Acórdão nº 5401/16.0T8VIS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelFALC
Data da Resolução28 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1: I - A) - 1) – A “S... – Instituição Financeira de Crédito, S.A.,”, com base em livrança no valor de 8.211,63 €, instaurou, em 26 de Outubro de 2016, contra C...

e T...

, execução sumária, para pagamento de quantia certa, execução essa a que, por apenso, os referidos demandados se vieram opor, a 13/11/2018, mediante embargos de executado.

2) – 2«[…] Para tanto, os embargantes alegam que desconheciam a existência da livrança dada à execução, sendo leigos em matérias cambiárias e que, embora a mesma contenha a sua assinatura, assinaram-na em branco, sem lerem e sem lhes terem sido explicados, informados e comunicadas as respectivas cláusulas contratuais gerais dos contratos celebrados. Acrescentam também os embargantes que celebraram um contrato de mútuo para aquisição de um veículo, do qual não têm cópia, pelo que o mesmo é nulo.

Por fim, argumentam os embargantes que a livrança foi abusivamente preenchida, dado que não corresponde à sua vontade, nem os mesmos deram o seu acordo para assim ser preenchida, que a mesma não preenche os requisitos legais, não há protesto e se verifica prescrição, quer quanto ao prazo para ser apresentada a pagamento, quer quanto ao direito de acção, quer quanto à divida, nos termos do artigo 310.º do CC.

Pedem, então, os embargantes que se julguem procedentes as excepções invocadas e seja extinta a execução em conformidade.

A exequente contestou os embargos, conforme melhor se colhe do teor do respectivo articulado que aqui se reproduz por brevidade de exposição, pugnando pela improcedência das pretensões dos executados, ora embargantes e defendendo que os mesmos actuam em abuso de direito.

* Proferiu-se despacho saneador onde se conheceu a arguida excepção de prescrição da acção cambiária no sentido da sua improcedência, tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas da prova. […]».

* B) - Realizada a audiência final, veio, em 04/06/2019, a ser proferida sentença pelo Juízo de Execução de Viseu (Juiz 1), na qual, julgando-se os embargos procedentes, declarou-se extinta a execução.

II - Inconformada, a Exequente recorreu dessa decisão, tendo terminado as alegações desse recurso - que veio a ser admitido como Apelação, a subir de imediato e com efeito meramente devolutivo -, oferecendo as seguintes conclusões3: ...

* Os Apelados, na resposta à alegação de recurso, defenderam a improcedência deste e a confirmação da decisão recorrida.

* III - As questões: Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil - doravante NCPC4 - o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”5 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

Como o recorrente pode circunscrever, expressa ou tacitamente, o âmbito de recurso, às questões que queira ver apreciadas pelo Tribunal “ad quem”, v.g. excluindo as restantes das respectivas “conclusões” (art.º s 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC), sendo estas, como se disse, que delimitam tal âmbito, é destituída de relevância a questão que, embora haja sido suscitada nas alegações, não conste das conclusões.

6 Salienta-se, pois, desde já, que, embora a Apelante verse, no corpo da sua alegação, a alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto, na medida em que a não incluiu, depois, nas “conclusões”, deixou-a excluída do objecto do recurso e, como tal - porque não se trata de questão de conhecimento oficioso - do âmbito da apreciação desta Relação.

Assim, para além das nulidades que o Apelante imputa à sentença, importará apurar se foi acertada a decisão de julgar os embargos procedentes e, em consequência, declarar a extinção da execução.

IV - A) - O Tribunal “a quo”, no saneador-sentença, considerou o seguinte quanto à matéria de facto, sob a epígrafe “II. Fundamentação de Facto”: «[…] Dos factos provados, com interesse para a decisão dos presentes embargos: 1. A exequente é portadora de uma livrança, no valor de €8.211,63 com data de emissão aposta de 21.05.2014, vencida em 11.06.2014, subscrita por C... e T..., por conta do contrato ..

.

  1. A Exequente celebrou com C... e T..., em 24/04/2008, um contrato de crédito com o n.º..., o qual teve por objecto o financiamento total de €16.059,16, para aquisição do veículo automóvel de marca Mercedes- Benz, com a matrícula ..., em conformidade com o documento junto a fls. 27 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

  2. Nos termos do mencionado contrato foi convencionado que os mutuários, ora embargantes, reembolsariam o montante mutuado em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de €264,98 cada, ocorrendo o vencimento da 1.ª prestação em 08.06.2008.

