Acórdão nº 1413/19.0PBSTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução08 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nestes autos de Inquérito que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Instrução Criminal, 2, a Mmª. Juíza de Instrução lavrou despacho em sede de primeiro interrogatório judicial efectuado a 04 de Março de 2020 a determinar que o arguido (...) - incurso na prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo 154º-A do Código Penal e punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa - ficasse sujeito a medida de coacção de apresentações periódicas, todos os dias, em horário de escolha do arguido e no OPC da área da sua residência.

* Inconformada com aquela decisão a Digna Procuradora-Adjunto do mesmo tribunal interpôs o presente recurso, pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido, substituindo-o por outro que sujeite o arguido a prisão preventiva, com as seguintes conclusões: 1ª) – A M. ª mª Juiz de Instrução Criminal decidiu aplicar ao arguido as medidas de coacção de TIR já prestado, e de apresentações periódicas, todos os dias, em horário de escolha do arguido e no OPC da área da sua residência, com início no dia de amanhã, nos termos, portanto, se aplica ao arguido a medida supra referenciada, nos termos dos artigos 191, a 193º, 198º, 204º al. c), todos do C.P.P; 2ª)- Decidiu ainda a M. ª m.ª Juiz de Instrução Criminal que “face à limitação dos factos que integram o crime de violência doméstica, parece que os mesmo, salvo melhor opinião e respeito, em contrário, não permitem concluir que o arguido terá incorrido na prática de um crime de violência doméstica, na modalidade de maus tratos psíquicos, mas, a nosso ver, tal conduta reiterada e consubstanciada num conjunto de actos sucessivamente praticados pelo arguido, aptos a provocar na ofendida medo e inquietação e também a limitar a sua liberdade, consubstanciam, a nosso ver, um crime de perseguição p.p. pelo 154ºA do Código Penal e punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa. Trata-se de normativos legais – o de violência doméstica e de perseguição – que se encontram numa situação de concurso aparente”; 3ª)- Ora, salvo melhor entendimento, considera o Min. Público que os factos em investigação nos presentes autos consubstanciam a prática pelo arguido em autoria material, na forma consumada e em concurso real de um crime de violência doméstica, agravado, previsto e punido nos termos art.º 152º, nº 1 al. b) e, nº 2, al. a) do Código Penal, de doze crimes de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo art.º 353 do Cód. Penal e de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212º do Cód. Penal, pelo que as medidas de coacção aplicadas ao arguido pela Mmª Juiz de Instrução Criminal, não são as mais adequadas para fazer cessar os perigos que considerou verificarem-se no caso concreto em investigação autos.

  1. )-Dispõe o artigo 152.º, n.º1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal que quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, é punido com uma pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, sendo que, nos termos do n.º 2, alínea a), do citado preceito, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

  2. )- Como bem refere Paulo Pinto de Albuquerque (em Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição atualizada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2015, págs. 592 a 594) que concretiza: “os “maus tratos físicos” correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os “maus tratos psíquicos” aos crimes de ameaça simples ou agravada, coação simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas”, ocorrendo uma relação de especialidade entre o crime de violência doméstica e “os crimes de ofensas corporais simples ou qualificadas, os crimes de ameaças simples ou agravadas, o crime de coacção simples, o crime de sequestro simples, o crime de coacção sexual previsto no artigo 163.º, n.º 2, o crime de violação previsto nos termos do artigo 164.º, n.º 2, o crime de importunação sexual, o crime de abuso sexual de menores dependentes previsto no artigo 172.º, n.º 2 ou 3, e os crimes contra a honra”.

  3. ) E entendemos que esta relação de especialidade, também se verifica quanto ao crime de perseguição p. e p. pelo art.º 154º -A do Cód. Penal, o qual estará consumido pelo crime de violência doméstica, quando em causa estiver uma relação de “garante” ou de “especial proximidade “ entre o agressor e a vitima, como sucede “ in casu “. Isto é, o preceito legal em questão abrange as mais variadas espécies de condutas, que até poderiam sobreviver como crimes autónomos se não estivessem unificadas na unidade de sentido que lhes é conferida pela figura jurídica prevista na norma referida.

