Acórdão nº 195/17.4T8VRM.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelANIZABEL PEREIRA
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:*I- RELATÓRIO: Em 06.12.2017, J. F. intentou a presente ação declarativa comum contra “X - Arquitectura e Construção, Lda.”, pedindo: 1) que seja declarado e reconhecido que entre a A. e a R. foi celebrado o contrato de empreitada descrito nos arts. 1.º a 3.º da p.i.; 2) que a R. seja condenada a proceder à conclusão da obra e à eliminação dos defeitos alegados nos arts. 4.º a 8.º da p.i.; 3) que a R. seja condenada a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais descritos nos arts. 18.º a 27.º da p.i., a quantia de 2.000,00 €, acrescida de juros de mora; 4) que a R. seja condenada a pagar ao A. no que vier a liquidar-se em execução de sentença, no que concerne às despesas com o alojamento noutra casa ou não a destinar ao arrendamento, enquanto perdurarem as obras de reparação dos aludidos defeitos, tudo acrescido de juros de mora; 5) que a R. seja condenada no pagamento ao A., a título de cláusula pecuniária compulsória por mora na reparação dos defeitos, a quantia diária de 100,00 €.

Alega o A. ter celebrado com a R., em Novembro de 2013, um contrato de empreitada, tendo por objeto a remodelação de uma habitação sita no Lugar ..., ..., Gerês. Mais refere que, apesar de ter pago a totalidade do preço à R., esta ainda não executou todas as obras incluídas no aludido contrato, sendo que, em Outubro de 2017, começaram a aparecer defeitos na parte da obra efetivamente executada.

Na sua contestação, além de ter excecionado a incompetência territorial e de ter pedido a condenação como litigante de má fé do autor e ainda impugnado a matéria alegada na p.i., a R. fez menção, no art. 23º, à interposição por si de uma ação - com o n.º 366/15.8T8VVD, do Tribunal de Vila Verde, Instância Local Cível - J1 -, no âmbito da qual o ora A. foi ali condenado a pagar a quantia em dívida pelo trabalho realizado pela R. Ainda fez consignar que naquela ação o A. não alegou que a Ré não havia executado todas as obras contratadas, nem alegou quaisquer defeitos, apenas e tão somente suscitou naquela ação a nulidade do contrato de empreitada realizado com a ora R e que todos os trabalhos realizados teriam sido pagos.

O A em requerimento apenas se pronunciou quanto à exceção da incompetência territorial e ligitância de má fé.

*Foi proferido despacho saneador e produzida prova pericial.

*No início da audiência de julgamento, conta da ata que: “pelo tribunal foi ordenada a junção aos autos certidão da petição inicial, contestação e sentença proferida no âmbito do processo nº 366/15.8T8VVD, da Instância Local Cível J1 de Vila Verde, com nota de trânsito em julgado, o que foi realizado de imediato.

Pelo Mm.º Juiz foi então dito que a alusão a tal processo já vem da contestação da ré nos presentes autos, tendo procedido à sua consulta e verificado que o contrato aqui em causa foi declarado nulo por sentença ali proferida, já transitada em julgado em 15.06.2016. À luz desta circunstância, o tribunal deverá retirar as devidas e necessárias consequências.

Determinou a notificação da referida certidão às partes, bem como para, querendo, se pronunciarem.

*Dado conhecimento e entregue aos Ilustres Mandatários cópia de tal certidão, por ambos foi requerido um prazo de alguns minutos para consulta e análise da mesma certidão, o que foi deferido. Pelos mesmos foi dito, após consulta, nada terem a requerer.”*Após, pelo Mmo. Juiz de Direito foi proferida sentença, na qual se lê, além do mais: … “ No caso vertente, apesar da diferença dos pedidos, há identidade perfeita de sujeitos entre a presente acção e a acção n.º 366/15.8T8VVD - sendo irrelevante, para este efeito, a posição processual que ocupam, ao invés, relevando a posição na relação jurídica material - e, pelo menos parcialmente, da causa de pedir (o contrato de empreitada na moradia do aqui A., no Lugar ..., ..., Gerês).

Porém, não deixará de se referir que, quer no tocante à factualidade relevante para efeitos da presente acção quer no tocante à possibilidade dos pedidos, deverá atender-se ao efeito positivo ou autoridade de caso julgado emanada da decisão saída do referido processo n.º 366/15.8T8VVD, do Tribunal de Vila Verde - Instância Local - Secção Cível - J1. Mesmo não existindo a tríplice identidade prevista no art.º 581.º, n.º 1, do C.P.C. - que a jurisprudência considera não ser essencial para a verificação do efeito positivo do caso julgado… … Ora, na situação vertente, o contrato de empreitada ao abrigo do qual o A. vem pedir a condenação da R. na conclusão da obra e na eliminação dos defeitos, já foi julgado nulo, por sentença transitada em julgado.

