Acórdão nº 1167/20.7T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 17 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório C. M.
, apresentou-se à insolvência em 16-02-2020, alegando encontrar-se impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
Requereu a exoneração do passivo restante, predispondo-se a ceder todos os montantes que venha a auferir e que sejam superiores a dois salários mínimos nacionais.
Por sentença datada de 19-02-2020, às 11 h, foi declarada a insolvência do requerente e, além do mais, nomeado o administrador da insolvência (AI).
O AI apresentou relatório nos termos do artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o qual não mereceu oposição por parte dos credores. Juntou lista provisória de credores, pronunciando-se em sentido favorável ao deferimento do pedido de exoneração do passivo restante e ao valor indicado pelo requerente quanto ao montante dos rendimentos de que poderá dispor.
A 18-05-2020 foi proferido despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante no qual foi nomeado fiduciário o AI já designado, mais determinando o prosseguimento dos autos para liquidação e fixando «o rendimento da cessão ao Fiduciário no valor que exceda um salário mínimo nacional, contado 12 vezes por ano, a que acrescerá o montante despendido com a sua mãe, nos termos do disposto no art.º 1874 CC, desde que documentalmente comprovado, e enquanto tal obrigação perdurar».
Inconformado, veio o insolvente interpor recurso do despacho proferido a 18-05-2020 relativamente ao segmento que determinou o valor do rendimento disponível do insolvente a ceder ao fiduciário, terminando as respetivas alegações com as seguintes Conclusões (que se transcrevem): «A. O Recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo que fixou “o rendimento de cessão no valor que exceda um salário minino nacional, contado 12 vezes por ano, a que acrescerá o montante despendido com a sua mãe, nos termos do disposto no artº. 1874 CC, desde que documentalmente comprovado, e enquanto tal obrigação perdurar.” porquanto, se considera totalmente desajustado que o insolvente tenha de proceder à cessão de todos os valores que excedam 1 (um) salário mínimo nacional, bem como se considera que deverá ser considerado para o cômputo anual dos rendimento 14 (catorze) meses e não apenas os 12 (doze) tal como é sustentado no despacho recorrido.
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Na verdade, as despesas que o Recorrente tem de suportar consigo próprio (cifram-se nos €716,84 – Setecentos e Dezasseis Euros e Oitenta e Quatro Cêntimos, mensais), são superiores ao valor fixado pelo Tribunal a quo como sustento minimamente digno do Recorrente (€ 635,00 –Seiscentos e Trinta e Cinco Euros).
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Porém importa atender que todas as despesas que o Recorrente apresentou aquando da sua apresentação à insolvencia fazem parte da matéria de facto dada com assente, não contestada, tendo as mesmas sido inclusivamente secundadas pelo Exmo Senhor Administrador de Insolvência aquando da apresentação do Relatório a que alude o Artigo 155º do CIRE.
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Assim, com a renda da casa despende invariável e mensalmente a quantia de € 278,08 – Duzentos e Setenta e Oito Euros e Oito Cêntimos, à qual acresce ainda o valor de € 20,00 – Vinte Euros a título de condomínio - conforme DOC. 7 oportunamente junto aquando da apresentação de insolvência para o qual se remete.
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A água da habitação tem habitualmente um custo mensal de € 10,10 – Dez Euros e Dez Cêntimos, conforme DOC. 10 oportunamente junto aquando da apresentação de insolvência para o qual se remete; F. Em eletricidade e gás, despende cerca de € 55,00 – Cinquenta e Cinco Euros Mensais, conforme DOC. 9 oportunamente junto aquando da apresentação de insolvência para o qual se remete; G. No que tange a serviços de telecomunicações custeia cerca de € 65,00 – Sessenta e Cinco Euros, conforme DOC. 11 oportunamente junto aquando da apresentação de insolvência para o qual se remete; H. No que concerne à alimentação o valor alocado cifra-se nos € 250,00 – Duzentos e Cinquenta Euros; I. Despesas medicamentosas e com lentes intraoculares € 35,00 – Trinta e Cinco Euros, conforme DOC. 5 oportunamente junto aquando da apresentação de insolvência para o qual se remete; J. Relativamente a despesas com os resíduos urbanos € 11,00 – Onze Euros, trimestralmente; K. Pelo que, tudo considerado, comprovadamente o ora Recorrente despende mensalmente pelo menos a quantia de € 716.84 – Setecentos e Dezasseis Euros e Oitenta e Quatro Cêntimos!!! L. Concomitantemente ficou demonstrado que, sendo o devedor filho único e cuidador (exclusivo) da sua progenitora que padece de inúmeras comorbilidades, viu-se forçado a contratar os serviços de uma IPSS – Centro Social de ...
para a prestação dos serviços especializados de que esta necessita sendo que apenas para este fim são absorvidos cerca de 65 % da totalidade dos rendimentos daquela.