  4. ) -Não é por acaso que o crime de violência doméstica é punido mais gravemente que os ilícitos de ofensas à integridade física, ameaças, coação, sequestro, perseguição, etc , uma vez que, não só o bem jurídico tutelado pela respetiva norma incriminadora é distinto, como a relação de especial proximidade entre a vitima e o arguido implica maior gravidade da conduta, nomeadamente quando ocorre no domicilio da vitima, ou perante filho menor de idade de ambos, aliás, como se verifica no caso em investigação nos presentes autos. O que conta é saber se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é susceptível de ser classificada como “maus tratos” físicos e /ou psicológicos.

  5. )- A questão que se coloca é, assim, a de saber se tais comportamentos revelam o “especial desvalor da acção” ou a “particular danosidade social do facto” que fundamentam a especificidade deste crime.

  6. )- Ora, olhando para a factualidade que se mostra fortemente indiciada nos autos, melhor descrita do despacho do Min. Pública de apresentação de arguido a primeiro interrogatório judicial, constante de fls. 155 e ss, verificamos que, as condutas reiteradamente adoptadas pelo arguido, manifestam um especial desvalor da acção e particular danosidade social.

  7. ) - Atenta a factualidade supra referenciada entende o Min. Público que a única medida adequada e proporcional à gravidade dos crimes imputados ao arguido, para afastar os perigos que se verificam “ in casu “ é a medida de coacção de prisão preventiva, nos termos e para os efeitos nos artigos 191º, 192º, 193º, 196º, 202º, n.º 1 al. c) e e) e 204º al. b) e c), todos do C.P.P.

  8. ) -O crime de violência doméstica agravado é punível com pena de prisão de dois a cinco anos, pelo que integra além do mais, o conceito de criminalidade violenta prevista no art.º 1, al. j) do CPP, pelo que admite a aplicação da medida de coacção prisão preventiva, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 202º, n.º 1, al. b) também do CPP.

  9. )-Apesar de o arguido ter sido condenado por sentença proferida no âmbito do Processo (…) do 2º juízo Criminal desta Comarca de Setúbal, transitada em Julgado aos 14.05.2018, sobre a ofendida (...), do crime de violência p. e p. pelo art..º 152º n.º s 1 als. b) , n.º 2 e 4 do Cód. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período, e ainda nas penas acessórias de acessória de proibição de contacto com a ofendida, por qualquer forma, onde se inclui o afastamento da residência e do seu local de trabalho a um raio de distancia não inferior a 500 metros, sendo o cumprimento fiscalizado por meios técnicos de controlo à distancia , não cumpriu nenhuma destas penas acessórias.

  10. )-Assim sendo, verificamos que pelo menos desde Março de 2016, o arguido tem persistido na sua conduta delituosa contra a ofendida (...), sua ex-companheira, com que tem um filho em comum, menor de idade, e nem a condenação supra referenciada, o levou a cessar os seus intentos.

  11. )-O arguido manifesta desprezo, elevada desconsideração, desejo de humilhar, de atemorizar, e de colocar em causa a paz e o sossego da ofendida, sendo que com as suas condutas coloca igualmente em causa a estabilidade psicológica da ex-companheira. Estamos perante verdadeiros maus tratos psicológicos.

  12. ) -Atenta a personalidade demonstrada pelo arguido, o qual procura reiteradamente a vitima, pessoalmente, ou por SMS, para a ameaçar, injuriar e perseguir, mesmo depois de te sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução por crime idêntico no âmbito do processo supra identificado, mostram-se evidentes os riscos de continuidade da actividade criminosa e de perturbação do inquérito, caso o arguido volte a contactar a ofendida, mostrando-se premente e imprescindível acautelar a protecção dos interesses desta.

  13. )-Verificam-se por isso em concreto perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito, caso o arguido continue a poder manter contactos com a ex-companheira, principal testemunha nestes autos, a quem já referiu que tem em seu poder arma de fogo, com o intuito de a fazer recear pela sua vida ( cfr. art.º 204º, als. b) e c) do Código de Processo Penal).

  14. )-O ilícito de violência doméstica é também só por si gerador de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, atendendo a que...

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