… Desta forma, temos para nós como inquestionável que A. e R. encontram-se abrangidos pela autoridade de caso julgado emanada do processo n.º 366/15.8T8VVD, que se tem como prejudicial para efeitos da questão em apreço nos presentes autos.

Consequentemente, os pedidos do A. deverão ser apreciados à luz da nulidade do contrato de empreitada declarado no sobredito processo.

… Ora, todos os pedidos do A. têm por fundamento o contrato de empreitada - cuja nulidade o próprio arguiu no processo n.º 366/15.8T8VVD. Porém, como vimos, por sentença transitada em julgado, foi declarada a nulidade do aludido contrato.

Em consequência do exposto, vedado está ao A. pretender a condenação da R. no cumprimento de prestações integradas nos quadros convencionais e legais do contrato de empreitada, como se este fosse válido e eficaz, no âmbito da chamada acção de cumprimento. Falece, pois, o pressuposto nuclear dessa pretensão: a validade do contrato.

E assim sendo, como entendemos que é, afigura-se manifesta a improcedência da acção.

**Por todo o previamente exposto, na manifesta improcedência da acção, decide-se absolver a R. “X - Arquitectura e Construção, Lda.” da totalidade do pedido formulado pelo A. J. F.

.”*É desta decisão que vem interposto recurso pelo A, o qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem): “I. DA DECISÃO SURPRESA: 1- O Tribunal “a quo” nunca poderia proferir uma decisão desta natureza, como a que decorre dos presentes autos.

2- O n.º 3 do artigo 3.º do CPC impõe ao juiz um especial cuidado, determinando que ele deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

3- No plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie.

4- Assim sendo, o princípio do contraditório sustenta-se num direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

5- No caso dos autos, o Tribunal recorrido, proferiu a decisão, sem previamente, ter dado oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a alegada violação da autoridade de caso julgado, o que diga-se, num juízo prudencial, deveria ter feito.

6- De facto, tal viciação não foi suscitada por qualquer das partes, ou pelo tribunal, em qualquer articulado ou ato processual, antes da prolação da sentença.

7- Aliás, a Ré na contestação apenas suscitou a questão da exceção de incompetência territorial, sobre a qual o Tribunal recorrido se pronunciou.

8- Acresce que, o Tribunal recorrido proferiu despacho saneador, onde além do mais referiu o seguinte: Não existem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem a apreciação do mérito da causa.”.

(sublinhado nosso) 9- Portanto, foi o próprio Meritíssimo Juiz que, concluiu no douto despacho saneador, inexistir qualquer exceção ou questão prévia que impedisse de conhecer o mérito da causa, mormente, a exceção de autoridade de caso julgado.

10- Vem agora, o Tribunal a quo, mencionar na douta sentença recorrida a verificação da autoridade de caso julgado, pelo facto de a Ré na sua contestação, ter feito menção à interposição por si de uma ação, com o processo nº 366/15.8T8VVD, a qual constatou que a causa de pedir assenta no mesmo contrato de empreitada, tendo o contrato de empreitada celebrado pelas partes, sido declarado nulo.

11- O certo é que, como o próprio Tribunal referiu, já teve conhecimento dessa outra ação na contestação apresentada pela Ré, e não obstante, posteriormente a essa contestação, veio a proferir o supra referido despacho saneador, onde expressamente referiu que não existiam outras exceções ou questões que impedissem a apreciação da causa.

12- Pelo que, é até contraditório e surpreendente.

13- Face ao supra exposto, parece evidente que a douta sentença de 1ª instância consubstanciou, de facto, uma verdadeira decisão surpresa pelo que, nesta parte, o Venerando Tribunal a quo violou o disposto no art. 3º nº 3 do Cód. Proc. Civil.

Contudo e sem prescindir, II. DO ERRO DE JULGAMENTO: 14- No caso em apreço, o Tribunal recorrido entendeu que, o Autor e a Ré se encontram abrangidos pela autoridade de caso julgado emanada do processo nº 366/15.8T8VVD, que se tem como prejudicial para efeitos da questão em apreço nos presentes autos.

15- Com todo o respeito que devotamos ao digníssimo Tribunal a quo, é nosso humilde entendimento que não assiste qualquer razão e que a douta decisão agora colocada em crise merece censura.

16- Entre a ação referida e a presente, não só não se verificam os requisitos do caso julgado (identidade quanto ao pedido e à causa de pedir), como ainda, a decisão que foi proferida no processo nº 366/15.8T8VVD, não chegou sequer a debruçar-se sobre a relação jurídica substancial, designadamente sobre as consequências jurídicas e legais de um cumprimento defeituoso do contrato de...

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