Acórdão nº 124/16.2TXLSB-E.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, por decisão de 27/02/2020, foi ao Arg.

Arguido/a/s.

AA, com os restantes sinais dos autos, negada a execução antecipada da pena acessória de expulsão nos seguintes termos: “… Relatório Nos presentes autos procede-se à apreciação do pedido de antecipação da execução da pena acessória de expulsão (art 188.º-A, n.º 2, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, doravante CEPMPL) do recluso RR.

O Senhor Diretor do Estabelecimento Prisional emitiu parecer favorável (art. 188.º - A, n.º 3, do CEPMPL).

Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento para a execução antecipada da pena acessória de expulsão (art. 188.0 -B, n.º 2, do CEPMPL).

O Ministério Público emitiu parecer favorável à antecipação, tendo o Ilustre defensor do recluso pugnado igualmente no sentido da concessão de tal antecipação (art. 188.º-B, n.º 3, do CEPMPL).

Fundamentação de Facto.

Matéria de facto provada.

Com interesse para a decisão da causa, encontra-se apurada a seguinte factualidade: 1.

–O recluso foi condenado no âmbito do processo n.º 330/14.4JELSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 6), na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, e, bem assim, na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos, pela prática em autoria material de um crime tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, al. c), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, por referência à respetiva Tabela .Anexa I-B; 2.

– Deu-se como provado nesses mesmos autos, que o arguido, e ora recluso, agindo de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a detenção, o transporte e a comercialização de cocaína lhe eram proibidos e punidos por lei, transportou por via marítima, no interior do veleiro de sua pertença, com origem em local não concretamente apurado, através das águas territoriais portuguesas e com destino final Itália, cocaína com o peso líquido total de 661.449,682 g. Mais se provou que a quantidade de cocaína apreendida e referida supra permitia alcançar um total de 2.265.483 doses individuais; 3.

– De harmonia com a liquidação efetuada e homologada pelo tribunal da condenação, o meio da pena ocorreu em 14/01/2020, os dois terços ocorrerão cm 14/10/2021, os cinco sextos em 14.07.2023, e o termo da pena será em 14/04/2025.

  1. – Ao recluso não são conhecidas outras condenações criminais.

  2. – AA é natural e nacional da Ucrânia, não possuindo quaisquer ligações familiares e/ou profissionais em Portugal, só se encontrando em território nacional para transportar a cocaína; 6.

    – Completou dez anos de escolaridade, tendo concluído cursos técnicos, designadamente de motorista. Casou e teve dois filhos; 7.

    – Afirma ter refletido sobre os factos que o trouxeram à prisão e diz reconhecer a prática do crime e saber que foi grave, considerando justa a pena. Porém, desculpabiliza-se com terceiros envolvidos no projeto de transporte transcontinental da cocaína, afirmando que se soubesse antecipadamente todos os contornos do projeto criminoso em que participou, não tinha aderido a esse projeto, acrescentando que lhe propuseram que fizesse o transporte das malas corno forma de pagar o restauro do seu iate e resolveu aceitar, porque não dispunha de dinheiro para pagar; 8.

    – No seu regresso à Ucrânia, tenciona 'trabalhar, tendo já contrato que poderá assinar assim que chegue. Tenciona regressar para junto da sua família e tomar conta dos seus filhos; 9.

    – Quanto ao seu percurso prisional, trabalhou corno soldador durante um ano e meio. Depois de transferido para o EP Funchal ainda não beneficiou de colocação laboral. Faz ginásio e vai à biblioteca.

    Motivação da matéria de facto.

    A convicção do tribunal no que respeita à matéria de facto provada resultou da decisão condenatória junta aos autos, da ficha biográfica do recluso e do seu certificado de registo criminal, do parecer do Senhor Diretor do Estabelecimento Prisional e das declarações do recluso.

    Fundamentação de Direito.

    O tribunal pode determinar a antecipação da execução da pena acessória de expulsão desde que verificados os seguintes requisitos: a)-De ordem formal: i.-o tempo de cumprimento da pena, a saber metade da pena, porque se trata in casu de condenação em pena superior a 5 anos [art. 188.0 -A, n.º 2, ai. b), do CEPMPL]; ii.-o consentimento do recluso na antecipação da expulsão.

    b)-De ordem substantiva: i.

    -revelar-se a expulsão compatível com a defesa da ordem e da paz social; ii.

    -ser de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [art. 188.º -B, n.º 3, do CEPMPL].

