Acórdão nº 667/18.3PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: A - Relatório: 1. Nos autos de Processo Comum (tribunal Singular) registados sob o n.º 667/18.3PCCBR, a correr termos na Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Coimbra - J3, foi, em 12/11/2019, proferida a seguinte Sentença: “O Tribunal, face à desistência do pedido de indemnização, por se tratarem de direitos disponíveis e estarem na disponibilidade do mesmo, homologa a desistência, por válida e juridicamente relevante.

No que diz respeito à desistência da queixa, o Tribunal também homologa a desistência no que diz respeito ao crime de injúrias, face à natureza particular do crime e reunidos que estão os pressupostos legais.

No que diz respeito ao crime de ameaça agravada, tem sido entendimento deste Tribunal que tal ilícito penal reveste de natureza semi-pública, o que significaria a admissibilidade da desistência da queixa ora apresentada com a consequente extinção do procedimento criminal.

Contudo, não se ignora que alguma jurisprudência dos Tribunais Superiores tem seguido no sentido de considerar que o referido ilícito reveste de natureza pública, entendimento este que é agora partilhado pelo Ministério Público nesta comarca.

No entanto, salvo devido respeito por opinião diversa, o Tribunal mantém o entendimento já plasmado em tantos outros processos de natureza criminal nesta comarca.

Efetivamente, alinhamos com os argumentos expressos no douto Ac. da RP de 13/11/2013 (in Proc.º N.º 335/11.7GCSTS.P1 – www.dgsi) que conclui que o crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos art.ºs 153.º e 155.º do Código Penal reveste natureza semi-pública e que tal natureza se mantém inalterada após a revisão de 2007 (que, no fundo, se limitou a aglutinar no art.º 155.º as circunstâncias agravantes dos crimes de ameaça e de coação).

Na verdade, aí podemos ler que: “1. O crime de ameaça possui natureza semi-pública desde a redacção originária do Código Penal de 1982; 2. Nenhuma das revisões intercalares do Código Penal alterou essa natureza; 3. Na versão actual do Código Penal, o crime de ameaça previsto no artigo 153.º continua a ter a mesma natureza semi-pública; 4. A alteração mais relevante que o crime de ameaça sofreu foi a redução da tipicidade (artigo 153.º, n.º 1) decorrente da revisão de 1995 mas manteve a aludida natureza; 5. O crime de coacção previsto no artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal, teve natureza pública desde a versão originária do Código Penal até 1995, momento em que a viu alterada quando ocorrem as situações previstas no n.º 4 (semi-pública); 6. A inclusão da exigência de queixa não é um capricho mas obedece ou está fundada em razões de política-criminal; 7. A deslocação do anterior n.º 2 do artigo 153.º do Código Penal, para o novo artigo 155.º, n.º 1, alínea a), não modificou nada substancialmente; 8. Da Exposição de Motivos da Proposta de Lei de alteração do Código Penal o mais que se infere é uma preocupação utilitarista que desprezou, por completo, as diferenças materiais que existiam e existem entre os crimes de ameaça, coacção e ofensa à integridade física; 9. O regime sancionatório vigente (2 anos de prisão ou multa até 240 dias) é congruente, até em termos comparativos, com atribuição de relevância à vontade da vítima; 10. Não se vislumbram quaisquer razões de política criminal para não atribuir qualquer relevância à vontade da vítima quando esteja em causa o crime de ameaça punível pela conjugação dos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, do Código Penal (a ameaça agravada); 11. O artigo 155.º, n.º 1, corpo, alíneas a) a d) e 2, do Código Penal vigente, contém uma arrumação sistemática de várias circunstâncias (novas e velha) que agravam a pena prevista no tipo do artigo 153.º para onde reenvia expressamente; 12. As circunstâncias agravantes contidas no artigo 155.º, n.º 1, do Código Penal, não alteram a natureza do crime de ameaça. […] […] O artigo 155.° do Código Penal, constitui, em relação ao crime de ameaça, previsto no artigo 153.° do Código Penal, um repositório de circunstâncias que agravam a pena a aplicar ao agente e que não prescinde, para a sua actuação concreta, da manifestação de vontade da vítima, independentemente da qualidade ou condição desta.

Desta sorte: - Quando tal manifestação de vontade não se revele, não haverá lugar à instauração do processo.

- Quando tal manifestação de vontade se modifique, corporizando uma desistência, deve o procedimento em curso findar por falta de legitimidade do Ministério Público”.

**** Em suma, em face do que ficou exposto, considero admissível a desistência de queixa quanto ao crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos art.ºs 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, de que o arguido se encontra acusado.

Como assim, ao abrigo do disposto nos art.ºs 113.º, n.º 1, 116.º, n.º 2, primeira parte, do Cód. Penal, e 51.º, n.º 2, in fine, do Cód. de Proc. Penal, julgo válida e relevante a desistência da queixa/acusação particular apresentada, a qual...

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