Acórdão nº 8225/18.6T9LSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelANA BRITO
Data da Resolução23 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo Comum Colectivo n.º 8225/18.6T9LSB, da Comarca de Faro (…), foi proferido acórdão a “proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos e condenar o Arguido (...) pela prática, como autor material, em concurso efectivo de: - um crime de Pornografia de Menores, na forma agravada, previsto e punido pelos artigos 176º, nº 1, al. c) e artigo 177º, nº 7 do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão; e - um crime de Pornografia de Menores, previsto e punido pelo artigo 176º, nº 5, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; fazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Arguido (...) e condená-lo na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.” Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “

  1. Há contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (art. 410º, nº 2, al. b) CPP), ao aplicar (e muito bem – diga-se) a posição doutrinária e jurisprudencial de que o número de materiais pornográficos não poderá servir para a individualização de crimes consumados, decidindo que o arguido praticou um crime único, contraditando-se a decisão de condenar o arguido pela prática de 2 (dois) crimes únicos, o p. e p. pelos art. 176.º, nº1, al. c) e 177º, nº7 do CP e o p. e p. pelo art. 176º, nº 5, quando ao último deveria verificar-se a consunção no primeiro, pois o arguido agiu numa única e mesma motivação criminosa, o bem jurídico tutelado é o mesmo e é única a ação criminosa (guarda de ficheiros de pornografia de menores num único equipamento informático).

  2. Face ao exposto, não se autonomizando o crime do nº 5 do art. 176.º, do crime da al. c) do nº 1 do mesmo artigo do Código Penal, deveria o arguido ser absolvido desse crime, já que o Tribunal a quo considerou igualmente verificada a consunção nos dois crimes de Pornografia de Menores, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 176º, nº 1, alíneas c) e d) e nº 4 do Código Penal, relativamente à posse de “Representação realista de menor”» de que o arguido vinha acusado.

    Sem prejuízo, caso tal entendimento não mereça provimento, mas mesmo assim, por ser relevante para a medida concreta da pena: C) Há erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2 , al. c) CPP), porquanto os 148 ficheiros de imagem dos factos provados 14. e os 9 ficheiros de imagem dos factos provados 20., não foram enviados a terceiros, estavam simplesmente armazenados no caminho “WhatsApp Images” ou em pasta de memória, não havendo qualquer prova que tais ficheiros tivessem sido cedidos a terceiros.

  3. Há contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (art. 410º, nº 2 , al. b) CPP), quando, na página 33 (e também na 53) do Acórdão, afirma que o arguido «enviou, através da aplicação, um total de 824 ficheiros de imagem e vídeo a utilizadores não identificados (factos provados 3. e 14. a 21.)», quando da análise de tais factos provados resulta que o arguido enviou 545 ficheiros de imagem e vídeo [sem prejuízo do erro na apreciação de prova alegado anteriormente relativo aos factos 14. e 20., que merecendo provimento, resultará provado que o arguido enviou através da aplicação WhatsApp um total de 388 (trezentos e oitenta e oito) ficheiros de imagem e vídeo], termos em que a pena terá de ser forçosamente reduzida na mesma proporção, isto é, reduzida em metade a pena aplicada pela prática do crime p. e p. art. 176.º, nº1, al. c) e 177º, nº7 do CP. Assim não se entendendo, E) As penas parcelares aplicadas ao arguido na condenação são desproporcionais ao grau de ilicitude dos factos, considerando a forma de atuação, modalidades de ação e o período de tempo de atividade, pois a guarda num período relativamente curto de atividade de ficheiros (436) e o envio de ficheiros (388) poderá ser inicialmente indicativo de uma elevada ilicitude, todavia o meio informático com acesso à Internet é um potenciador de acesso/contacto com um número elevado de ficheiros, geralmente é necessária a instalação de programas e aplicativos de partilha automática, no caso concreto, o arguido ao ser membro de um grupo de conservação do WhatsApp dedicado ao fim criminoso de partilha de pornografia de menores, não tem qualquer controlo sobre o número de ficheiros transitados e, por defeito da aplicação, são automaticamente, guardados no seu equipamento; realça-se ainda o facto do arguido ter voluntariamente ter admitido ter aberto os ficheiros, tomado conhecimento do seu conteúdo e guardado os mesmos; F) De igual forma, terá de relevar no caso concreto, outros factos/circunstâncias: um só ficheiro PDF tinha 121 (cento e vinte e uma) fotografias (Facto provado 24.); Todos os 388 ficheiros enviados já não estavam na disposição ativa de consulta/visionamento do arguido, estavam alojados no rastreamento automático que a aplicação WhatsApp grava de todos ficheiros enviados; todos os ficheiros estavam guardados num único equipamento eletrónico/informático; G) Se operada a redução de pena de prisão em patamar que seja legalmente admissível, deverá a mesma ser suspensa na sua execução, apesar dos antecedentes criminais por crimes idênticos (tendo inclusivamente vindo a praticar os factos desde processo no período de suspensão da anterior condenação) e das necessidades de prevenção geral e especial serem elevadas (não se olvidando que «não deverá o abusador ser confundido com o consumidor da imagem do abuso. São ambas as condutas muito graves, mas incomparáveis, como será incomparavelmente mais grave a conduta do autor de um abuso sexual de menor de 14 anos do que o consumidor de milhares de ficheiros de imagens de abuso.»), é ainda possível um juízo e prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, porque considerando os efeitos nefastos das medidas detentivas importa que o arguido beneficie de uma oportunidade de se ressocializar em liberdade, pois a aplicação nos autos de medida de coação da prisão preventiva desde a sua detenção em 14/11/2018 e que se mantém, e os eventuais efeitos na revogação da suspensão da pena de prisão em que foi condenado no processo anterior, levam a crer ser de dar uma nova oportunidade ao arguido, na convicção de que a advertência da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 50º nº 1 do Código Penal).” O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo: “I - Os pretensos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, als. b) e c), do C. P. Penal, (a saber, "contradição insanável entre a fundamentação e a decisão" e "erro notório na apreciação da prova"), invocados pelo recorrente, consistem apenas em pretender contrapor a sua convicção perante a prova produzida em audiência, à convicção que sobre a referida prova, e de acordo com as regras de experiência comum, o douto tribunal adquiriu, o que é irrelevante, pois contraria o princípio da livre apreciação da prova ínsito no artigo 127º do CPP, segundo o qual o tribunal aprecia e valora livremente a prova, de acordo com as regras de experiência comum, e responde segundo a convicção que sobre elas haja alcançado.