    RR atingiu já o cumprimento de metade da pena de prisão (em 14.01.2020) e consentiu na antecipação da expulsão, pelo que resta analisar se estão verificados os requisitos de ordem substantiva acima enunciados.

    Tal como referido, o legislador exige que a antecipação se revele compatível com a defesa da ordem e paz social. Pretendesse, pois, dar ênfase à prevenção geral, traduzida na proteção dos bens jurídicos e na expectativa que a comunidade deposita no funcionamento do sistema penal. Não estando assegurado este requisito, não poderá ser concedida a antecipação, ainda que o condenado revele bom prognóstico de recuperação.

    Este prognóstico de recuperação, consubstancia outro dos referidos pressupostos materiais. O legislador apenas permite a antecipação caso haja fundada expectativa de que, em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida responsavelmente, sem cometer crimes. Apela-se, em suma, à prevenção especial, na perspetiva de ressocialização e prevenção da reincidência. Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo de prognose sobre a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.

    Debruçando-nos sobre o caso concreto, importa sublinhar que o crime de tráfico de estupefacientes assume grande relevância e alarme social, considerando os bens jurídicos em causa. Não seria, pois, compreensível para a sociedade civil que o agente de um ilícito deste género - perpetrado num contexto de tráfico transnacional (transporte de droga por via marítima, num veleiro, atravessando as águas territoriais portuguesas e com destino final em Itália), envolvendo uma quantidade muito considerável de cocaína, suficientes para alcançar um total de 2.265.483 doses individuais - fosse libertado, ainda que para antecipação da expulsão, com referência ao meio da pena. Efetivamente, tal libertação transmitiria não só ao próprio, como à comunidade no seu todo, um sinal errado quanto aos valores tutelados pela ordem jurídica e defraudaria a expectativa da sociedade no funcionamento do sistema penal.

    Assim, pese embora o recluso evidencie uma postura de assunção do crime, com algum sentido crítico, denotando que interiorizou a gravidade da infração (mas tentando ainda desculpabilizar-se com terceiros envolvidos no projeto), revelando também um percurso prisional isento de reparos (comportamento institucional adequado), as razões de prevenção geral, pelo sinal negativo que se pretende evitar emanar para a sociedade, impedem em absoluto o deferimento da pretensão do recluso.

    Como se assinala no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 22 de maio de 2019 (acessível em www.dgsi.pt), integrando a cocaína as denominadas drogas duras de elevado poder destrutivo, essa circunstância potencia, "aumentando, as exigências de prevenção geral, as quais não resultam atenuadas pelo facto de o ora recorrente ter agido como "correio de droga": Efetivamente,(.:.) um correio de droga não é elemento despiciendo ou menor na máquina que permite manter em funcionamento o mercado de tais produtos, uma vez que a cocaína é produzida fora de Portugal, (especialmente na América do Sul) e a actividade prosseguida pelo arguido é um dos meios para a tornar disponível quer no nosso pais, quer em outros países europeus." E prossegue esse Acórdão com a afirmação de que "Já constitui lugar-comum, mas nem por isso devemos deixar de o enfatizar, dizer que o crime em questão integra o lote daqueles que mais nefastas consequências traz para a paz social, já enquanto destrói o indivíduo; já enquanto delapida a família em que se insere, destruturando-a, comprometendo, significativamente, por lhe falhar a capacidade, o seu contributo para o bem comum; já enquanto potencia o cometimento de um considerável leque de outro tipo de crimes (criminalidade associada); já enquanto acarreta graves problemas de saúde pública, problemas estes que se projetam sobre toda a sociedade.".

    Como se escreveu no igualmente douto Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de junho de. 2018 (também acessível em www.dgsi.pt): "( ... ) a antecipação da expulsão para quem praticou um crime particularmente grave, face aos danos que causa na sociedade actual, frustraria, inquestionavelmente o sentimento geral de vigência das normas violadas. E tais razões de prevenção geral não podem deixar de ser ponderadas também na fase de execução da pena de prisão (...). Assim, tratando-se de um crime de tráfico de estupefacientes, não se verificando - como não se verificam - razões ponderosas ou excepcionais para conceder nesta fase da execução da pena liberdade antecipada (que necessariamente decorreria da antecipação da pena acessória) seria atentatório das necessidades estratégicas de combate a este tipo de crimes e 'faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral (... ). E que, não pode o tribunal ser alheio à realidade de estarmos perante actos de tráfico de estupefacientes de ordem internacional, de quantidades significativas de drogas duras e cometido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT