Acórdão nº 2010/12.6TBGMR-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

  1. C. (entretanto falecido) e mulher, A. G., residentes na Rua …, Guimarães, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra Sociedade M. S., com sede na Rua …, Guimarães, e Associação X, com sede na Rua da …, Lisboa, pedindo que: a- se declare nulas ou anuladas e de nenhum efeito as disposições constantes do testamento outorgado em 16 de junho de 2005, no Notário C. T., no que respeita ao legado instituído às Rés – Sociedade M. S. e Associação X – da totalidade dos prédios identificados nesse testamento e na petição inicial desta ação, pois que constituem uma liberalidade à non domino e de bens alheios, circunstâncias que eram do conhecimento do testador; E da disposição que limita e cerceia de forma ilegal a liberdade dos legatários, proibindo-os de transmitir eventualmente tais prédios aos Autores – A. C. e mulher e familiares, tudo com as consequências legais.

b- declare que os Autores – A. C. e mulher A. G. – como os únicos donos e proprietários de todos os prédios descritos no art. 1º desta petição, sendo que são exatamente os mesmos que são identificados no testamento em referência nesta ação e também da sentença proferida nos autos de ação ordinária n.º 302/2002, da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães, com todas as consequências legais.

Para tanto alegam, em síntese, serem os únicos proprietários dos seguintes prédios sitos na freguesia de ..., Guimarães: a- prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, destinado a habitação, sito na Rua …, inscrito na matriz sob o art. …º e descrito na Conservatória sob o n.º …; b- prédio urbano composto por edifício de cave, rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, destinado a comércio e habitação, sito na Alameda ..., n.ºs … a …, inscrito na matriz sob o art. …º e descrito na Conservatória sob o n.º …; e c- prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, destinado a habitação, sito no Largo ..., n.ºs .. e .., inscrito na matriz sob o art. …º e descrito na Conservatória sob o n.º …; A propriedade de tais prédios encontra-se inscrita em nome dos Autores na Conservatória do Registo Predial; Por escritura pública de 27/12/2010, E. B. vendeu aos Autores 3/8 daqueles prédios; Por escritura pública de 27/12/2010, M. C., por si e em representação da massa da herança de G. N., J. O. e R. G., bem como R. F., M. J., esta por si e em representação da massa da herança de G. N., J. O. e R. G. e, bem assim, J. C. e E. B. venderam aos Autores 3/8 daqueles prédios; Por escritura pública de 29/07/1993, R. G., vendeu aos Autores 2/8 daqueles prédios; Os Autores por si e antepossuidores, há mais de vinte anos que estão na posse pública, pacífica, ininterrupta, de boa-fé e à vista de toda a gente dos identificados prédios, com animus de verdadeiros donos, tendo, durante todo esse lapso de tempo, usufruído de todos os seus frutos, dando-os de arrendamento, fazendo obras de restauro e de conservação, utilizando-os no seu comércio e habitação, pagando todos os impostos e taxas inerentes à condição de donos; Há cerca de três anos os Autores tiveram conhecimento de um testamento outorgado por E. B., viúvo, falecido em -/06/2005, em que este declarou ser proprietário de três prédios, que são exatamente os mesmos de que os Autores são proprietários, e declarou doar ¾ partes indivisas dos mesmos à Ré “Sociedade M. S. e ¼ parte indivisa à Ré “Associação X”; Esses legados foram feitos com o encargo da Ré “Sociedade X suportar as custas judiciais e demais encargos do processo e que “caso a sentença reconheça o direito a seu favor e os prédios venham a ser efetivamente propriedade da Sociedade M. S. e da Associação X por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários, A. C., mulher ou seus familiares”; Acontece que o falecido E. B. nunca foi dono da totalidade dos prédios legados e sempre soube que apenas era titular de uma muito pequena parte dos mesmos; Acresce que ao impor que as legatárias nunca transmitissem os prédios aos Réus e familiares destes, o falecido E. B. instituiu uma condição contrária à lei, porque violadora da liberdade individual das pessoas, a qual é consequentemente nula; Por sentença proferida no processo 302/2002, da 2ª Vara Mista deste Tribunal, em que foi Autor o falecido E. B., e Réus os aqui Autores, transitada em julgado, foi julgado que os mencionados prédios pertenciam, na proporção de 3/8 e no regime de comunhão hereditária ao testador E. B., E. B., F. B., A. C., e em regime de comunhão hereditária por herança aberta por morte de A. G., E. F. e E. G.; na proporção de 3/8 em regime de comunhão hereditária a J. O., M. C., J. C. e M. J., por heranças abertas por morte de A. J. e G. N.; e os restantes 2/8 aos Autores, por compra a R. G., por escritura pública de compra e venda de 29/07/1993; Dessa sentença foi interposto recurso para a Relação e, posteriormente, para o STJ, que manteve o decidido quanto à titularidade da propriedade dos prédios, sendo que E. B. acompanhou tais processos e sabia que quando outorgou o testamento não era proprietário dos mesmos.

