Acórdão nº 278/17.0PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução14 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de tribunal singular, com o NUIPC 278/17.0PBGMR, a correr termos no Juízo Local Criminal de Guimarães (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, realizado o julgamento, foi proferida sentença a absolver a arguida, G. B., da prática do crime de subtração de menor, p. e p. pelo art. 249º, n.º 1, al. c), do Código Penal que lhe era imputado, bem como a julgar improcedente o pedido de indemnização civil contra ela deduzido pelo assistente e demandante civil, J. F., absolvendo-a do peticionado.

  1. Inconformados, interpuseram recurso da sentença o Ministério Público e o assistente.

    2.1 - A Exma. Procuradora da República extraiu da respetiva motivação as conclusões que a seguir se transcrevem[1]: «1.

    A Mmª. Juiz do Tribunal a quo absolveu a arguida G. B., por entender que o incumprimento do regime das responsabilidades parentais por parte da arguida foi justificado, na medida em que a arguida foi em busca de mais e melhores condições de vida para si e para a sua descendente.

  2. Porém, com o devido respeito, entendemos que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação do artigo 249º, n.º 1, al. c) do Código Penal.

  3. Face à factualidade provada, dúvidas não há de que a arguida praticou todos os atos objetivos do crime em apreço, porquanto levou a menor para o Brasil, sem o conhecimento e o consentimento do progenitor, incumprindo não só o regime de visitas estabelecido no acordo de regulação das responsabilidades parentais, mas também afastando definitivamente o pai da filha, que desde então nunca mais a viu, falando com a mesma apenas com o recurso a meios informáticos.

  4. Face à redação atual do artigo 249º do Código Penal, o bem jurídico protegido apresenta-se como complexo englobando, por um lado, o interesse do menor, no sentido de estar próximo da sua família, de ambos os seus progenitores, mas por outro os interesses da família, em especial dos progenitores, de que o menor se mantenha no seio da sua família e com eles mantenha a maior proximidade possível.

  5. Com a sua conduta, a arguida violou não só o superior interesse da menor, que ficou privada de qualquer convívio com o pai, como o interesse deste que, não mais viu a sua filha.

  6. A arguida ausentou-se para o Brasil, levando consigo a menor, para ali passar a residir e fê-lo sem qualquer autorização do assistente/progenitor e sem sequer lhe dar conhecimento de que partiria do país levando consigo a filha de ambos.

  7. A arguida também não deu qualquer conhecimento ao Tribunal de Família e Menores, nem obteve do mesmo autorização para deslocar a menor do país.

  8. Ao fazê-lo, à revelia de todos, a arguida impediu definitivamente, até à presente data, o assistente/progenitor de conviver com a sua filha.

  9. A forma como foi feita pela arguida esta “busca por uma vida melhor” parece-nos não só moralmente censurável, como criminosa, porquanto, de um modo reiterado e injustificado, a arguida privou a menor de conviver com o seu pai. Injustificado porquanto nunca foi apresentada qualquer razão válida para a arguida não ter intentado, junto do Tribunal de Família e Menores um incidente para a alteração da regulação das responsabilidades parentais. Injustificado porque foi intenção da arguida furtar-se a um juízo por parte daquele Tribunal daquilo que seria melhor para o superior interesse da sua filha, se ficar em Portugal se ir para o Brasil.

  10. Face à factualidade dada como provada e face à letra da lei, forçosamente terá de ser dado como provado que “A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, com o desígnio de impedir que o assistente/pai da menor jamais estivesse com esta e que agiu, ainda, com o intuito de privar o convívio entre o assistente e a filha de ambos.” 11.

    A interpretação que o Tribunal a quo deu ao artigo 249º do Código Penal é inconstitucional, porquanto violadora do disposto no artigo 36º da Constituição da República Portuguesa.

  11. Discordamos também da interpretação alargada da palavra “convivência” feita pelo Tribunal a quo. Falar com alguém apenas pelo “whatsapp” não é conviver. Daí que deva ser eliminado dos factos não provados o facto ao qual foi atribuído o n.º 1 e, na factualidade dada como provada, ao facto n.º 8 deve ser dada a seguinte redação “Não obstante tal conhecimento, a arguida viajou para o estrangeiro, levando a sua filha menor consigo o que impossibilitou que o outro progenitor pudesse conviver com a mesma.” 13.

    Padece também a douta sentença de uma insuficiência, para a decisão, da matéria de facto dada como provada, vício previsto na al. a), do n.º 2, do artigo 410 do Código de Processo Penal.

