Acórdão nº 2542/19.5 T8VFX.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelAMÉLIA SOFIA REBELO
Data da Resolução22 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório 1. No âmbito do presente Processo Especial de Revitalização (PER) de W…, Unipessoal Lda foi proferida sentença pela qual, tendo concluído que Não se verifica, no caso, violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, se decidiu homologar o Plano de Recuperação conducente à Revitalização de ‘W…. Unipessoal, Lda., constante dos autos, aprovado por maioria dos credores, que vincula os credores, mesmo os que não tenham participado nas negociações.

  1. O credor Instituto da Segurança Social, IP apresentou recurso da sentença, requerendo a sua revogação com os fundamentos que aduziu em sede de alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões: - O presente recurso vem interposto da Sentença que homologou o Plano de Revitalização, W…., LDA, aprovado pelos Credores, porquanto a mesma viola o disposto nos art°s 195° e 215.° do CIRE, 190.° e sgts do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de setembro (alterado pela Lei n.° 119/2009, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.° 140-B/2010, de 30 de dezembro, pela Lei n.° 55-A/2010) e n.°s 2 e 3 do art.° 30.° da Lei Geral Tributária.

    - É à Lei que cabe a regulação da obrigação contributiva e não a uma vontade colectiva de Credores, o que permite a concessão de benefícios, moratórias, perdões fiscais, conseguidos não nos precisos e excepcionais termos da Lei, mas em resultado de uma vontade colectiva, o que constitui uma violação ao princípio da igualdade e da legalidade.

    - A alteração introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que aditou um n.° 3 ao art.° 30.° da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL 398/98, de 17de Dezembro, nos termos do qual “o disposto no n.° anterior [n. 2 do art.° 30.° da LGT “ O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.”] prevalece sobre qualquer legislação especial, sendo certa a aplicabilidade da norma, designadamente aos processos especiais de revitalização.

    - Qualquer autorização da regularização da dívida à Segurança Social deveria ser feita de acordo com as referidas normas, e implicaria sempre o acordo da Segurança Social.

    - À auto-regulação, consagrada no CIRE, impõe-se normas, em vigor no nosso ordenamento jurídico, que fixam limites e exigências formais e materiais que cremos não terem sido respeitados com a homologação do Plano em análise.

    - Nestes termos a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação da Lei, violando as disposições legais aplicáveis.

    - Sobre esta temática vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Novembro de 2010 (Proc. n.° 103/09.6 TYLSB.L1-1 E), de 15 de Dezembro de 2011 (Proc. n.° 1407/09.3 TYLSB-G.L 1) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Fevereiro de 2014 (1786/12.5TBTNV.C2.S1), disponíveis em www,.dgsi.pt.

    Concluiu pedindo a revogação da sentença.

  2. A requerente do PER apresentou contra-alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões: A. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, B. Aliás, nem nas alegações nem nas conclusões logrou a Recorrente concretizar os factos em que baseia a sua conclusão de que o seu crédito foi reduzido sem respeito pelo princípio da igualdade e legalidade tributária.

    1. Não pode a Devedora e os demais credores que aprovaram o plano com 69,37% dos votos, ficarem reféns da vontade da Recorrente.

    2. A decisão homologatória do plano não enferma de qualquer vício, interpretou e aplicou a lei correctamente, no estrito cumprimento da legalidade.

    3. E ainda que se considerasse a hipótese de o plano de revitalização aprovado conter cláusula violadora da norma imperativa do art. 30º, nº. 3 da LGT, deveria sempre ser homologado, pelos fundamentos melhor explanados na Douta Sentença, pois, no máximo poderia enfermar de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível ao Instituto da Segurança Social.

    4. Assim e ao contrário do que pretende a Recorrente, não merece a Sentença recorrida qualquer censura.

  3. Admitido e recebido o recurso, foi proferida decisão singular nos termos do art. 656º do CPC, que foi impugnada pela recorrente através de requerimento de recurso de revista que, por despacho da relatora, foi convolado e admitido como requerimento para a conferência prevista pelo art. 652º, nº 3 do CPC, que foi designada, com simultânea remessa dos autos aos vistos.

    II – OBJETO DO RECURSO Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto desta, tal qual como surge configurado pelas partes de acordo com as questões por elas suscitadas, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a analisar e a criar soluções sobre questões não submetidas à apreciação do tribunal a quo (de acordo com o pedido ou por dever de conhecimento oficioso) que, por isso, se apresentam como novas. Acresce que o tribunal não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, contidas nos elementos da causa (ou do incidente), se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto.