  3. A aludida livrança foi subscrita aquando da celebração do contrato aludido em 2., tendo ficado com os demais espaços de preenchimento em branco.

  4. Os embargantes liquidaram 28 prestações do aludido contrato.

  5. Aquando da celebração do contrato aludido em 2., o mesmo foi celebrado em duas vias, sendo o original constituído por uma folha com duas páginas de verso e anverso, em que a página de rosto, que é a página 1/2, é a página onde constam as condições gerais, e o anverso é a página 2/2, onde constam as condições particulares.

  6. Nas condições particulares do contrato de crédito aludido em 2, consta a seguinte declaração, colocada antes da assinatura dos clientes/mutuários “O(s) Cliente(s) declara(m) conhecer todas as condições e cláusulas do presente contrato de crédito (composto pelas presentes Condições particulares e pelas Condições Gerais constantes do verso ou de anexo ao presente documento), sobre as quais foi/foram devidamente informado(s), tanto por lhe(s) ter sido dar a ler, como por ter lhe(s) sido fornecido um exemplar do mesmo no momento da sua assinatura”.

  7. Do teor da Cláusula 10ª das Condições Gerais do Contrato resulta o seguinte: “O Cliente e, se aplicável, o (s) respectivos Avalista (s) autorizam a S... a preencher, caso exista, qualquer livrança ou outro documento ou garantia por si subscrito / avalizado e não integralmente preenchido, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo (s) Cliente / Avalista (s) perante a S... por força do presente contrato, e em dívida na data do vencimento, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem de títulos. A S... apenas poderá preencher o título de crédito referido na presente cláusula desde que se verifique o incumprimento definitivo por parte do cliente.” 9. Quer antes da assinatura do contrato, quer depois, os Embargantes nunca solicitaram quaisquer esclarecimentos acerca de qualquer cláusula que fosse à embargada.

  8. Os Embargantes detinham prazo para revogar o contrato após a assinatura do mesmo, prazo esse a que renunciaram, nos termos da declaração junta a fls. 28 dos autos que aqui se tem por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos.

  9. Os Embargantes autorizam o débito em conta para débito das respectivas prestações.

  10. Os Embargantes foram por diversas vezes contactados pela Exequente para regularizar as prestações em atraso, apresentando sucessivas promessas de pagamento.

  11. A Exequente/Embargada, através de carta registada com aviso de recepção datada de 03.03.2011 concedeu aos ora Executados/Embargantes um prazo suplementar de 15 dias úteis para liquidar os valores em dívida, à data computados em Eur.: 1.617,10€, findo o qual a mora se convertia em incumprimento definitivo, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 29 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

  12. Tais cartas não foram recebidas conforme se constata do respectivo A/R, com a menção de “Objecto não reclamado.

  13. Os Executados efectuaram os seguintes pagamentos: em 30-set-2011, 1046,88 €; em 30-ago-2011, 1050,00€; em 01-ago-2011, 1050,00€, em 30- jun-2011, 1050,00€ e em 08-abr-2011 a quantia de 669,53 €.

  14. Em 21 de Maio de 2014 a embargada enviou aos embargantes, carta simples, onde lhes comunicava que considerava definitivamente incumprido o contrato e que iria completar o preenchimento da livrança pelo valor global de €8.211,63, com vencimento em 11.06.2014, tudo em conformidade com o documento junto a fls. 32 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

* Dos Factos Não Provados: a) que a circunstância de o contrato ter a página de rosto, que é a página ½, onde constam as condições gerais e o anverso a página 2/2, com as condições particulares, levava a que os embargantes lessem todo o clausulado do contrato antes de o assinarem; b) que o executado marido, à data da celebração do contrato, estava inscrito como empresário em nome individual;.».

* B) - A livrança consubstancia título de crédito que se encaixa na previsão do artº 703, nº 1, c), do NCPC (cfr. al. c) do n.º 1 do art˚. 46º do pretérito CPC). Sendo o subscritor da livrança, responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (artº 78º da LEI UNIFORME RELATIVA A LETRAS E LIVRANÇAS) sobre aquele tem, o portador inicial, no caso de falta de pagamento, um direito de acção...

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