Acórdão nº 1466/19.0T8VIS-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO A..., solteiro, apresentou-se à insolvência, formulando pedido de exoneração do passivo restante, alegando factos tendentes a justificar a concessão deste benefício, mas sem adiantar qual o valor que, em seu entender, considerava adequado à sua subsistência e a partir do qual teria de ceder os seus rendimentos ao fiduciário.

Declarada a insolvência do Requerente, o Administrador da Insolvência emitiu parecer favorável à admissão liminar do procedimento de exoneração do passivo, propondo a fixação de um rendimento indisponível em montante equivalente a 1,5 do salário mínimo nacional.

Notificados os demais credores, apenas a L..., SARL, se pronunciou, opondo-se à admissão do procedimento.

A 24 de fevereiro de 2020 foi pelo Juiz a quo proferido Despacho a deferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, determinando que o rendimento disponível que o insolvente venha seja concedido ao fiduciário, “com exclusão do montante mensal correspondente a 1,25 do salário mínimo nacional, doze vez por ano, que para cada ano seja legalmente determinado”.

Inconformado com tal decisão, o Insolvente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: I – Impõe o artigo 239.º, n.º 3, al. b) i) e ii) do CIRE que, no despacho de exoneração do passivo restante, seja determinado o montante razoavelmente necessário para um sustento minimamente digno do devedor e para o exercício pelo devedor da sua atividade profissional e que os rendimentos do devedor fiquem excluídos da cessão até tal montante.

II - A douta decisão recorrida considerou que 1,25 do salario mínimo, ou seja o montante de €793,75 é rendimento mensal razoável para o sustento do recorrente e do filho.

III - Não se conforma o Recorrente com esta decisão pois o rendimento mensal que lhe é disponibilizado pelo Tribunal a quo de €793,75, não lhe permite viver com o mínimo de dignidade.

IV - O Recorrente tem que manter uma habitação condigna onde possa viver com o filho menor com a renda da qual despende mensalmente €330,00, a par disso tem de cumprir e custear os alimentos (no montante de €250,00) e 2/3 das despesas com o filho menor, tem, ainda, de custear as despesas com a água, eletricidade, gás, alimentação, vestuário e saúde.

V - O Insolvente não pretende prejudicar os seus credores, quer apenas e só uma vida, um sustento minimamente digno que lhes está a ser negado de um modo brutal.

VI - Salvo o devido respeito, não entendemos que o “sustento minimamente digno” equivalha à atribuição de um mínimo pecuniário de estrita sobrevivência; de outro modo negar-se-ia ao instituto da exoneração a sua finalidade precípua de regeneração do insolvente para voltar à inclusão económica e social, expurgado de um passivo que não consegue solver.

VII - As interpretações punitivas da lei correspondem, quantas vezes, a preconceitos e, num domínio em que o conceito de dignidade e a ideia de subsistência são primordiais, o padrão a adotar deve ser aquele que, sem descurar os direitos dos credores, não afete o devedor, remetendo-o aos limites de uma sobrevivência penosa, socialmente indigna, sob pena de a proclamada intenção de o recuperar economicamente constituir uma miragem.

VIII - Neste conspecto entendemos só com a exclusão do montante igual a um 1,70 do salário mínimo nacional assegura ao insolvente e ao seu filho uma vivência compatível com a dignidade humana, tendo em conta aquilo que deve ser o valor compatível com “o sustento minimamente digno”.

IX – Em primeiro lugar, o insolvente aufere mensalmente montante que lhe é pago pelo facto de ser motorista de pesados e para ajudar os motoristas ausentes no estrangeiro no acréscimo de pequenas despesas, que tal deslocação acarreta, insuscetíveis de serem documentadas, tais como consumo de comida, bebidas _ muitas vezes em máquinas vending _ utilização de casas de banho públicas.

X - A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal.

XI - Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afetam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua atividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

XII - Sucede que há uma verdadeira dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos.

XIII - Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.

XIV - As ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efetuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado.

XV - Tais despesas relativas a consumos correntes de pequeno valor com um custo superior no estrangeiro são pequenas e insuscetíveis de serem documentadas, p. ex. com o consumo de cafés, águas, telefonemas, utilização de casas de banho – WC e banhos, consumo de alimentos, bebida (água e café) e tabaco.

XVI - Por vezes estas despesas só têm como documento de suporte um “mapa de viagem” devidamente preenchido e assinado pelo trabalhador e dependente do n.º de dias deslocados, pois a lei não exige que seja feita a prova da natureza destas despesas.

XVII - Não se conforma o ora recorrente com a douta decisão proferida que determina a cessão dos subsídios de Natal e de Férias do recorrente.

XVIII - Neste conspecto entende o recorrente que a decisão do Tribunal a quo deve ser alterada por forma a ser determinado um montante global para o sustento minimamente digno do insolvente, ficando excluídos da cessão os rendimentos que o insolvente aufira e que conjuntamente ultrapassem tal montante, sendo, pois, irrelevante que se trate de retribuição, de subsídio de férias ou de natal.

XIX –Pelo exposto, a douta decisão recorrida viola o disposto nos artigos 239.º n.º 3) al. b) i) e ii) do CIRE e no artigo 59.º n.º 2 a) da CRP.

XX - Termos em que deve conceder-se integral provimento ao presente recurso e revogado o despacho recorrido tudo em conformidade com o acima exposto e com as legais consequências.

* O Ministério Público apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.

Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 657º do CPC cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes: 1. Se um valor equivalente a 1,7 salário mínimo nacional será o adequado a assegurar o sustento mínimo do devedor 2. Se o valor das ajudas de custo deve ser contabilizado como rendimento para cálculo do montante a ceder ao fiduciário.

  1. Se o valor dos subsídios de férias e de natal deverão ser objeto de cessão.

    III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O juiz a quo teve como relevantes os seguintes factos: 1. O insolvente nasceu no dia 15 de dezembro de 1976, é solteiro e do respetivo assento de nascimento não consta qualquer averbamento de que já beneficiou da exoneração do passivo restante (doc. 1 junto à p.i.); 2. Trabalha por conta de outrem, com a categoria profissional de motorista de pesados...

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