Acórdão nº 931/11.2TAMGR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | ELISA SALES |
Data da Resolução | 24 de Junho de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO Os arguidos A.
e B.
vieram interpor recurso do despacho, proferido em 2-10-2019, que indeferiu a suspensão dos presentes autos, requerida ao abrigo do disposto no artigo 47º, n.º 1, do RGIT.
* E, da motivação extraíram as seguintes conclusões: 1.
A decisão recorrida que “indefere a requerida suspensão dos presentes autos.”, há de ser revogada, admitindo-se o presente recurso e, deste modo, julgado procedente, suspensos os autos.
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Antes de mais, dizer que, ao recurso, agora interposto há de ser atribuída subida imediata, porquanto a sua retenção o tornaria absolutamente inútil. Pois que, o efeito não mais poderá ser obtido, ainda que revogada a decisão sob recurso. E, efeito suspensivo, porquanto, além do mais, deste recurso depende a validade ou a eficácia dos actos subsequentes, suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos.
Posto isto, 2.
Pela Sociedade de ROC’s foi apresentada queixa-crime, participando o que seriam “factos indiciadores de cometimento de Crime Público relativo à existência de dívidas ao Estado e Segurança Social em mora referente aos anos de 2010 e 2011”.
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De acordo com a mesma queixa-crime, apresentada a 3 de Novembro de 2011, as contas de 2010 não estavam encerradas, sendo que estariam em mora IVA no valor aproximado de 274.000 €, referente aos meses de Novembro de 2010 a Julho de 2011, tratando-se de valores “colhidos por métodos indirectos” 4.
Por isso, foi solicitada informação acerca da existência de inquéritos pela eventual prática do crime de abuso de confiança fiscal contra a empresa (…), tendo, por decisão de 5 de Janeiro de 2012, sido delegada “competência no NIC – DF de leiria para que proceda à realização das pertinentes diligências de investigação, em 90 dias”.
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Por despacho de 9 de Julho de 2019 (?), porquanto, alegadamente, os factos participados seriam susceptíveis de consubstanciar a prática de crime de fraude fiscal qualificado, delegou-se na PJ, DIC de Leiria a investigação, para realizar num prazo de 90 dias.
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A 20 de Novembro de 2014, foi determinado, nestes autos, que o acto administrativo de liquidação seja realizado nestes autos, sendo que, de acordo com aquela decisão os autos estariam a chegar à fase de apuramento dos valores dos impostos em falta.
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Até hoje, os arguidos, não foram notificados de qualquer liquidação realizada nestes autos.
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Foi, nos presentes autos, deduzida acusação contra os arguidos, imputando-lhes a prática de um crime de fraude fiscal, sob a forma consumada e co-autoria, previsto e punido pelo artigo 104.º, n.º 2, als. a) e b) ex vi artigo 103.º, todos do RGIT.
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Conforme documento junto e cujo teor se dá por reproduzido, a sociedade arguida recebeu, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, a missiva que dava conta da Acção Inspectiva.
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De acordo com a mesma missiva, a Acção Inspectiva, tinha por objecto, enquanto acção inspectiva parcial, o Iva e dizia respeito aos anos de 2010 e 2011.
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A arguida nunca foi notificada quanto à alteração do âmbito ou extensão da acção inspectiva, como, a ter acontecido, se impunha.
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Assim, tal fere de nulidade a acção inspectiva, e, logo, nula a acusação recebida.
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Nulidade que sempre se impunha, atento o lapso de tempo decorrido, sem a prolação de qualquer decisão definitiva.
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Sendo que, conforme o anexo, que acompanha a referida diligência, “O sujeito passivo poderá, até ao termo do procedimento da inspecção proceder à regularização da sua situação tributária”, 15.
Sublinhe-se que ainda não se verificou o termo do procedimento da inspecção.
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Logo, a verificar-se qualquer irregularidade, a mesma poderia ainda ser corrigida.
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Não se verificando, por isso, a prática de qualquer crime.
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E, sempre a sociedade arguida, concluída a inspecção e havendo lugar a correcções de que resultem alterações à matéria tributável ou imposto a pagar, tem ainda o direito, que ainda não lhe foi concedido, de se pronunciar previamente.
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A verdade é que nada até hoje se verificou, senão o anunciar da inspecção e a realização da mesma, sem mais nada e, nomeadamente, sem a notificação do relatório final da inspecção.
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Não existindo, designadamente, qualquer liquidação adicional que, agora, atento o lapso de tempo decorrido, também já não pode existir.
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Sendo que, só depois disso, da acção inspectiva, poderá resultar procedimento criminal, como fosse o presente e, sempre, dentro do âmbito da inspecção.
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E, apresentados os meios de defesa ao dispor do cidadão/arguidos, sempre os presentes autos teriam de suspender-se.
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Assim, é a acusação e o procedimento criminal legalmente inadmissível, impondo-se o seu imediato arquivamento.
Sem prescindir, 24.
Os factos e direito, objecto dos presentes autos, encontra-se a ser discutidos, • No âmbito do processo-crime, posteriormente instaurado – conforme documento já junto; • No âmbito da acção administrativa especial que corre termos no TAF de Leiria, com o número 871/18.4BELRA. Acção de Condenação para a prática de um acto devido (emissão das liquidações adicionais respeitantes ao processo crime) – documento junto.
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Desta forma, e nos termos do disposto no artigo 47º do RGIT, “se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.” 26.
Em suma, e por via da aplicação do artigo 47º do RGIT, conjugado com os artigos 2º, 13º, 32º nº 1 e 212º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, o processo penal deverá ser suspenso até que a discussão da situação jurídica tributária esteja concluída e esta fique definitivamente definida.
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Ora, o artigo 47º nº 1 do RGIT, visa delimitar claramente o âmbito material da jurisdição penal e o âmbito material da jurisdição fiscal, privilegiando, na esteira da lei fundamental, os tribunais tributários na discussão de factos jurídicos tributários.
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Logo, a única interpretação razoável e capaz de salvaguardar a conformidade do artigo 47º nº 1 do RGIT com o artigo 212º nº 3 da Constituição, será a de, por um lado, antes do prosseguimento de qualquer processo penal, a situação jurídica tributária deverá estar definitivamente decidida e, por outro lado, qualquer meio processual a que se recorra no âmbito do processo tributário onde se discuta a situação jurídica tributária implica a suspensão do procedimento penal, devendo ambas as situações privilegiar-se a competência as instâncias especializadas, neste caso, as tributárias.
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Neste sentido, Supremo Tribunal de Justiça, acórdão nº 3/2007, de Uniformização de Jurisprudência, “É manifesto que o direito fiscal constitui um ramo de direito público, imbuído de princípios e normas próprios, do ponto de vista quer substantivo quer adjetivo. Uma tal peculiaridade do direito fiscal, justificou a criação de uma ordem jurisdicional própria – os tribunais administrativos e fiscais. Dadas as apontadas especialidades do direito fiscal, a impugnação judicial tributária constitui objeto próprio de apreciação e decisão na competência da jurisdição administrativa e fiscal.” 30.
Estabelecendo uniformização da seguinte forma “(…) a impugnação judicial...
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