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A evidente debilidade física que a progenitora do devedor evidência implica a assunção de despesas com fraldas e resguardos para colchões que mensalmente se computam na quantia de cerca € 140,00 Cento e Quarenta Euros, às quais acrescem naturalmente as medicamentosas de que carece e que se cifram nos cerca de € 20,00 – Vinte Euros.
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Pois bem, considerando que a progenitora do Insolvente aufere € 513,00 – Quinhentos e Treze Euros, de pensão de reforma, e comprovadamente despende € 476,00 – Quatrocentos e Setenta e Seis Euros, sendo que para este cômputo não foram consideradas as suas naturais despesas de alimentação, vestuário, água, eletricidade, residios, higiene e médicas que, conforme facilmente se alcança são suportadas pelo insolvente, com o recurso aos seus rendimentos, porquanto a exígua verba remanescente de € 37,00 – Trinta e Sete Euros é manifestamente insuficiente para o sustento minimente digno de quem quer que seja.
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Na verdade, e considerando a realidade inserta nos autos, se entende que o Recorrente forneceu elementos suficientes e idóneos, para em concreto, e de uma forma objetivável, por in crise a razoabilidade do critério acolhido na decisão recorrida e que deveria ser outra que considerasse como indispensável ao sustento minimamente digno do recorrente o valor correspondente a 2 (dois) Salários Mínimos Nacionais (SMN), até porque a exclusão a que alude o Artigo 239º nº. 3 al. b) subal. i) do CIRE tem que ver com aquele montante que seja razoavelmente necessário às necessidades e exigências que a subsistência e sustento colocam em concreto ao Recorrente fazendo eco da denominada “clausula do razoável” e do “principio da proibição do excesso”.
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A este propósito atente-se ainda que a utilização de conceitos abertos e de grande amplitude interpretativa empregues por parte do legislador aquando da feitura da norma supra citada impõe, necessariamente, um juízo de ponderação casuística por parte do julgador relativamente ao montante a fixar, que, salvo o devido respeito, nos presentes autos não ocorreu, motivo pelo qual se sustenta que o Tribunal a quo violou o disposto no Artigo 239º nº. 3 al. b) subal. i) do CIRE, que aqui expressamente se invoca.
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Ademais, as despesas que o Recorrente apresentou e comprovou não se mostram descabidas ou desproporcionais à vivencia digna, sendo manifesto que não lhe poderá ser imposta uma cessão de rendimento disponível em que apenas seja salvaguardado 1 (um) Salário Mínimo Nacional (SMN), acrescida das despesas suportadas com a sua mãe, dado que resulta totalmente claro que as mesmas se revelam manifestamente insuficientes para as despesas mensais a que se encontra adstrito.
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Aquando da apresentação do Relatório a que alude o Artigo 155º do CIRE, o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, pugnou pela exclusão de 2 (dois) Salários Mínimos Nacionais, porquanto a situação em particular em que se encontra o Insolvente assim o impõe – “ (…) devido às despesas apresentadas entendemos que deve ser o valor referido pelo insolvente.” – in Pág. 7 do Relatório para efeitos do Artigo 155º do CIRE, Capitulo – Exoneração do Passivo Restante.
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De referir que o peticionado na presente alegação não nos parece inconciliável com o regime jurídico da exoneração do passivo restante, até porque, conforme ensina o Prof. Paulo Mota Pinto, enquanto o devedor não estiver exonerado, o seu acesso ao crédito está limitado, pelo que os credores terão “interesse em que o devedor peça uma exoneração do passivo restante, caso não lhe seja possível pagar, até para voltar a ter incentivo para o exercício de uma atividade profissional, e para poder voltar recorrer ao crédito.”, Paulo Mota Pinto, “Exoneração do passivo restante: Fundamento e Constitucionalidade” in III Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015 Exoneração do Passivo Restante.
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Nesta conformidade e salvo o devido respeito por opinião contrária, se sustenta que o entendimento constante do douto despacho recorrido que determinou a cessão naqueles moldes é perfeitamente desajustado com a casuística do caso concreto, e nessa medida injusto e desequilibrado porquanto não foi convenientemente enquadrada a particular situação do Recorrente, e por maioria de razão da sua progenitora, tendo sido feito uma errónea interpretação do disposto no Artigo 239º nº. 3 al. b) subal. i) do CIRE, devendo ser revogado o despacho por um outro em que se fixe um rendimento excluído da cessão que permita assegurar o seu sustento digno, bem como da sua progenitora, que se entende ser, no caso em apreço, como adequado o correspondente a 2 (dois) Salário Mínimos Nacionais (SMN).
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O Recorrente não se pode conformar do mesmo modo que o seu rendimento global anual considerado para efeitos de cessão seja dividido por 12 (doze) quando a remuneração de todos os trabalhadores, é calculada tendo em consideração 14 (catorze) meses no ano.
V. Assim, e enquadrando, a norma aqui sub judice, o Artigo 239º do CIRE, estabelece dois limites a que o julgador se encontra adstrito quando fixa o montante que o devedor vai passar a ceder ao fiduciário. O primeiro desses limites refere-se...
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