  12. Não pode o Tribunal afirmar que é legítima, por parte da arguida, a busca de mais e melhores condições de vida, quando sequer apurou, como lhe competia, as condições de vida atuais e no passado da arguida. Estes elementos seriam importantes para avaliar um eventual “estado de necessidade” por parte daquela.

    Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogar-se a douta sentença proferida nos autos e substituí-la por outra que condene a arguida G. B.

    pela prática do aludido crime de subtração de menor, pelo qual a mesma vinha acusada. (…)» 2.2 - Por seu turno, o assistente formulou as seguintes conclusões (transcrição): «1ª - O regime de convivência do pai com a sua filha é mais do que um direito de visita, equivalendo ao direito que o progenitor sem a guarda do filho tem de se relacionar e conviver com este. Mais do que um direito do progenitor não guardião, é um direito da própria filha em receber o carinho e o afeto de ambos os pais, como forma de minimizar a falta que, com certeza, sente por não os ter, a ambos, sempre junto de si. Tal direito é uma concretização da norma do art. 36º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

    1. - No âmbito da regulação geral do exercício das responsabilidades parentais, os menores não podem ser retirados da casa de morada de família apenas por decisão de um dos progenitores, nos termos do art. 1887º nº 1 do CC.

    2. - O Regulamento CE 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, art.º 2º, nº 9 e 11, classifica a deslocação e retenção unilateral do menor, para local diverso do que lhe fora destinado pelos seus progenitores, como ILÍCITA.

    3. - O convívio entre pai e filho, é muito mais do que uma chamada de WhatsApp, Messenger, e-mail ou telefone. O convívio é poder passear, fazer refeições, beijar, abraçar, acariciar, adormecer, ir a uma festa, celebrar o seu aniversário, enfim, um sem fim de atividades que permita ao pai conviver com a sua filha em carne e osso, e vice-versa.

    4. - O bem jurídico a proteger na redação do art. 249º, nº 1, c) continua a ser a garantia da integridade do exercício dos poderes deveres inerentes às responsabilidades parentais, devendo este comando ser sempre lido em conjugação com os artigos 1906º a 1908º do Código Civil, cujo respeito a norma penal visa garantir.

    5. - A arguida conhecia o teor do acordo de regulação das responsabilidades parentais por si aceite e homologado judicialmente não obstante esse fator ausentou-se para o estrangeiro, sem qualquer autorização do assistente ou do tribunal, e sem sequer dar conhecimento ao progenitor da menor, impedindo-o de conviver com a filha, com a agravante de desconhecer inclusive o respetivo paradeiro.

    6. - O superior interesse da criança que deve prevalecer foi aqui absolutamente desrespeitado pela mãe sem qualquer justificação para a conduta.

    7. – O superior interesse da criança deve constituir o núcleo central dos interesses que o art. 249º visa tutelar, pois, a criança é o centro e a destinatária primordial do regime legal em vigor e para garantir esse interesse é imprescindível que o exercício das responsabilidades parentais possa ser levado a cabo de forma plena e sem manobras interesseiras de um dos progenitores sobre o outro com desrespeito pela criança e pelo que fora acordado.

    8. - O crime de subtração de menores insere-se assim num contexto melindroso, em que a atuação do Estado deve ser moderada e ponderada, devendo todos os intervenientes prosseguir o interesse superior da criança, sem esquecer que isso passa, salvo algumas exceções, pela presença na sua vida de ambos os progenitores.

    9. - Deslocar uma criança para o estrangeiro sem autorização do pai, nem seu conhecimento prévio, constitui um ato que torna impossível a entrega da criança e o cumprimento do regime de visitas estabelecido, não podendo servir o argumento de que foi procurar melhores condições de vida, para obstar à imputação do crime em causa.

    10. - O facto da menor D. J. ser retirada do local onde reside, pela sua mãe e sem autorização do pai, afastando-a, assim, do contacto e controlo da educação, saúde e afetos, do outro progenitor, de forma radical e definitiva, terá de ser necessariamente protegida ao menos pelo elemento teleológico do preceito penal em causa e da sua ratio.

    11. - Da literalidade do mesmo preceito não se retira que são excluídos da previsão legal os comportamentos de um progenitor que retire a filha menor da esfera do exercício do poder paternal do outro progenitor, pelo menos presumida de provocar o afastamento definitivo da menor do outro progenitor.

    12. - Nada justifica a “fuga” para o estrangeiro com uma criança que tem judicialmente regulado o regime das responsabilidades parentais por ambos os progenitores com visitas e convivência do outro, dado que, por mais atendíveis que sejam os motivos, nada impede que se comunique ao outro progenitor e se peça prévia alteração do exercício das responsabilidades parentais.

    13. - Tal comportamento da arguida que retirou o menor da casa de família, levou a filha...

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