    II - A douta sentença recorrida não só não enferma de contradição insanável da fundamentação da decisão nem de erro notório na apreciação da prova, ou de qualquer outro vício - tal omissão ou vício não resultam minimamente do seu texto - como é perfeitamente clara, lógica e coerente, consistente e suficiente, permitindo uma avaliação segura e cabal do porquê de tal decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, na medida em que explicou detalhada e racionalmente os elementos de prova de que partiu e as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como havia dado como provado.

    III – O tribunal deu como provado que o arguido tinha guardado no seu computador vários ficheiros de imagem e de vídeo onde são visualizadas crianças menores de 14 anos não identificadas, desnudadas, em poses sexuais, exibindo os órgãos genitais, as nádegas, em práticas sexuais de masturbação, sexo oral, sexo anal, introdução vaginal de partes do corpo, sozinhas e acompanhadas.

    IV - E também se deu como provado que o arguido recebeu e enviou a partir do seu computador a utilizadores não identificados, várias imagens, vídeos, fotografias onde são visualizadas crianças menores de 14 anos não identificadas, desnudadas, em poses sexuais, exibindo os órgãos genitais, as nádegas, em práticas sexuais de masturbação, sexo oral, sexo anal, introdução vaginal de partes do corpo, sozinhas e acompanhadas.

    V – A pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão em que o arguido foi condenado, pela prática de um crime de Pornografia de menores, na forma agravada, p. e pelo artigo 176.º, n.º 1, al. c), e 177.º, n.º 7, do CP, e de um crime de Pornografia de Menores, p . e p. pelo artigo 176º, nº 5, do CP, é justa, adequada e proporcional.

    VI - Não foi violado qualquer preceito legal, nomeadamente o artigo 410º, do CPP.” Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto acompanhou a resposta ao recurso, sufragando a confirmação do acórdão.

    Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

    2.

    O acórdão, na parte relevante para o recurso, tem o seguinte teor: “Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1. No âmbito do processo n.º 804/16.2TELSB e na sequência dos exames periciais efectuados aos telemóveis na posse do aí arguido (…), verificou-se que este tinha instalado nestes equipamentos informáticos o programa de conversação móvel “WhatsApp“, através do qual fazia parte de grupos de conversação, com as denominações “ Full CP”; “Pornô Infantil”, “Zorrita CP” e “ conteúdo privado CP”, que visavam exclusivamente a partilha de conteúdos de abusos sexuais de crianças.

    2. O Arguido (…) fazia parte do grupo de conversação “Conteúdo privado cp” participando nas conversações e na partilha de ficheiros de...

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