Acórdão nº 12/17.5GASLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução08 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1 - RELATÓRIO 1.1. Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 12/17.5GASLV, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 1, foi submetida a julgamento a arguida (…), melhor identificada nos autos, estando acusada da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 25º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal.

1.2. Realizado o julgamento foi proferida sentença em 05/02/2020, depositada nessa mesma data, na qual se decidiu absolver a arguida da prática do crime de tráfico de menor gravidade por que vinha acusada e condená-la pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a multa global de €325,00 (trezentos e vinte cinco euros).

1.3. Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as conclusões que se passam a transcrever: «1. Condenou o Tribunal Recorrido a Recorrente pela prática de um crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo art.º 40.º do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 65 dias de Multa à taxa diária de € 5,00, no total de € 325,00.

  1. A Recorrente foi acusada da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º n.º 1 e 25.º al. a) do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, com referencia à tabela I-C anexa àquele diploma legal, e condenada por crime diverso.

  2. Dos factos de natureza objetiva narrados na acusação apenas se extrai que o(s) arguido(s) detinha(m) na sua posse, ou seja, simples detenção, de canabis.

  3. Importa, referir que, com exceção da detenção, as demais ações mencionadas no facto n.º 6 não têm qualquer respaldo nos factos antecedentes. As ações ali designadas por “compra”, “guarda”, “venda”, “cedência”, na justa medida em que nenhuma destas ações é concretamente imputada aos arguidos nos factos n.s 1 a 5 do libelo.

  4. Todavia, a modalidade de ação “detenção” está inscrita no ilícito previsto no art.º 21.º e art.º 25.º, pelo qual a arguida foi acusada, e também, nos artigos 26.º e 40.º do referido decreto-lei 15/93 e, bem ainda, no artigo 2.º, n.º 1 da Lei 30/2000 de 29/11.

  5. Assim, o elemento essencial para a integração (ou relevância) da detenção em qualquer um dos referidos crimes é a finalidade que lhe preside, ou seja torna-se necessário dizer qual o fim que a “droga detida” visa assegurar, ou seja qual o destino que se lhe pretende dar.

  6. Ora, é precisamente a respeito da finalidade da detenção que a narração da acusação, cf. a al. b), do n.º 3. do artigo 283.°, do Código de Processo Penal, se revela Insuficiente para poder, originariamente, ser apta a preencher as exigências do tipo de ilícito que imputa, o tráfico de menor gravidade.

  7. A narração realizada na acusação não contém todos os factos necessários ao preenchimento, ab initio, do tipo de crime que imputa, o previsto no artigo 25.°, al. a), do DL 15/93. de 22/01.

  8. A acusação é manifestamente infundada nos termos e para os efeitos dos artigos 311.°, n.º 2, al. a) e 3. al. b), do Código de Processo Penal, o que implicava a sua rejeição.

  9. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao considerar que os factos da acusação integram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e ao recebê-la – transcrição da decisão – “Imputando-lhe os factos constantes da acusação de fls 288 e segs., que se dão aqui por reproduzidos, os quais integram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a) e 21.º, n.º 1, ambos do DL n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela l-C, anexa àquele diploma.

  10. A falta, na acusação, de todos ou alguns dos elementos caracterizadores do tipo subjetivo do ilícito, não pode ser integrada no julgamento nem por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358.º do CPP, nem sequer através do mecanismo do art.º 359.º, do mesmo Código, devendo o Juiz atalhar o vício antes de chegar àquela fase, o que não sucedeu no caso sub judice.

  11. Pelo que, deverá esse Venerando Tribunal, revogar a decisão recorrida, substituindo por outra que absolva a arguida/recorrente do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade do qual vinha acusada, porquanto da acusação não é possível imputar à arguida/recontente a prática deste crime nem de qualquer outro, não a condenando pelo crime de consumo p. e p. pelo art.º 40.º a quo do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, pelo qual foi erradamente condenada pelo Tribunal.

  12. Sem prescindir nem conceder, 14. O CPP prevê no seu art.º 379º, o regime da nulidade da sentença, que só ocorre nas situações mencionadas nas três alíneas do seu nº 1, a saber [tendo em vista a forma comum do processo penal]: a) a ausência das menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º portanto, e além do mais, a inexistência de fundamentação; b) a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia e; c) a omissão ou o excesso de pronúncia.

    In casu, releva a nulidade da alínea b), a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358.º e 359.

    º.

  13. Num sistema processual penal de estrutura essencialmente acusatória, o exercício pleno de todas as garantias de defesa (cfr. art. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa) exige uma necessária correspondência ou correlação entre a acusação [e a pronúncia, quando exista] e a sentença, vista a necessidade de preservar a imutabilidade do objeto do processo por ela, acusação [ou pronúncia], fixado.

  14. Esta correspondência não é, no entanto, absoluta. A lei admite que na sentença, seja por razões de economia processual, seja por razões da paz do arguido, possam ser considerados factos novos, resultantes da discussão da causa [ou por esta tornados relevantes] ainda que constituam alteração dos constantes da acusação [ou da pronúncia], observadas que sejam determinadas formalidades e verificados que sejam determinados pressupostos, matéria que o CPP regula nos arts. 1º, 358º e 359º.

  15. Pois bem. Estaremos perante factos novos e portanto, perante uma alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, quando se modifica – substitui ou adita – o concreto «pedaço de vida» que constitui o objecto do processo, dando-lhe uma outra imagem. E aqui, a primeira distinção a fazer é entre alteração substancial e alteração não substancial de factos.

  16. O art.º 1º, f) do C. Processo Penal define «alteração substancial dos factos» como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Assim, primeiro requisito é que ocorra uma modificação dos factos, considerando-se facto o acontecimento ou ocorrência, passada ou presente, suscetível de prova. Depois, é necessário que a modificação ocorra em factos relevantes para a imputação de um crime ou para a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

  17. A alínea a) do mesmo artigo define «crime» como o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais. O crime que para este efeito releva, é o crime diverso, entendido, não como diferente tipo legal, em sentido substantivo, mas no sentido de facto diferente, situado para além dos limites do «pedaço da vida» que constitui o objeto do processo e portanto, um crime novo. A autonomia dos critérios estabelecidos no art.º 1º, f) do CPP determina que não deixa de ser crime diverso o que, face à alteração dos factos, passa a ser punido com sanção menos grave.

  18. A «alteração não substancial dos factos» define-se por exclusão de partes, comungando desta qualidade toda a alteração de factos que, não sendo substancial, tenha relevo para a decisão da causa (cfr. art.º 358º, nº 1 do C. Processo Penal).

  19. A disciplina da alteração substancial dos factos encontra-se fixada no art.º 359º do CPP, cujas linhas gerais podem traçar-se em torno de duas realidades: acordo dos sujeitos processuais e falta dele. Existindo acordo entre o Ministério Público, o arguido e o assistente quanto à continuação do julgamento pelos novos factos, e não determinando estes a incompetência do tribunal, prossegue o julgamento, devendo aqueles ser considerados para efeitos de condenação (nº 3 do artigo citado). Não existindo acordo, os novos factos não podem ser considerados pelo tribunal para o efeito de condenação, nem implica a extinção da instância (nº 1 do artigo citado).

    Quando tal sucede, quando não existe acordo, ou os novos factos são autonomizáveis em relação ao objecto do processo e a comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para o respetivo procedimento (nº 2 do artigo citado) ou não são autonomizáveis, situação em que, porque não podem ser considerados para efeito de condenação, se tornam irrelevantes.

  20. A disciplina da alteração não substancial dos factos encontra-se fixada no art.º 358º, nº 1 do C. Processo Penal e consiste, basicamente, na sua comunicação ao arguido e na concessão do tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, considerada em toda a sua amplitude.

  21. Conforme se extrai das atas de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal Recorrido não promoveu a alteração não substancial ou substancial dos factos constantes da acusação, nenhuma comunicação foi efetuada à Recorrente.

  22. Os factos julgados provados pelo Tribunal Recorrido são diversos dos factos pelos quais a arguida/recorrente vinha acusada, designadamente, quanto à conclusão de que o produto estupefaciente pertencia à arguida, na proporção de metade e que se destinava ao seu consumo.

  23. Pois...

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