tendo-se o arguido esforçado no sentido do cumprimento das medidas e injunções determinadas, não tendo faltado a qualquer das convocatórias do Tribunal, seja em 2016 ou a que teve lugar este ano; J. Do teor das suas declarações, presencialmente prestadas e conforme gravação efectuada com início às 14:15:40 h e termo às 14:27:15 h, podemos extrair o seguinte: I) tem estado a desempenhar actividade laboral na limpeza debaixo das linhas de alta tensão; II) está a tomar o substituto de heroína; III) tem penhora das Finanças e cada vez que comprava um carro a penhora caía e ficava sem carro; IV) tinha de pagar o sustento ao pai, contribuindo para as despesas da casa; e V) tem três filhos; K. Teve lugar igualmente a audição da Ex.ma Sra. Técnica, C., conforme gravação efectuada com início às 14:27:51 e termo às 14:36:15, sendo possível percepcionar I) dificuldade na estabilidade profissional e dificuldades económicas do arguido; II) percepção em como havia procura activa de trabalho, sujeitando-se a ocupações menos rentáveis face à sua formação de soldador, com biscates como madeireiro, apanha de pinha, limpeza de matas; III) o arguido tem filhos, que vivem com a mãe; IV) a gestão do dinheiro é pessoal, reconhecendo que ele não tinha muito dinheiro e auxiliava o pai; V) na Holanda tinha de pagar outras despesas; VI) falecimento da mãe do arguido; e VII) necessidade de auxílio económico por parte do pai durante o desemprego...

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