Acórdão nº 1283/18.5T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 17 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório I. C. instaurou, no Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “X – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A”, e F. J., pedindo a condenação da primeira Ré e, subsidiariamente, do segundo Réu, no pagamento da quantia de € 8.000 (oito mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.
Para o efeito alegou, em resumo, que entre a primeira Ré e o segundo Réu foi celebrado um contrato de seguro que tinha como objecto o imóvel melhor identificado no artigo 5.º da petição inicial, de que I. C. é proprietária e o Segundo Réu comodatário.
Sucede que, em 6 de Março de 2015, parte da varanda e revestimento do referido imóvel ruiu parcialmente por cima do veículo com a matrícula ZD, de que é proprietária desde Março de 2011, provocando-lhe danos e impossibilitando-o de circular, pretendendo, assim, a Autora ser ressarcida do valor correspondente à desvalorização do veículo (€ 6.500) ou à sua reparação (€ 5.028,57), bem como do custo com o seu depósito (€ 750) e da privação do seu uso (€ 750).
*Citados os Réus, apenas a Ré “X – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A” apresentou contestação, pugnando pela total improcedência da acção (ref.ª 31037680).
Confirmou a existência do contrato de seguro do ramo riscos múltiplos habitação – protecção casa, alegando não ter ocorrido qualquer sinistro ou evento fortuito, súbito e imprevisto susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato, não estando preenchidos os pressupostos cumulativos de alguma das coberturas do contrato de seguro, porquanto o desprendimento e consequente queda de massas de revestimento do tecto da placa de cobertura da varanda que ocorreu no dia 6 de Março de 2015 e atingiu a viatura da marca Mercedes com a matrícula ZD teve como causa a infiltração de águas pluviais nessa mesma placa que ocorreram devido à inexistência de perfis na extremidade da cobertura, pelo que estão os danos excluídos nos termos do artigo 4.º das condições do contrato de seguro.
Mais alegou não ter aplicação o disposto no artigo 492.º do Código Civil, por não terem sido alegados vícios de construção ou defeitos de conservação, sendo certo que a proprietária do imóvel é I. C. e não o segundo Réu, a quem a Autora não imputa factos concretos que permitam concluir pela sua responsabilidade.
Por fim, alegou que, a serem os Réus responsáveis, apenas seriam obrigados a pagar o valor da reparação.
*Concedido o contraditório, a Autora pugnou pelo indeferimento da matéria de excepção invocada, concluindo como na petição inicial (ref.ª 31555220).
*Foi fixado o valor à causa e proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido admitidos os meios de prova (ref.ª 162439210).
*Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (ref.ª 165919569).
*Posteriormente, a Mmª. Julgadora a quo proferiu sentença, datada de 17.12.2019, (ref.ª 165935893), nos termos da qual, julgando totalmente improcedente a presente acção, absolveu os réus dos pedidos.
*Inconformada, a autora interpôs recurso da sentença (ref.ª 34885250) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Com o presente recurso visa a recorrente questionar a apreciação da prova feita do que resultará ser posta em crise a sentença recorrida.
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Salvo o devido respeito pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, que é verdadeiro e é muito, constitui um equívoco manifesto da mesma não ter dado como provado o ponto 2, dos factos não provados onde se refere: “Por contrato de comodato, a proprietária do imóvel referido em D. emprestou-o, pelo período de 3 anos, ao segundo réu F. J., acordo subsequente ao divórcio que ocorreu entre ambos em Fevereiro de 2013. (artigo 6.º da petição inicial)”.
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Quer a Autora, cujo depoimento ficou registado/gravado no sistema H@bilus Media Studio (10:09:57 horas a 10:41:51 horas); quer o Réu F. J., cujo depoimento ficou registado/gravado no sistema H@bilus Media Studio (10:09:57 horas a 10:41:51 horas) - CD nº 831, quer a testemunha I. N., cujo depoimento ficou registado/gravado no sistema H@bilus Media Studio (11:26:47 horas a 11:42:00 horas) - CD nº 831; quer a testemunha R. N., cujo depoimento ficou registado/gravado no sistema H@bilus Media Studio (10:57:00 horas a 11:03:31 horas) - CD nº 831, na audiência de julgamento que ocorreu no dia 18.11.2019, todos referiram expressamente, que o Réu F. J. tinha um legítimo interesse em segurar os bens e em continuar a ser tomador do referido seguro, pois, por um lado, viveu sempre no descrito imóvel, nunca tendo saído do mesmo, o seguro foi realizado inicialmente em seu nome, e mesmo depois do divórcio o Réu F. J. continuou a habitá-lo, a dívida que onerava a descrita habitação, com hipoteca, até ao limite de 136.760,00 euros, continuava a ser sua e hoje ainda é assim e mensalmente contribuía com o pagamento de metade daquele empréstimo, aliás como resulta da lei e é seu dever.
