Acórdão nº 5354/18.0T8LSB-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelLUIS FILIPE PIRES DE SOUSA
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO AA e BB vieram intentar a presente ação declarativa com a forma de processo comum, pedindo a condenação da CCC, E.P.E., a: a)- reconhecer que os certificados de aforro alegados no artigo 6º da petição integram as heranças abertas por óbito de DD e EE; b)- reconhecer que aos Autores, enquanto únicos titulares das heranças abertas por óbito de seus pais, assiste o direito de exigir o reembolso do valor atualizado das unidades de participação constantes dos certificados de aforro discriminados no artigo 6º da petição; c)- pagar-lhes a quantia de €850.773,55, correspondente ao valor atualizado, capital e juros, desses certificados de aforro, bem como juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegam os autores que: – São herdeiros de DD, falecido em 26.04.2002, no estado de casado com EE, em primeiras núpcias de ambos e no regime dotal do Código Civil de 1867, por casamento celebrado aos 3 de março de 1947, com convenção antenupcial celebrada a 17 de fevereiro de 1947; – Sucederam-lhe como únicos herdeiros a referida sua mulher e os seus dois filhos, aqui Autores; – No dia 26 de setembro de 2017, faleceu EE, no estado de viúva de DD; – Tendo-lhe sucedido, como únicos herdeiros, os seus dois filhos, aqui Autores; – O referido DD era titular de uma conta aforro, com o nº 011204923, a qual, à data do seu óbito, era constituída por certificados de aforro que identificam, com um valor total de 198.022,64 €; – No dia 8 de janeiro de 2018, o 1º Autor requereu a emissão de certidão dos certificados de aforro e certificados do tesouro detidos pelo seu falecido pai; – Por carta de 10 de janeiro de 2018, a Ré informou que, nos termos da lei (artigo 12º do Decreto-Lei 122/2002, de 4 de maio), incide uma prescrição sobre esses mesmos certificados, por a habilitação se encontrar fora do prazo legalmente estabelecido para o efeito – 10 anos após o óbito do titular, em virtude de não ter sido apresentada qualquer prova conducente à interrupção ou suspensão da prescrição do prazo para a habilitação.

– Até à data, a Ré não procedeu ao pagamento aos Autores das quantias correspondentes aos valores atualizados dos certificados de aforro (capital e juros).

– Respeitando a vontade da mãe, e também porque cada um dos Autores vivia dos créditos dos seus salários, com os agregados familiares, nunca efetuaram partilhas totais por óbito de seu falecido pai.

– E, quando ele faleceu, desconheciam ambos, e também a sua mãe, que o seu pai era titular de certificados de aforro.

– No início de janeiro deste ano os Autores decidiram desfazer a casa dos pais, de forma a dar destino aos móveis que constituem o seu recheio, bem como às roupas e vestuário de seus pais, que lá se encontravam guardados desde o falecimento do pai, em 2002.

– Tendo encontrado, por mero acaso, dentro de uma agenda, misturado com outros papéis manuscritos pelo seu pai, numa cómoda, os títulos dos certificados de aforro acima alegados.

– Os Autores tiveram conhecimento da existência dos certificados de aforro, titulados em nome de seu falecido pai, em janeiro de 2018.

– O prazo aludido no artigo 7º do Decreto-Lei 172-B/86, de 30 de junho, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 12º do referido Decreto-Lei 122/2002, de 4 de maio, é um prazo de prescrição.

– Porque ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe que lhe assiste (...) a contagem do prazo prescricional só se inicia com o conhecimento da morte do titular (facto neutro) e de que ele era titular de certificados de aforro.

– Razão pela qual os Autores estão em tempo para exercerem o seu direito ao reembolso dos certificados de aforro.

A Ré, na sua contestação, arguiu a exceção de prescrição do direito dos autores.

Defende a ré que: – Determina o art.º 7º do Regime Jurídico dos Certificados de Aforro da série B (D.L. nº172-B/86 de 30 de junho, alterado pelo D.L. nº122/2002 de 4 de maio e D.L. nº47/2008 de 13 de março): “1– Por morte do titular de um certificado de aforro, podem os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos: a)-A transmissão da totalidade das unidades que o constituem; ou b)- O respetivo reembolso, pelo valor que o certificado tenha à data em que o reembolso seja autorizado.