As Rés contestaram deduzindo incidente de intervenção principal provocada, na qualidade de comproprietários dos prédios, de:

  1. E. B.; b) M. C., esta por si e em nome e representação da massa da herança de G. N., J. O., R. G. e R. F.; c) M. J., por si e em nome e representação da massa da herança de G. N., J. O. e de R. G.; d) J. C., em nome e representação da massa da herança aberta por óbito do seu cônjuge G. N.; e) e de R. G..

    Mais requereram a intervenção principal provocada, na qualidade de herdeiros legitimários do testador E. B.: a) em representação do filho pré-falecido do testador, E. F., dos seguintes netos: E. B., R. B. e M. F.; b) em representação do filho pré-falecido do testador, E. G., do seguinte neto: A. C.; c) e na qualidade de beneficiárias do Fundo constituído, a que a Ré “Sociedade M. S. tem o encargo de administrar, de T. G., V. L., F. B. e E. B..

    Deduziram incidente de valor.

    Defenderam-se por exceção e impugnação.

    Impugnaram parte da factualidade alegada pelos Autores e invocaram a exceção da aquisição originária dos prédios por parte do testador E. B., alegando que este recebeu 3/8 partes dos referidos prédios por força de partilha homologada por sentença de 02/07/1960, produzida nos autos de inventário por óbito de seus pais, M. O. e G. A.; Em 03/11/1996, E. B. casou com Maria, no regime da comunhão geral de bens, casamento esse que foi dissolvido por óbito da mulher em 12/02/2004; Em 07/11/1986, E. B. fez partilhas verbais com os filhos, pagando-lhes as tornas entre eles convencionadas e recebendo deles a competente quitação em relação à meação que à mãe caberia no património comum do casal; Em 03/11/1986, por contrato-promessa de compra e venda, nunca reduzido a escritura pública, E. B. prometeu comprar a todos os demais interessados e comproprietários dos referidos prédios os restantes 5/8 que estes eram titulares, pagando a todos o preço convencionado e deles obtendo quitação; A partir de 03/11/1986, o testador E. B. passou a agir e a comportar-se em relação a esses prédios como verdadeiro e único proprietário dos mesmos, contactando diretamente os arrendatários, entre os quais os Autores, pagando as contribuições devidas, usando-os, gozando-os e fruindo-os na sua totalidade, sendo considerado seu proprietário exclusiva por toda a gente, incluindo pelos Autores e pelos serviços públicos, posse essa que sempre foi por ele exercida de modo ostensivo, mesmo perante as pessoas que lhe transmitiram as demais parcelas da propriedade em questão, sem violência, na convicção de que não lesava direitos de outrem, de modo contínuo e ininterrupto, à vista de toda a gente e com ânimo de quem usa e frui coisas próprias e sem oposição de ninguém; Excecionaram sustentando a nulidade, por simulação, dos negócios explanados nas escrituras públicas invocadas pelos Autores, alegando que estes têm perfeito conhecimento e consciência dos factos atrás referidos, não passando as escrituras públicas que invocam de documentos falsos, forjados, representando pretensas e fantasiosas transmissões que nunca ocorreram; Os transmitentes, para além de saberem perfeitamente de que de nada eram donos, limitaram-se a subscrever os textos em causa, sem nunca terem recebido dos Autores qualquer quantia e sem quererem vender, e sem efetivamente nada venderem, e os Autores sem nada comprarem, sequer quererem comprar, nada pagando e sem nada quererem pagar, sendo essas transmissões nulas por simulação; Os Autores não ignoram que em 03/11/1986, outorgaram com o testador E. B. um contrato-promessa de compra e venda dos prédios em causa e que nesse contrato o último se declarava dono exclusivo desses prédios e não ignoram que por conta desse contrato, que não cumpriram integralmente, porque não pagaram a totalidade do preço convencionado, chegaram a pagar ao testador E. B., a título de sinal, uma avultada quantia, que perderam por culpa própria, já que incumpriram esse contrato-promessa; Com vista a furtarem-se ao pagamento a E. B. do preço devido por força daquele contrato-promessa (6.500.000,00 euros), os Autores engendraram uma estratégia fraudatória, outorgando em 16/12/1998, no 1º Cartório Notarial ..., escritura de justificação, em que declararam que tinham comprado verbalmente, em meados de 1974, os prédios a R. G. e herdeiros de A. R. e que desde então vinham possuindo aqueles prédios, à vista de todos e sem interrupção e sem a menor oposição de quem quer que fosse, pelo que teriam adquirido aqueles prédios por usucapião, o que era puramente inventado por eles; Em 19/03/1999, os Autores requereram junto da Conservatória do Registo Predial o registo a seu favor daqueles prédios, instruindo a requisição com essa escritura de justificação e insistindo que os prédios não estavam inscritos naquela...

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