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Resultou assim evidente que o Réu F. J. tinha um legítimo interesse em continuar na posição de tomador no referido seguro e que o mesmo não era um estranho à referida habitação.
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E, finalmente, salta à vista que, se o mesmo Réu não era inquilino e continuou a viver na referida habitação, ocupando-a em parte, desde 2009 até hoje, apesar de não existir um documento escrito denominado comodato, é inequívoco que existia uma relação que se consubstancia num verdadeiro comodato, não celebrado pelo prazo de três anos, mas por acordo, o comodato terminaria no dia em que o Réu e a sua ex-mulher vendessem a referida habitação.
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Perante estes factos esclarecedores ditos por todos em audiência de julgamento e que constam do referido documento “certidão”, junto como doc. n.º 2 da petição inicial e que são verdadeiros, como poderia o indicado Réu não estar na referida habitação a título de empréstimo (comodato), pelo que entende o recorrente que é impossível este facto não ser dado como provado.
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Termos em que se impõe alterar a matéria de facto neste ponto dando-se como provado: “Por contrato de comodato, a proprietária do imóvel referido em D. emprestou-o, ao segundo Réu F. J. e autorizando a viver consigo no mesmo, por acordo subsequente ao divórcio que ocorreu entre ambos em fevereiro de 2013, até ao dia em que a referida habitação fosse vendida, não tendo a mesma sido vendida até hoje.” 8. Todos os depoimentos, declarações de parte e confissão supra descritos e prestados em audiência de julgamento de 18.11.2019, resultam da lógica das coisas, ninguém os colocou em causa, são verdadeiros, pelo que a recorrente questiona-se de como poderia o indicado Réu não ocupar o dito imóvel sem legítimo interesse, sem comodato, ainda que não passado a escrito. Não é aceitável! 9. Dos descritos depoimentos e declarações não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto à cabal posição do Réu F. J. como tomador do seguro, pois ocupava e residiu sempre na descrita habitação e o crédito e hipoteca sobre a mesma também era da sua responsabilidade. Perante estes factos, que são verdadeiros, não é, de todo em todo, plausível nem aceitável dar este facto como não provado.
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O recorrente pede a este Venerando Tribunal que proceda à alteração da matéria de facto, no indicado ponto 2, dos factos não provados, aditando-a nos termos agora indicados, pois a decisão de facto sobre este ponto padece de erro notório, evidente e manifesto.
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Analisando os factos supra indicados é verdadeiramente obrigação e dever deste Venerando Tribunal, em correta interpretação do alíneas a) e b) do n.º do art.º 5º e n.º 1 do art.º 662º todos do CPC alterar a matéria de facto quando a prova produzida o justifica, pelo que se impõe alterar a descrita matéria de facto, embora o comodato (empréstimo) não tenha sido feito pelo prazo de três anos, mas até à venda da habitação, pois estes factos são evidentes e resultaram demonstrados em audiência de julgamento e do documento não impugnado (certidão), o que devem fazer, nos termos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5º e do n.º 1 do art.º 662º, todos do CPC.
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Quanto à interpretação das condições gerais do contrato de seguro em causa nestes autos, refere o ponto 18, do artigo 2º, das indicadas condições gerais: “Responsabilidade civil extracontratual como ocupante legítimo do imóvel”. Onde estão descritos os seguintes risco cobertos por este seguro: 1. “Garante o pagamento de indemnizações que, a título de responsabilidade civil extracontratual e até ao limite fixado nas Condições Particulares, possa ser exigido ao Segurado na sua qualidade de proprietário do imóvel seguro por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em virtude de quaisquer dos riscos identificados neste artigo.” 2. Para efeitos do número anterior, por ocupante legítimo entende-se, nomeadamente, o usufrutuário, o arrendatário, o comodatário ou qualquer outro titular de direito que confira ao Segurado o uso legítimo do imóvel.
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Sendo o Réu F. J. um ocupante legítimo do referido imóvel e em consequência tomador do seguro em questão, resulta que tendo o imóvel causados danos a terceiros, que se inserem dentro dos riscos descritos, os mesmos terão de ser ressarcidos pela Ré Seguradora.
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Em face destas cláusulas resulta evidente que a ré Seguradora tem de pagar a terceiros os danos que lhe sejam causados pelo referido imóvel destinado a habitação.
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A causa direta dos danos da Autora “queda de reboco” não está expressamente excluída pelas indicadas condições gerais do contrato de seguro.
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Para a Ré Seguradora não ter de pagar qualquer indemnização a terceiros, em concreto à recorrente, tinha de provar que os danos da Autora, aqui recorrente, não se ficaram a dever a defeito de construção ou falta de conservação, ou que se verificariam mesmo...
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