Acórdão nº 5688/16.8T8LRS.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS OLIVEIRA
Data da Resolução19 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO A [ Natividade …] , veio propor a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra B [ Francisco …..] , pedindo que o R. seja condenado a cumprir com a obrigação a que se vinculou através de escritura pública outorgada em 14 de Abril de 2015, assumindo a qualidade de avalista da firma “Servidoce”, no plano de pagamento prestacionais à Segurança Social - processo n.º 1101201000884634/R0037533/2014 - em substituição da A.; e, alternativamente, caso tal não fosse possível por impedimento da Segurança Social, a indemnizar a A. por todos os prejuízos que tal omissão lhe venha a causar, nos termos dos princípios da responsabilidade contratual; e ainda pagar à A., a título de indemnização, a quantia de €40.000,00, para a compensar pelos danos morais, por si causados na esfera pessoal desta, nos termos do Art. 483º do CC., mais juros contados da citação.

Para tanto alegou que em 2 de Janeiro de 2014 foi nomeada gerente da firma “Servidoce, Produtos Alimentares, Lda.”, tendo no exercício dessas funções dado o seu aval pessoal ao plano de pagamento prestacional acordado entre essa firma e a Segurança Social, no processo n.º 1101201000884634/R0037533/2014, pelo valor de €85.582,70.

Entretanto, pela escritura de 14 de Abril de 2015, o R. adquiriu a totalidade das quotas da firma “Servidoce”, tornando-se o seu único sócio e gerente, tendo a A. renunciado a essa gerência.

O R. também se comprometeu a assumir o passivo da firma, confessando-se como principal e único pagador das dívidas existentes, assumindo a posição de avalista da sociedade, referente aos planos prestacionais nas Finanças e Segurança Social, que até então eram avalizados pela A., obrigando-se a tratar da desvinculação desta, quer da gerência, quer dos avais.

Sucede que, o R. não cumpriu o acordado, nada tendo feito quanto à desvinculação da A. dos avais prestados, como também por se recusar a assinar qualquer documento que esta lhe apresente para o efeito, desconhecendo se o R. se encontra a cumprir ou não os compromissos com a Segurança Social.

Segundo informação obtida junto da Segurança Social, bastaria ao R. assinar o contrato, cujo modelo juntou, para que a A. cesse as suas obrigações como avalista e aquele passe a assumi-las em seu lugar, sendo que a Segurança Social não colocou qualquer objeção à troca de avalistas entre si e o R., estando assim este a incumprir os compromissos que assumiu e que estaria obrigado a realizar (Art.s 397.º, 398.º e 817.º do C.C.).

Por força disso o R. estaria também obrigado a indemnizar a A., nos termos do Art. 798º do C.C., por todos os danos que esta tenha ou venha a ter em consequência de aquele não ter assumido o aval, conforme se obrigou em 14 de Abril de 2015.

Acresce que esta situação tem causado enorme transtorno à A., a qual receia pelo seu património pessoal e pelo seu bom nome, tendo esta preocupação e incerteza causado insónias, instabilidade e ansiedade, que agravam a sua saúde, pretendendo por isso ser indemnizada, nos termos do Art. 483º do C.C., pelos danos morais que sofreu em valor não inferior a €40.000,00. Citado, o R. contestou, dizendo que a obrigação em causa perante a Segurança Social, de que a A. é garante, trata-se de dívida pessoal desta decorrente da reversão de uma anterior dívida da “Servidoce”, não estando por isso abrangida pelo negócio celebrado entre as partes. De qualquer forma a dívida para com a Segurança Social de que a A. é garante está a ser paga, não existindo qualquer incumprimento.

Aproveitou para também deduzir pedido reconvencional no sentido da A. ser condenada a pagar, a título de indemnização pelos danos patrimoniais provocados ao R., a título de procuradoria, custas judiciais e lucros cessantes, o montante global de €20.000,00; e a título de danos não patrimoniais, a pagar a quantia de €50.000,00; ambas acrescidas de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento. Todos esses pedidos decorrentes de danos morais e patrimoniais decorrentes da instauração desta ação.

A A. replicou impugnando o alegado na reconvenção.

Findos os articulados, veio a realizar-se audiência prévia, na qual, na sequência de suspensões de instância com vista às partes a chegarem a acordo, veio a ser proferido despacho saneador tabelar e foi anunciada a possibilidade de conhecimento imediato do pedido da A..

Dada oportunidade às partes de se pronunciarem, nos termos do Art. 3º n.º 3 do C.P.C., a A. pugnou pela procedência do pedido, mais referindo que o que pretende é que “o tribunal se substitua ao R. no pedido - entrega à segurança social de um requerimento no qual conste um pedido de substituição da A., enquanto avalista, pelo próprio R., assumindo este a mesma posição daquela perante essa entidade - através de sentença da qual conste que o mesmo tribunal, em substituição do R., solicita a substituição deste enquanto avalista nos termos peticionados”.

O R. veio dizer que concorda com o entendimento do Tribunal.

Cumprido assim o contraditório, veio a ser proferido despacho saneador sentença, nos termos do qual julgou não admitir os pedidos reconvencionais e, apreciando o mérito da causa, julgou a ação improcedente por não provada, absolvendo o R. dos pedidos contra si formulados, condenando a A., ao abrigo do Art. 531º do C.P.C. e Art. 18.º do R.C.P., em 5 U.C.s de taxa sancionatória por motivo da ação ser manifestamente improcedente e a parte não ter agido com a prudência ou diligência devida.

É dessa sentença que a A. interpõe recurso de apelação, tendo no final das suas alegações apresentado as seguintes conclusões: A. A decisão em crise é nula, nos termos do artigo 615º n.º 1 al. a) do C.P.C. pois, em parte alguma da sentença ora recorrenda o tribunal a quo especifica um, ou mais, fundamentos de direito, que o levam a decidir da forma como o fez, absolvendo o Recorrido do pedido contra si formulado pela Recorrente. Nem de forma clara e direta, nem de forma transversal ou por analogia. Apenas e só tece considerações de facto.

  1. Devendo o tribunal a quo proceder em conformidade com o disposto no Art. 617º do mesmo diploma e, se assim o entender suprir o invocado vício ou proceder à reforma da sentença, ou ainda, caso assim não entenda, determinar a subida do presente recurso para o tribunal competente.

  2. Contrariamente ao que vem referido na sentença ora recorrenda: “O pedido da autora é que o réu seja condenado a cumprir essa “obrigação” (…)”, “O ato jurídico pretendido é a desvinculação da autora do aval prestado à SS pelas dividas da Servidoce.”, sic. , a Recorrente não pretende que o Recorrido seja condenado a substitui-la como avalista, pois, conforme deixa bem claro na sua PI e na fundamentação que lhe foi solicitada na Audiência Prévia, tal ato, a efetivação da substituição, depende da aceitação da Segurança Social. A recorrente sempre pretendeu, outrossim, que o Recorrido cumprisse com a obrigação que assumiu, através de escritura pública, de diligenciar pelo envio e preenchimento do requerimento dirigido à segurança social para o efeito.

  3. Refere a sentença, ora recorrenda, que “O Direito atribui eficácia jurídica aos atos das pessoas, mas estas têm de agir de forma a acautelar que as suas ações sejam de molde a produzir efeitos jurídicos e especificamente os efeitos jurídicos que pretendem. (…)”, tal argumentação, além de não ter qualquer suporte legal, vai contra os princípios civilísticos de direito das Obrigações, quer da Segurança Jurídica, quer da Segurança do Trato Negocial.

  4. A Recorrente agiu de acordo com o que juridicamente estava ao seu alcance para assegurar que a sua pretensão estaria salvaguardada pelo direito, assegurando-se que o Recorrido, através de um documento público e autêntico, ou seja, uma escritura pública, se comprometeu a diligenciar para que substitui-la na qualidade de avalista da firma Servidoce, perante a SS, fazendo tudo o que estivesse ao seu alcance para o efeito.

  5. A natureza da obrigação é fungível e a possibilidade do seu cumprimento é manifestamente existente. Trata-se de uma prestação de facto positivo, uma ação, que consiste na emissão de uma declaração, no mesmo sentido, vai a opinião do Professor A. Menezes Cordeiro, explicando que uma “(…) prestação de facto positivo pressupõe uma ação na qual o devedor está adstrito à realização de uma atividade (…) que pode ser a prestação de um facto jurídico.”. Exemplificando com uma situação idêntica à dos autos, em que I se obriga a celebrar um contrato com J, conferindo a este último um direito de crédito de uma obrigação sobre aquele.

  6. É inequívoco que o Recorrido se obrigou, perante a Recorrente, a assumir o passivo da firma, confessando-se como principal e único pagador das dívidas existentes, bem como, a assumir a posição de avalista da sociedade, referente aos planos prestacionais nas Finanças e Segurança Social, que até à data da mencionada Escritura, eram avalizados por esta. Mais se comprometendo a tratar de todos os assuntos relacionados com a desvinculação da Recorrente quer da gerência, quer dos avais.

  7. Não tendo o Recorrido cumprido com o que se comprometeu perante a Recorrente e perante a sociedade, cabe ao tribunal, ao abrigo dos princípios acima invocados, substituir-se ao mesmo no requerimento a apresentar à segurança social para que a Recorrente seja desvinculada da qualidade de avalista da firma em questão, passando o Recorrido a assumir este papel perante a segurança Social, devendo ser proferida sentença condenatória neste sentido.

    1. Ainda que o tribunal a quo entenda, que a ação seja improcedente, não poderá, salvo o mais douto respeito, imputar à Recorrente falta de estudo, zelo, ou diligência na forma como estruturou a sua PI e todos os articulados posteriores a este.

  8. O valor processual dos autos respeitou os critérios legais no seu apuramento.

  9. Motivo pelo qual deve a decisão a quo ser revogada nesta parte, não havendo lugar à...

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