    Assim, considerando o teor da decisão recorrida e conforme conclusões enunciadas pelo recorrente, cumpre apreciar se o plano objeto da sentença recorrida viola o princípio da igualdade e/ou lei imperativa atinente com o regime legal de regulação da obrigação contributiva à segurança social e, na positiva, se tal violação obsta à sua homologação.

    III – FUNDAMENTAÇÃO

    1. Com relevo para o objeto em discussão, do processado nos autos resultam os seguintes factos: 1. Com o requerimento inicial do PER a Recorrida descreveu/apresentou: - relação de bens, correspondentes a equipamento informático e mobiliário de escritório (este, tomado de arrendamento a terceiro pela renda mensal de €450,00/mês), descritos em auto de penhora realizado em 06.08.2019 no âmbito de execução fiscal, e neste avaliados em € 5.675,00, e quatro veículos (dois Fiat Punto e dois Opel Corsa), que alegou serem objeto de contratos de locação celebrados com os credores Cetelem/BNP Paribas e Banco Credibom e em situação de cumprimento à data da instauração dos autos (cfr. art. 30º da petição inicial e doc. nº 5 junto com esta); - identificação dos trabalhadores ao serviço (seis); 2. Da lista de créditos definitiva elaborada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório constam relacionados créditos no montante total de € 290.031,42 distribuído por sete credores, dos quais, Autoridade Tributária (€ 116.635,68 a título de impostos), Banco BNP Paribas Persinal Finance, SA (€ 7.526,12 de capital emergente de contrato(s) com reserva de propriedade sobre dois veículos automóveis), Banco Credibom, SA (€ 5.681,15 de capital e € 1.071,16 de juros, emergente de contrato(s) com reserva de propriedade sobre dois veículos automóveis), e Instituto da Segurança Social, IP (€ 80.092,14 capital e € 8.738,82 de juros, a título de contribuições).

  4. Concluídas as negociações, a devedora juntou aos autos proposta de versão final de plano de revitalização que, publicitada, não foi objeto de pedido de alteração ou de censura; publicado anúncio advertindo da não junção de nova versão do plano, não foi apresentado pedido de recusa de homologação do Plano.

  5. Do Plano de Recuperação constam previstos planos de regularização das dívidas por categoria de credores, nos seguintes termos: A. Credores Privilegiados i) Autoridade Tributária a) Pagamento de 100% de todos os créditos vencidos à data da apresentação do PER; b) Pedido de redução dos juros de mora vencidos e vincendos nos termos e para os efeitos do disposto no Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de março; c) Liquidação das quantias de a) e b) em dívida em 106 (cento e seis) prestações mensais no valor de 1.060,32€, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D do CIRE; d) Manutenção das garantias existentes, nos termos do nº 13, do art. 199º do CPPT; ii Instituto de Segurança Social: a) Pagamento em 60 (sessenta] prestações mensais, e sucessivas.

    1. Solicitação de perdão de juros em 80% dos juros vencidos.

    2. Solicitação para Juros vincendos à taxa de 3,5% ao ano.

    3. A 1ª prestação do acordo vence-se no mês seguinte ao do transito em julgado da sentença de homologação do plano.

    1. Credores garantidos: Banco Credibom e Banco Cetelem -> Manutenção dos contratos em vigor.

    2. Credores Comuns a) Pagamento a 100% do capital em divida; b) Perdão integral de todos os juros e penalidades, incluídos juros de mora vencidos e vincendos e despesas de contencioso; c) Pagamento mensal dos créditos comuns no prazo de 150 (cento e cinquenta] prestações, com início no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano.

    4. Concluídas as negociações, o Sr. Administrador Judicial Provisório juntou resultado da votação do plano de revitalização e declarações de voto, dos quais resulta que o Plano foi votado favoravelmente por todos os credores inscritos na lista, com exceção do credor Instituto da Segurança Social, que emitiu voto desfavorável, correspondendo-lhe 30,63% do total dos créditos inscritos na lista.

  6. Da declaração de voto (correspondente a deliberação do Conselho Diretivo) apresentada pelo credor Instituto da Segurança Social consta, além do mais, que O plano de revitalização prevê uma taxa de juro vincendo inferior à legal num contexto em que tal não é legalmente admissível face à inexistência de garantias., e que Caso o plano de revitalização seja aprovado e homologado, o mandatário da Segurança Social deve interpor recurso da sentença de...

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