Acórdão nº 159/15.2T8VLN-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução08 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- Nos autos de Reclamação de Créditos apensos ao processo de Insolvência de “L. C. – Construções e Obras Públicas, Unipessoal, Ld.ª”, foi proferida douta sentença que, no concernente à “verba n.º 1” graduou os créditos (reconhecidos) pela forma seguinte: “1.º As dívidas da massa insolvente saem precípuas; 2.º Do remanescente dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado reclamado pela Segurança Social; 3.º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos garantidos por penhora reconhecidos ao credor Caixa ..., S.A., sem prejuízo da verificação da condição a que está sujeito o crédito no montante de € 27.595,70; 4.º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos enumerados na lista de credores reconhecidos como privilegiados por força da qualificação como créditos laborais, procedendo-se, se necessário, a rateio; 5.º …; 6.º …; 7.º …”.

Não se conformando com a graduação, a credora, “Caixa ..., S.A.” (Caixa …) traz o presente recurso pedindo que, revogada a decisão, seja a mesma substituída por outra que confira preferência aos seus créditos penhoratícios, relativamente aos créditos privilegiados do “Instituto de Segurança Social, I.P.”, os quais, por seu turno, devem ser graduados após os créditos laborais.

Contra-alegou o “I.S.S., I.P.” propugnando para que se mantenha a graduação.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

Colhidos, que se motram, os vistos legais, cumpre decidir.

**II.- A Apelante formulou as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos, o crédito pignoratício da Caixa ... foi graduado para ser pago com preferência sobre os demais, excepção feita ao crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, o qual foi preferentemente graduado.

  1. Tal graduação assenta no disposto no art. 204.º, n.º 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, segundo o qual o crédito da Segurança Social que goze de privilégio mobiliário geral “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.

  2. Não descurando o disposto naquele normativo, defendemos, porém, uma sua interpretação restritiva, nas situações, como a dos presentes autos, em que, com os créditos pignoratícios e os créditos privilegiados da Segurança Social, concorrem outros créditos que beneficiam de privilégio mobiliário geral, como sejam os créditos laborais.

  3. Cremos, pois, ser necessária uma interpretação restritiva daquele normativo, de forma, até, a adequar a sua previsão à de outras normas, com que está em confronto.

  4. De facto, dispõe o art. 666.º, n.º1 do Código Civil que “O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, (...) pertencentes ao devedor ou a terceiro”.

  5. Por seu turno, o art. 333.º do Código do Trabalho, conferindo aos créditos dos trabalhadores, também, privilégio mobiliário geral, expressamente determina que a graduação desses créditos é feita antes dos créditos (com privilégio mobiliário geral) do Estado e das autarquias locais.

  6. Já o art. 749.º, n.º1 do Código Civil determina que “O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.” 8. E, finalmente, nos termos do art. 175.º, n.º 1 do CIRE, “O pagamento dos créditos privilegiados é feito à custa dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes, com respeito da prioridade que lhes caiba, e na proporção dos seus montantes, quanto aos que sejam igualmente privilegiados.” 9. Constata-se, assim, haver aquilo que Baptista Machado apelida de >, visto que o artigo 204.º, n.º 1 do CCRSPSS determina que o crédito da Segurança Social deve ser graduado a par com o crédito por impostos, o n.º 2 da mesma disposição legal prevê que o crédito da Segurança Social deve prevalecer em detrimento do crédito pignoratício, e por fim, o art. 747.º, n.º 1 do Código Civil estipula que o crédito por impostos deve ser graduado após o crédito pignoratício.

  7. Acresce ainda que, no confronto directo entre créditos privilegiados da Segurança Social e créditos laborais, ambos dotados de privilégio mobiliário geral, estes devem ser graduados antes daqueles, apenas assim não ocorrendo quando, para além dos mesmos, concorram ainda créditos pignoratícios, hipótese em que, seguindo a posição vertida na sentença recorrida, os créditos privilegiados da Segurança Social passam a preferir aos créditos laborais.

  8. Entendemos, pois, que a lacuna apontada deve ser colmatada através da prevalência absoluta do crédito garantido por penhor, acompanhando de perto a fundamentação do Ac. TRG, proc. n.º 703/13.0TBMDL-K.G1, de 25.MAIO.2017, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/b9 479164c3a5542280258155004d7851?OpenDocument.

