Acórdão nº 8812/14.1T8LSB-B.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados No processo judicial de promoção e protecção a favor da menor S, a 28/05/2020 foi proferida a seguinte decisão: “[…] ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 34, 35/1-f, 49, 61 e 62/3-c, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo [LPCJP] […]: a) Prorrogar por seis meses a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial aplicada […] e b) Determinar que seja solicitado à equipa competente da PCA [santa casa de misericórdia de Lisboa] que indique família seleccionada para, oportunamente, se proceder à substituição desta medida pela medida de acolhimento familiar.

Notifique, sendo a EATTL [equipa de apoio técnico ao tribunal de Lisboa] para juntar aos autos relatório de acompanhamento da execução da medida.” A mãe da menor recorre desta decisão – para que seja revogada e substituída por outra que declare a caducidade da medida de promoção e protecção aplicada, por terem passados mais de 18 meses, e para que seja arquivado o processo pelo facto de a menor já não estar em perigo -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se simplificaram e renumeraram, corrigindo-se, ao mesmo tempo, vários lapsos): 1 - A menor foi acolhida em instituição pelo período de 1 ano e foi-lhe aplicada a medida de acolhimento residencial no dia 30/01/2018; tal medida tem já a duração máxima de 18 meses pelo que se encontra expirado o prazo máximo a que alude o artigo 60, n.ºs 1 e 2, da LPCJP, não sendo, desta forma, possível proceder à revisão daquilo que já se encontra expirado (art. 63/1-a da LPCJP).

2 - A não fundamentação das decisões implica a sua nulidade, a decisão judicial de revisão deve ser fundamentada com a enumeração dos factos provados e não provados, com a valoração desses factos e exposição das razões que justificam a aplicação da nova medida o que nos presentes autos não aconteceu.

3 - A decisão provisória fundou-se exclusivamente em relatórios da PCA [proprietária da casa de acolhimento] e na CA, destituídas de qualquer prova, sem que tivesse sido precedida de uma averiguação ainda que sumária sobre a situação.

4 - A mãe deixou de trabalhar à noite e arranjou um trabalho de dia como administrativa numa empresa. Arrendou uma casa que é um T2, que tem dois quartos, um para si e outro para a menor. Deixou de residir em quartos. Não fuma, não consome produtos estupefacientes e não ingere bebidas alcoólicas, não representa nenhum perigo para a menor. Já mobilou e decorou o quarto da sua filha para que a mesma quando sair da instituição se integre no agregado familiar da mãe, mas também conseguiu ter uma casa limpa e organizada. A avó materna da menor está prestes a chegar do B com o objectivo de reintegrar o agregado familiar da requerida e ajudar a criar a menor. A mãe não tem falhado nenhuma visita à instituição onde a menor se encontra acolhida e a menor, pese embora não seja bem tratada na instituição [a mãe quis escrever ‘mal’], pretende estar ao pé da mãe e cada vez que esta sai da visita, não quer que a sua progenitora vá embora e quer sair com a mesma. Pelo exposto, podemos concluir que a menor já não se encontra em risco.

5 - A CA recusou-se a visitar a casa onde a menor irá residir com a mãe, não apresentando explicação plausível.

6 - Quando ocorreu o estado de emergência, a menor andou em casas de elementos da instituição em vez de ser entregue à mãe, apesar de a CA ter deixado de ter condições para acolher aquela.

7 - A menor não foi ouvida neste processo e quer ser ouvida, para dizer que quer ir morar com a mãe, que sempre tratou da mesma antes de ser institucionalizada. O próprio relatório da CA e da PCA refere que a menor quer viver com a mãe e tem uma grande relação com esta. Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo o facto de a menor revelar actualmente preferência para viver com a progenitora terá que ser decisivo para tal alteração na sua vida quotidiana, porque é coincidente com o interesse da menor.

8 - Já não estamos perante factos que demonstrem que a mãe, por omissão ou acção, tenha posto em grave perigo a formação moral ou a educação da menor em termos que, pela sua gravidade, comprometam os vínculos próprios dessa relação.

O recurso esteve, lamentavelmente, parado um mês na secção de processos do tribunal recorrido e só depois da mãe da menor chamar a atenção para isso é que o recurso foi notificado ao MP. Em consequência, o recurso só foi remetido para este TRL em período de férias judiciais, o que atrasou e prejudicou substancialmente o processo (por exemplo, o MP foi um magistrado de turno e contra-alegou num dia de turno).

Na sequência, o MP contra-alegou nestes termos, em síntese do próprio: A medida de promoção e protecção em execução tem a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial - artigos 35/1-f e 61 da LPCJP. A criança tem de ser defendida e, neste momento, esta é a medida que melhor a defende e garante o seu desenvolvimento integral. Deve, assim, a decisão ser confirmada.