2–Findo o prazo a que se refere o número anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respetivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição.” - O alegado desconhecimento sobre a existência de certificados de aforro é juridicamente irrelevante, dado que o início do prazo de prescrição, no caso, se afere pelo decesso do aforrista; - E uma vez falecido o aforrista, os herdeiros ficam em condições de poderem exigir os certificados de aforro ao IGCP; - Ou seja, o início da contagem do prazo de prescrição não depende do conhecimento, mas sim da data da morte do aforrista.

Notificados para fins de contraditório, vieram os autores apresentar articulado no qual defendem, sumariamente, que o exercício de um direito tem sempre, como precedente lógico, o seu conhecimento; concluem, portanto, que o termo inicial do prazo de prescrição depende do conhecimento do óbito e da existência dos certificados de aforro.

Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Tudo visto, julga-se procedente por provada a presente ação e, em consequência, condena-se CCC, E.P.E., a: 1)– Reconhecer que os seguintes certificados de aforro: a)- nº 003589021, emitido em 06-04-1988, composto por 5.000 unidades; b)- nº 004873394, emitido em 19-09-1988, composto por 10.000 unidades; c)- nº 017109035, emitido em 19-10-1988, composto por 20.000 unidades; d)- nº 019936176, emitido em 15-01-1991, composto por 3.000 unidades; e)- nº 022967672, emitido em 03-06-1991, composto por 800 unidades; f)- nº 025975463, emitido em 02-10-1991, composto por 8.000 unidades; g)- nº 031960553, emitido em 11-05-1992, composto por 2.600 unidades; h)- nº 051780313, emitido em 19-07-1994, composto por 4.000 unidades; i)- nº 053738918, emitido em 04-10-1994, composto por 20.000 unidades; j)- nº 055023495, emitido em 02-12-1994, composto por 6.000 unidades; integram as heranças abertas por óbito de DD e EE; 2)– Reconhecer que aos Autores AA e BB, enquanto únicos titulares das heranças abertas por óbito de seus pais, assiste o direito de exigir o reembolso do valor atualizado das unidades de participação constantes dos certificados de aforro discriminados supra; 3)– Pagar-lhes a quantia de €850.773,55, correspondente ao valor atualizado, capital e juros, desses certificados de aforro, bem como juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.» «Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: a.-Não obstante a verificação da negligência e da inércia dos herdeiros no caso sub judice, certo é que a doutrina avança com outros motivos que fundamentam o regime legal da prescrição, como seja o da certeza e segurança jurídica.

b.-Os procedimentos necessários ao controlo dos prazos de prescrição dos certificados de aforro têm de ser claros e objetivos e permitir o controlo rigoroso e transparente das contas aforro e, bem assim, permitir, em igualdade de circunstâncias, que todos os herdeiros consigam exercer os seus direitos sobre estes produtos aforro dos falecidos aforristas nos prazos legalmente estabelecidos.

c.-O procedimento de controlo de prescrição dos produtos de aforro implementado pela apelante tem por base o definido na lei e sustenta-se na constatação de um determinado evento/facto jurídico por ambas as partes (o óbito do aforrista), facto esse que é passível de comprovação documental efetuada por entidade terceira e imparcial (emissão de certidão de óbito pelo Instituto de Registos e Notariado).

d.-A possibilidade de verificação mútua do evento morte do aforrista torna claro para ambas partes o início e o termo do decurso do prazo prescricional, conferindo-se assim ao procedimento de controlo da prescrição dos produtos aforro a necessária certeza e segurança jurídica.

e.-A ocorrência de um óbito nunca é um facto neutro juridicamente.

f.-O exercício de direitos sobre produtos de aforro conta-se desde a morte do aforrista porquanto só assim se garante que o exercício de direitos pelos herdeiros não gravite eternamente na sua esfera jurídica.

g.- Se a lei fizesse depender o início do prazo prescricional de um alegado mero acaso declarado pelos herdeiros seria impraticável qualquer procedimento de controlo de prazos prescricionais.

h.-A tese jurisprudencial a que a sentença adere vem destruir por completo o instituto da prescrição, na medida em que pretende que o início do prazo de prescrição se inicie com uma data declarada pelos herdeiros de acordo com a ocorrência de um mero acaso que alegadamente os conduziu ao conhecimento dos produtos aforro do falecido aforrista.

i.-A jurisprudência a que a presente sentença aderiu proclama uma forma de controlo dos prazos de prescrição que é impraticável, uma vez que a apelante não pode em momento algum considerar que o prazo de prescrição dos produtos de aforro que gere só começa a contar quando os herdeiros dos seus aforristas falecidos assim o entenderem declarar.

j.-A lei não determina que o conhecimento ou o mero acaso tenham qualquer relevância jurídica para efeito de determinação do início...

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