  9. Tal solução compreende-se uma vez que os créditos privilegiados, por privilégio mobiliário geral, não têm a natureza de direitos reais, visto que não recaem sobre coisas certas e determinadas, não conferindo, por conseguinte, direito de sequela, e bem assim, eficácia erga omnes ao respetivo credor, devendo-se por essa razão aplicar o princípio vertido no art. 749.º do Código Civil, conjugado com o disposto no art. 604.º, n.º 2 do Código Civil, donde, os privilégios gerais devem ceder perante os direitos reais de gozo e de garantia.

  10. Esta solução harmoniza-se com o sistema de prioridades de pagamentos decorrente do Código Civil, como também respeita os princípios da confiança (o credor deve saber, no momento em que constitui o seu crédito com o que contar), da igualdade (não beneficiado o Estado, nos vários graus da sua administração) e do direito do acesso à justiça (não apenas como direito formal de recurso aos tribunais, mas como direito substantivo de, através destes, ver realizado o seu direito) 14. E, ainda, honra as disposições do CIRE (arts. 172.º, 174.º e 175.º), nos termos das quais, após pagamento das dívidas da massa, deverá ser efectuado o pagamento dos créditos garantidos pelo produto da venda dos bens onerados, sendo que o pagamento dos créditos privilegiados deve ser feito à custa dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes.

  11. Por outro lado, a interpretação propugnada não comporta prejuízos desmesurados aos interesses públicos do Instituto da Segurança Social, não sendo despiciendo que, tendo a Caixa .../recorrente concedido crédito à Insolvente, permitiu-lhe desenvolver a sua atividade, com o que a mesma gerou receitas e, assim, pagou contribuições à Segurança Social, por si e pelos seus trabalhadores.

  12. Acresce não ser de olvidar que a Segurança Social dispõe da possibilidade de garantir os seus créditos por um qualquer dos meios de garantia previstos nos arts. 601.º e ss. do Código Civil – v.g. art. 20.º da Lei n.º 110/2009 -, também por este motivo não sendo a solução aqui defendida pela apelante demasiado onerosa para os interesses públicos do Instituto da Segurança Social.

  13. Neste sentido, vejam-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães - proc. n.º 764/11.6TBBCL-LG1, de 13.OUT.2016, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d6 1bbcfd2459313c8025806e005aebd2?OpenDocument – e do Tribunal da Relação de Coimbra - proc. n.º 6100/16.8T8CBR-C.C1, de 20.JUN.2017, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/F82D903265FD3EEF8025816000393BAF.

  14. A decisão recorrida é, portanto, violadora do disposto nos artigos 666.º, 749.º e 604.º, n.º 2 do Código Civil e 333.º do Código do Trabalho, 19. devendo ser revogada e substituída por uma outra que confira aos créditos pignoratícios da CAIXA ... preferência relativamente aos créditos privilegiados do Instituto de Segurança Social, I.P., os quais, por seu turno, devem ser graduados após os créditos laborais.

    **III.- Por sua vez, o Apelado “I.S.S., IP” conclui assim: 9- O artigo 333.º do Código do Trabalho estabelece que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam: de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes dos créditos referidos no n.º 1, do artigo 747.º, do Código Civil (o que significa que prevalecem sobre todos os restantes créditos com privilégio mobiliário geral e especial, com excepção do crédito por despesas de justiça – artigo 746.º do Cód. Civil); e, de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, sendo graduados antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social (ficam assim sujeitos ao regime do artigo 751.º do CC, por força do qual preferirão sobre direitos reais de gozo e de garantia de terceiro).

    10- É jurisprudência pacífica de que concorrendo créditos garantidos por penhor com créditos de trabalhadores beneficiados com privilégio creditório mobiliário geral (como sucede in casu), aqueles primeiros (penhor) têm, na pertinente graduação, preferência no pagamento pelo valor dos bens empenhados (neste sentido vide, por todos, o Ac. do TRG de 13.02.2014, processo n.º 1216/13.5TBBCL-A.G1, acessível em www.dgsi.pt).

    11- Os privilégios dos créditos da segurança social estão previstos no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança...

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