Questões que importa decidir: se se verifica a caducidade da medida; se a decisão é nula por falta de fundamentação; se se verificam as, e quais as consequências das, nulidades processuais que a mãe aponta; se já não se justifica a aplicação de qualquer medida.

I A caducidade da medida O MP tem, nesta parte, razão. O art. 60/1-2 da LPCJP só se refere às medidas previstas no seu art. 35/1-a-b-c-d, não à da al. f desse artigo. Assim, a esta, não se aplica o prazo de 18 meses invocado no recurso da mãe, ao contrário do que se diz na síntese 1 das alegações do recurso.

Entretanto, registe-se que a revisão devia ter sido feita até 13/11/2019 (a última datava de 13/05/2019), pelo que já estava atrasada em mais de 6 meses, ou, dito de outro modo, foi revista um ano depois e não nos seis meses previstos na lei.

II Da nulidade da decisão recorrida A parte do despacho que antecede a decisão recorrida consta do seguinte: “Por acordo homologado por decisão proferida em 30/01/2018, foi aplicada a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, pelo prazo de 1 ano nos termos do disposto no artigo 35/1-f da LPCJP.

Tal medida foi revista e mantida.

A EATTL e a Casa de Acolhimento [CA] emitiram parecer no sentido de se manter a medida por se afigurar necessária para promover a segurança, saúde, educação e bem-estar da menor, inexistindo alternativa em meio natural de vida.

A Procuradora da República pronunciou-se pela substituição da medida por uma medida de acolhimento familiar.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 85 da LPCJP.

Cumpre apreciar e decidir: Nos termos do disposto no artigo 62/1 da LPCJP, “a medida aplicada é obrigatoriamente revista findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses.” A decisão de revisão pode determinar a continuação ou a prorrogação de execução da medida (artigo 62/3-c da LPCJP).

No caso dos autos, os elementos recolhidos apontam no sentido da necessidade de manutenção da medida, por se mostrar adequada, proporcional e necessária à concretização do projecto de vida da menor, inexistindo alternativa em meio natural. Por ora, ainda não se mostra viável a substituição da presente medida pela medida de acolhimento familiar.

Assim, uma vez que não se alteraram os pressupostos de facto e de direito, em que se baseou a aplicação da medida de promoção e protecção, há que manter a medida de promoção e protecção aplicada à jovem de modo a assegurar a concretização do projecto de vida da mesma.” Decidindo: Os quatro primeiros §§ daquilo que antecede a decisão recorrida são a simples descrição de duas ocorrências processuais (são a notícia de que foi aplicada uma medida que depois foi revista e mantida) e dos pareceres da EATTL, da CA e do MP sobre o sentido que devia ter a revisão. Os restantes §§ são descrições processuais, transcrições de normas legais e formulações abstractas dos pressupostos legais da medida e da sua pressuposta verificação no caso.

Assim, o despacho da decisão recorrida não contém a descrição dos factos que podem ter justificado a aplicação da medida. Ou seja, não há fundamentação de facto para suportar a decisão de revisão da medida aplicada. O que representa a violação do disposto no artigo 607/3, 1.ª parte, do CPC, reforçado pelo artigo 62/4 da LPCJP.

E não há essa fundamentação nem indirectamente, por remissão para um outro despacho que já contivesse essa fundamentação.

Sendo que dos 30 despachos de juízes proferidos neste processo judicial, em 28 conclusões e 2 actas [uma delas, a de 30/01/2018, com homologação do acordo de aplicação da medida, e uma outra, de 23/04/2019, com despacho a dar sequência à instrução], incluindo as 6 revisões da medida, há apenas três em que se diz alguma coisa de concreto sobre a situação da menor: O primeiro é o despacho inicial, de 07/06/2017, do juiz 3, que dá sequência à passagem do processo da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (CPCJP) para o tribunal, com a menor já acolhida na CA, concluindo-se nesse despacho: “Estamos perante uma situação que raia a ilegalidade e/ou está mal fundamentada. Pelo que, nos termos dos artigos 91 e 92 da LPCJP, apenas à cautela e atendendo à idade da menor, confirma-se a medida já tomada pela CPCJ.” E mandou-se remeter o processo ao juiz 6, por ser nele que já estava a correr um processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Registe-se que este despacho de 07/06/2017 foi proferido sem que estivesse junto o processo da CPCJP e por isso sem conhecimento do que deste constava, processo que só foi enviado para o tribunal (juiz 3) no dia 09/06/2017, tendo sido então formalmente apenso por linha ao processo judicial (fls. 26-27).

Registe-se também que o processo judicial foi entretanto remetido para o juiz 6 (fls. 72 a 79 – de 29/06/2017 a 03/07/2017, e mais tarde para o juiz 8, mudança que ocorreu entre 01/04 e 23/04/2019 –...

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