Acórdão nº 178/20.7TXCBR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelROSA PINTO
Data da Resolução09 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

A – Relatório 1. Pelo Tribunal de Execução das Penas de Coimbra (Juízo de Execução das Penas de Coimbra – Juiz 3), foi proferido despacho, a 8.5.2020, julgando perdoada a pena aplicada ao condenado ST, no âmbito do processo nº 110/15.0GGCBR, ao abrigo da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril.

2. Inconformado com tal despacho, veio o Ministério Público interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões: - O perdão previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só pode ser aplicado a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado fisicamente no estabelecimento prisional; - O artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, de 6 de Abril, suspendeu todos os prazos para a prática de actos processuais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19; - Pelo que, enquanto durar a situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, está suspensa toda a tramitação processual tendente à emissão e execução de mandados de captura na sequência de condenação transitada em julgado; - Desta forma se evitará que, durante esse mesmo período, ingressem no estabelecimento prisional novos reclusos, e assim se logrará garantir que não seja ocupado o espaço prisional deixado livre pela libertação dos reclusos abrangidos pelo perdão; - Restringir a aplicação do perdão previsto na Lei n.º 9/2020 aos condenados que se encontram já recluídos à data da entrada em vigor daquela mesma lei, excluindo os condenados ainda não recluídos, não viola o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa; - Ao perdoar a pena de prisão aplicada ao arguido ST no âmbito do Processo nº 110/15.0GGCBR, não estando este preso à data da entrada em vigor da Lei n. º 9/2020, o tribunal proferiu decisão ilegal, por violação no disposto no artigo 2º, n.º 1, desse mesmo diploma legal.

3. O arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela confirmação do despacho recorrido, concluindo que: - O recurso do Digno Ministério Público está centrado na impugnação da decisão proferida no dia 8 de maio de 2020, que julgou perdoada a pena aplicada no âmbito do Processo nº 110/15.0GGCBR, nos termos do nº 1 do artigo 2º da Lei nº. 9/2020 de 10 de abril.

- O Digno Ministério Público não concordou com a douta decisão, mencionando que “Da literalidade da norma resulta desde logo que no âmbito da aplicação subjetiva da mesma se restringe a “reclusos”, condenados que se encontrem presos por decisão transitada em julgado”.

- A Lei nº 9/2020 de 10 de abril estatui no seu artigo 2º que “1 – São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos. 2 - São também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração superior à referida no número anterior, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena. 3 - O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única.” - O crime pelo qual arguido foi condenado não é um dos crimes excluídos do referido perdão nos termos do nº 6 do artigo 2º da mencionada Lei e, por outro lado, a pena que lhe foi aplicada é inferior a dois anos de prisão.

- Porém, o arguido não se encontra recluído em estabelecimento prisional.

- Considera-se não se poder concordar com o teor do recurso do Digno Ministério Público quando refere que resulta do artigo 2º, nº1, da Lei nº 9/2020 de 10 de Abril que “o âmbito de aplicação subjetivo da mesma se restringe a “reclusos”, condenados que se encontrem presos por decisão transitada em julgado.”.

- Perdoando penas a reclusos que se enquadrem na lei e nos seus requisitos de aplicação, considera-se que se aplica também a condenados que ainda não estejam a cumprir efetivamente a pena de prisão.

- Caso contrário, a Lei nº 9/2020 de 10 de abril potenciaria diferença de tratamento entre as pessoas que se encontrassem em posições materialmente idênticas, lesando dessa forma o princípio constitucional da igualdade decorrente do artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa.

- Ao interpretar a mencionada norma da Lei 9/2020 de 10 de abril como somente aplicável àqueles que já estão a cumprir a pena em estabelecimento prisional, estar-se-ia a devolver à liberdade pessoas com tempo prisão para cumprir inferior ou igual a dois anos para, depois, ocupar o espaço prisional deixado livre por esses com a reclusão de pessoas autores de factos idênticos aos libertados e punidos com penas iguais – ou até inferiores.

- Desta forma, considera-se que a única interpretação aceitável da Lei nº 9/2020 de abril é a do perdão ser aplicável a todos os cidadãos punidos com penas e crimes abrangidos pelo âmbito da norma com decisões transitadas em julgado à data da entrada em vigor da Lei nº 9/2020 de 10 de abril.

- Para além de tudo o mencionado, é importante voltar a referir que o arguido Simão requereu o pagamento da pena de multa de que foi condenado em 3 prestações mensais, as guias já foram emitidas e já procedeu a pagamento da primeira prestação.

4. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que não conceda ao arguido o perdão da pena de 77 dias de prisão subsidiária em que foi condenado no processo n.º 110/15.0GGCBR, ao abrigo do art.º 2.º, n.º 1 da Lei n.º 9/2020, de 10/04, por à data da sua entrada em vigor, não se encontrar ainda na situação de recluso. Entende que a decisão recorrida é ilegal, por fazer uma interpretação extensiva de uma norma contida numa lei de perdão, já por si uma lei excepcional, para vigorar num período excecionalíssimo, num período de duração limitada e, como tal, a norma do artigo 2º, nºs 1 e 3, tem de ser interpretada em sentido estrito, nos exactos termos em que se encontra redigida, ou seja, aplicável apenas a condenados, com trânsito em julgado que, à data da entrada em vigor da lei, para evitar o contágio pelo Covid-19, se encontrassem já recluídos, a cumprir pena de prisão igual ou inferior a 2 anos, o que não era o caso do arguido ST.

(…) 6. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

7. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

* B - Fundamentação 1. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que dispõe que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2, e 410º, nº 3, do mesmo diploma legal).

O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193; e cfr. ainda Acórdãos da RC de 13.3.2019, proferido no âmbito do recurso nº 1131/16.0T9CBR.C1; de 13.1.2016, proferido no âmbito do recurso nº 53/13.1GESRT.C1 e da RP de 24.10.2018, proferido no âmbito do recurso nº 76/16.9PEPRT.P1, todos em www.dgsi.pt).

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes: - se o perdão previsto no artigo 2º d...

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